Poder 360
Papel das distribuidoras, tarifas e margens sem critério e o real tamanho da infraestrutura desse mercado precisam ser esclarecidas nesse momento oportuno, escreve Adriano Pires
A distribuição de gás natural no país é circundada por certos mitos que precisam ser revelados.
A tese de que o papel das distribuidoras é comercializar o gás natural é um dos que precisam de elucidação. E, nesse caso, a realidade é simples: a comercialização não é a atividade econômica da distribuidora, que apenas distribui o gás. A distribuição e a comercialização são atividades distintas.
A distribuição compreende a construção, a manutenção e a operação das redes de gasodutos destinadas a levar o gás aos pontos de consumo. O gás é obtido de produtores/importadores pelo distribuidor, que repassa esse custo do energético, não ganhando com a venda do gás, apenas com a atividade de distribuição da molécula. Já os comercializadores utilizam as instalações de transportadores e distribuidores para o fornecimento de gás a seus clientes, pagando pela utilização dos gasodutos das distribuidoras e obtendo na atividade de comercialização seus lucros.
Outro mito está na errônea afirmação de que a distribuidora estabelece margens e tarifas a seu critério. A tarifa de gás natural ao consumidor final é composta pelo preço do gás (commodity + transporte), impostos/tributos e margem de distribuição. A parcela da tarifa de gás natural que cabe ao distribuidor é a margem de distribuição.
As margens de distribuição são regidas por regulação, calculadas pelas distribuidoras conforme o contrato de concessão, e são aprovadas pelas agências reguladoras estaduais em observância aos princípios da razoabilidade, transparência e publicidade. As demais variáveis que compõem o preço da commodity e do transporte não são determinadas pela distribuidora, e sim pelo supridor e pelo agente transportador.
Ainda no que diz respeito às tarifas, a redução e/ou inexistência da margem de distribuição não é capaz de reduzi-la ao consumidor final. As distribuidoras são tomadoras de preço nos seus diferentes segmentos de atuação por conta da competitividade com os energéticos substitutos -ou seja, adequam suas margens para se manter competitivas no mercado. Considerando-se a composição do preço do gás, uma redução da margem de distribuição não necessariamente implica em redução da tarifa final, pelo fato desta depender também do comportamento das demais variáveis.
A relação entre a distribuidora e o consumidor livre é também um ponto a ser esclarecido. As distribuidoras não possuem qualquer objeção à existência dos consumidores livres, pois não são remuneradas pela venda do gás. O custo da molécula deveria ser totalmente repassado por meio da tarifa. Mas, na prática, muitas vezes a própria distribuidora assume o aumento desse custo por um período, não repassando imediatamente para o mercado.
Vale ressaltar que o conceito de consumidor livre é aquele que compra o gás diretamente do supridor, mas continua pagando a margem de distribuição por utilizar a infraestrutura da rede. Passar por cima da distribuidora ao não realizar o pagamento da margem prejudica o desenvolvimento de infraestrutura nos Estados, a geração de escala e a liquidez de gás para o mercado, além de onerar ainda mais os consumidores que continuam conectados à rede.
Ao contrário do que possa ser divulgado, a rede de distribuição de gás natural nacional precisa de expansão. O mercado doméstico ainda é imaturo, com penetração limitada das redes de transporte e distribuição, quando comparada às redes de mercados subdesenvolvidos, como o México e a Colômbia.
A infraestrutura de gás natural no Brasil se desenvolveu ao longo da costa litorânea, principalmente na região Sudeste, permanecendo bastante concentrada, considerando-se a extensão do território brasileiro. Ainda existem potenciais clientes a serem conectados no interior do Brasil, como indústrias e atividades econômicas com vocação para a utilização do gás natural, além da geração térmica na base.
Por ser um segmento com características de monopólio natural, sob concessão estadual de área geográfica exclusiva, há quem diga que a distribuição de gás não enfrenta concorrência. Ledo engano. As distribuidoras enfrentam 2 tipos de concorrência. A 1ª é a competição entre o gás natural e outros energéticos substitutos, como o GLP, óleo combustível etc. A 2ª é a concorrência entre os Estados, que competem entre si para atrair indústrias e térmicas, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento econômico nos seus territórios.
Há, ainda, os que pregam que as distribuidoras são intermediárias onerantes que inviabilizam investimentos em projetos industriais. Contudo, a distribuição é o elo da cadeia de valor do gás natural responsável por distribuir o gás natural produzido, processado e transportado até os consumidores finais. Ou seja, a distribuidora é responsável pela operação e manutenção da rede de distribuição, levando o gás aos diversos segmentos do mercado: industrial, comercial, residencial e geração de eletricidade (termelétricas).
Quanto à competitividade para a aquisição do gás natural pelas distribuidoras, vale destacar que, apesar dos avanços no mercado, a Petrobras ainda tem presença significativa em toda a cadeia de gás. Por consequência, o setor ainda depende da companhia, que é a principal operadora e concessionária dos campos de produção, além das UPGNs (Unidades de Processamento de Gás Natural).
Isso ocorre a despeito de existirem outros agentes produtores. Atualmente, as CDLs (Distribuidoras Locais de Gás Canalizado) se organizam para realizar a Chamada Pública de Gás, na busca de buscar melhores condições de suprimento.
Ao contrário do que alguns pregam, a regulação no nível estadual não é um impeditivo para o desenvolvimento do mercado de distribuição. A experiência internacional mostra que o desenho do mercado é consequência de como ele se desenvolveu ou foi concebido, podendo ser top/down (via incumbente -com a criação de uma regulação a nível federal) ou bottom/up (desenvolvimento localizado que cresce atravessando as fronteiras municipais e estaduais -gerando uma regulação a nível estadual/local).
De qualquer forma, a experiência internacional mostrou que a regulação a nível estadual/local não se mostrou uma barreira ao desenvolvimento de mercados considerados atualmente maduros, como a Itália e os EUA, por exemplo. No caso brasileiro, o desenvolvimento do mercado foi top/down -ou seja, via incumbente.
Além disso, os contratos de concessões e os modelos regulatórios de cada Estado não podem ser qualificados como bons ou ruins. Os modelos regulatórios foram criados com propósitos e objetivos diferentes.
A diferença de maturidade entre as regiões resulta em necessidades contratuais e regulatórias distintas: os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, quando privatizados, encontravam-se em um estágio de desenvolvimento mais avançado que os demais. Desde então, os processos de revisão tarifária são feitos utilizando o critério do price cap. Nas demais regiões do Brasil em que ainda não há um grau de maturidade, como o Rio de Janeiro e São Paulo (ainda em fase de expansão de infraestrutura), o modelo aplicado é o cost plus -adequado e aderente à realidade desses Estados.
Resumindo, os contratos de concessão e os modelos regulatórios de cada Estado não podem ser qualificados como bons ou ruins, modernos ou ultrapassados, mas devem levar em consideração as características e necessidades do local em que são implementados.
Além de desmistificar os mitos que rondam o segmento de distribuição de gás natural, é importante que as verdades sejam evidenciadas. A sociedade brasileira precisa ter acesso a informações claras para que todos se libertem de crenças e mitos.
Esse é um bom início para o fomento ao mercado de gás. Cabe ao governo pautá-lo em adequadas políticas de uso do energético em todos os setores e estabelecer bases regulatórias sólidas para atrair investimento, dando lugar a um mercado de gás natural mais dinâmico.