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Por desconfiar que vai ter de pagar a conta, parte da população mundial ainda duvida do discurso sobre a urgência da transição energética.
Pesquisa realizada pela consultoria multinacional EY, com cerca de 100 mil pessoas em 21 países, aponta que apenas 31% dos entrevistados estão dispostos a investir mais dinheiro em nome da energia limpa, e 69% afirmaram não estarem dispostos a fazer mais do que já fazem pela causa.
No Brasil, foram entrevistadas 22.956 pessoas.
Quase o mesmo percentual (67%) respondeu não ter como absorver em seu orçamento um aumento na conta de energia elétrica superior a 10%. São 66% os que disseram que, apesar de terem interesse em produtos e serviços da transição energética, como carros elétricos ou placas de energia solar, não pretendem gastar dinheiro com isso nos próximos três anos.
“Enquanto a oferta no lado da transição energética está crescendo, precisamos de uma mudança radical em como engajamos e ativamos o comportamento do consumidor”, afirma Greg Guthdridge, líder de energia global e transformação da experiência do consumidor da EY.
De acordo com a empresa, foram pesquisados consumidores que quitam contas de energia ou moram em casas em que outros pagam pelo serviço, em todas as faixas etárias e renda mensal.
“As pessoas parecem ter a sensação de que tudo o que poderia ser feito já foi, o que pode ser problemático. A parte boa é que as mais jovens acreditam mais na transição energética”, completa Miguel Leão, sócio de Business Consulting da EY Brasil.
Pelo Acordo de Paris, assinado em 2015, os países signatários (o Brasil entre eles) se comprometeram a metas de redução de emissão de gases de efeito estufa.
O investimento em fontes de energia de baixo carbono foi de US$ 1,77 trilhão no planeta em 2023. O crescimento foi de 17% em relação ao ano anterior, segundo dados do Energy Transition Investment Trends, publicado pela BloombergNEF. De acordo com o documento, o transporte elétrico é o setor que recebeu mais dinheiro, com US$ 634 bilhões, incluindo veículos e a infraestrutura necessária.
“No nosso dia a dia é perceptível que a minoria está disposta a pagar pelas mudanças. Quantos estão dispostos a pagar mais por alimentos orgânicos ou um prêmio pelo produto na gôndola com selo verde?”, questiona Erik Eduardo Rego, especialista em mercado de energia, professor da Fundação Vanzolini e do Departamento de Engenharia de Produção da USP (Universidade de São Paulo).
“Pode-se apresentar inúmeros exemplos de que a maioria dos consumidores toma decisões baseadas somente em critérios econômicos. E como criticar essa escolha quando a renda dele é baixa e ele anda a pé para economizar na condução e conseguir fazer mercado?”, diz.
Na opinião do engenheiro Marcel Tavares Coelho, especialista em energias renováveis e professor da Unisanta (Universidade Santa Cecília), é nítido que o consumidor em geral, inclusive o brasileiro, aceita muito bem o tema da sustentabilidade.
“Ele vê e conhece sua importância no cenário mundial, porém não enxerga que deveria pagar mais por isso para garantir um futuro do planeta mais limpo. Não bastam campanhas energéticas ou marketing verde sem que se incentive o consumidor a ver o valor financeiro para ele, não só para o planeta”, afirma.
Para o estudo da EY, há uma exaustão do consumidor com o tema da transição energética, já que precisa lidar com preços mais altos e volatilidade política no leste europeu e no Oriente Médio.
Para melhorar o humor do público consumidor, o estudo da consultoria sugere o investimento em novas tecnologias para conferir maior poder de controle ao cliente. A maioria dos entrevistados disse se sentir confortável com recursos de inteligência artificial para aprender e utilizar energia limpa.
Quanto mais jovem, mais favorável. Da chamada geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010), 85% são favoráveis. O número vai a 80% para os millenials (nascidos na década de 1980 até a metade da década de 1990), 69% para os geração X (entre 1965 e 1980) e 53% entre os boomers (1946 e 1964).
A EY também defende que as empresas estejam dispostas a serem flexíveis nas soluções, tecnologias e modelos operacionais para que os consumidores sejam mais abertos à transição energética.
“O cenário pode mudar com novos hábitos e incentivos econômicos. Quando o consumidor entender que o momento ‘nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo’ já está acontecendo, e são inúmeros exemplos, a começar pela calamidade atual no Rio Grande do Sul”, diz Rego. “As consequências não se resumem a grandes eventos, mas o preço dos alimentos já sobe como consequência das mudanças climáticas. Ele já está pagando a conta.”
O outro caminho é pelo incentivo econômico, afirma. “Por exemplo, tributação mais elevada em produtos ‘sujos’ e isentar de impostos produtos limpos até que sejam competitivos, mantendo a mesma arrecadação de hoje, mas redistribuindo entre a origem produtiva”, diz.
Fonte: Folha de S. Paulo