Hyundai quer mover carros elétricos, fábricas e até fazendas com etanol

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Autoesporte

No Linkedin, rede social voltada ao universo corporativo, as vagas de trabalho surgem sem parar. Entre elas, cargos oferecidos pela Hyundai Motor Brasil (HMB) ou pela Hyundai Motor Company (HMC), com foco no desenvolvimento da tecnologia de célula de combustível com hidrogênio. Até aí, nada de tão novo sob o sol. O detalhe: as vagas são no Brasil.

Intriga que a fabricante sul-coreana esteja criando um time forte de engenharia para elaboração de uma tecnologia que parece ainda muito distante da realidade brasileira. Em um país que há pouquíssimo tempo despertou para o carro elétrico a bateria, ter veículos dotados de célula de combustível capaz de transformar hidrogênio em eletricidade soa como algo de outro planeta.

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Mas a Hyundai enxerga o cenário de um jeito diferente. O atual presidente da HMB, Airton Cousseau, acredita que será possível termos veículos elétricos alimentados por célula de combustível no Brasil já no fim desta década. Não só isso: o hidrogênio usado para isso seria extraído do nosso velho conhecido etanol. E poderia servir para gerar eletricidade a toda uma fábrica. Ou fazenda.

‘O etanol é um combustível que todo o brasileiro conhece. Está em todo canto do país, em qualquer posto. A adaptação da infraestrutura gera muito menos impacto do que criar eletropostos de recarga ou mesmo extrair o hidrogênio de outras formas’, defendeu, em conversa exclusiva com Autoesporte.

A meta da companhia é ter já em 2030 os primeiros veículos de produção em série movidos a célula de combustível com etanol convertido em hidrogênio. Em linha, aliás, com o projeto global do Hyundai Motor Group (HMG), grande corporação que engloba a montadora de automóveis, entre outras empresas homônimas.

Além disso, a fabricante planeja usar a solução como modo de gerar energia limpa para suas próprias fábricas (e qualquer outra que tenha interesse na tecnologia), assim como fazendas, através de geradores estacionários com célula de combustível. Mas quer, em especial, mover veículos pesados de carga e de trabalho, como caminhões, ônibus, tratores, escavadeiras, empilhadeiras elétricas, navios, trens e até aviões.

Tanto o plano da filial está alinhado ao da matriz que a Hyundai já possui, no exterior, um automóvel de produção movido a hidrogênio, o Nexo, testado por Autoesporte alguns anos atrás. Também tem a linha XCient, de caminhões e tratores movidos a célula de combustível, e o ônibus Elec City. Todos com volumes ainda baixos de vendas, funcionando quase como cobaias de experimentação da tecnologia na vida real.

O que é uma célula de combustível

A célula de combustível é uma alternativa aos grandes e pesados bancos de bateria usados atualmente para armazenar a energia usada por veículos elétricos. Já há modelos do tipo em produção, como o próprio Hyundai Nexo e o Toyota Mirai (já dirigimos, inclusive). Ele é conhecido internacionalmente como FCEV (Veículo Elétrico por Célula de Combustível, na tradução livre do inglês).

Estamos falando de um tipo de veículo tão elétrico quanto um BEV (elétrico a bateria). O motor elétrico de tração segue o mesmo conceito. A diferença é que, no lugar dos pesados bancos de baterias e conexão para recarga em redes públicas ou privadas de eletricidade, um FCEV é abastecido com um combustível como o hidrogênio líquido de alta pressão.

A célula de combustível promove a catálise do hidrogênio com o oxigênio atmosférico, gerando a eletricidade necessária para mover o veículo. O gás resultante desse processo a ser expelido pelo escapamento é? água!

Em teoria, estamos falando de uma arquitetura motriz ainda mais limpa que a dos elétricos convencionais, pois dispensa o nocivo método de extração de matérias-primas e confecção das baterias, além de poupar o próprio automóvel de ter que carregar os muitos quilos de peso dessas mesmas baterias ao longo de toda sua vida útil.

Desafios e obstáculos

Se na teoria tudo parece perfeito, na prática há muitos empecilhos para os FCEV. Por exemplo, os custos de produção de um carro com célula de combustível e de criação de postos de reabastecimento de hidrogênio líquido de alta pressão (que precisa ser armazenado a temperaturas baixíssimas) são ainda muito elevados.

‘Tem também a questão dos materiais usados na célula de combustível. Hoje, ela é feita de cerâmica e não dura muitos anos. Um dos grandes desafios da indústria hoje é entender como deixá-las mais duráveis para fabricação em grande escala’, apontou Airton Cousseau.

Ainda assim, a célula de combustível é vista como uma alternativa para ônibus e caminhões para transportes rodoviários, de longa distância. Diferentemente de veículos pesados para uso urbano, estes por enquanto não podem ser elétricos, pois nenhum banco de baterias é capaz de prover autonomia suficiente para viagens de longa distância.

O FCEV surge como uma possibilidade, do mesmo modo que as rodovias eletrificadas, capazes de recarregar o veículo – por indução ou por fios de alta tensão, acessados por pantógrafos, como fazem os ônibus elétricos que circulam pelo centro de São Paulo (SP) – enquanto ele trafega.

Do etanol ao hidrogênio

Há várias formas de se gerar hidrogênio para uso como gerador de eletricidade em um veículo FCEV. A própria eletrólise da água permite isso. Entretanto, a Hyundai aposta em uma solução bem brasileira para o Brasil: o etanol, que também possui (em abundância) o primeiro elemento da tabela periódica em sua composição. Sua fórmula molecular contém seis átomos de hidrogênio para cada dois de carbono e um de oxigênio.

Para isolar o hidrogênio do carbono e do oxigênio, o combustível derivado da cana-de-açúcar precisa passar por um reformador, que faz a quebra de suas moléculas. Aí entra em jogo outro grande dilema da indústria: é melhor fazer essa separação de maneira externa, com grandes reformadores instalados nos postos de abastecimento para armazenar o hidrogênio isolado, ou dentro dos próprios veículos, a partir de microrreformadores?

‘Já temos instituições como a USP [Universidade de São Paulo] e a Unicamp [Universidade de Campinas] trabalhando em microrreformadores inseridos dentro da própria célula de combustível. Elas são mais leves e podem tornar viável o acoplamento interno’, explicou o presidente da Hyundai Motor Brasil. Membros do time regional de P&D em célula de combustível da marca visitaram recentemente os centros de estudo dessas universidades para acompanhar projetos nesse sentido.

‘Mas [o reformador] ainda é um elemento que acrescenta peso ao veículo, o que compromete sua eficiência energética. Talvez o caminho seja apostar em reformadores internos apenas para os veículos de carga, que já são mais pesados. Para os de passeio, o cenário mais viável hoje seria fazer essa reforma fora do carro, no posto de abastecimento’, apontou o executivo.

Com o hidrogênio extraído do etanol, basta promover a catálise na célula de combustível e gerar a eletricidade que alimentará o motor elétrico do FCEV. ‘Como o processo do plantio do etanol está cada vez mais limpo, poderemos ter no futuro veículos que limpam a atmosfera em vez de poluí-la’, previu Airton Cousseau. Sua afirmação leva em conta a captura de carbono pela cana durante o plantio.

Mas é claro que há outros fatores limitadores: além da questão do custo, já mencionada, o processo de eletrólise do etanol, quando acontece dentro do próprio veículo, leva cerca de 15 minutos até começar a gerar hidrogênio em quantidade suficiente para uso em um automóvel elétrico.

Ou seja: por enquanto, se você quiser dirigir um FCEV abastecido com etanol, terá que fazer como os maias e astecas com seu Chevette a álcool nas manhãs frias dos anos 1980: esperar o carro ‘esquentar’ para gerar hidrogênio.

A não ser que o carro tenha uma bateria de capacidade pequena para alimentar o veículo apenas durante os primeiros minutos de uso (que precisará ser recarregada depois). Ou que pesquisadores encontrem outra forma de dirimir esse problema.

Fábrica movida a etanol

Enquanto não se sabe se será viável termos um automóvel elétrico no futuro alimentado por etanol convertido em hidrogênio, o plano da Hyundai se mostra mais amplo do que isso. Afinal, ele não engloba apenas veículos de passeio ou de carga, nem mesmo empilhadeiras e escavadeiras elétricas.

A meta da fabricante sul-coreana é aplicar a tecnologia da célula de combustível em grandes veículos, como trens, navios e aviões (que também oferecem grandes limitações de autonomia para se tornarem elétricos a bateria), além de motores elétricos estacionários. Possibilita, assim, a existência de geradores de ‘hidrogênio verde’ em substituição aos velhos e poluentes geradores a diesel.

‘Estamos negociando trazer um desses da matriz [na Coreia do Sul] para aplicar em nossa fábrica [de Piracicaba (SP)]’, apontou o CEO da Hyundai Motor Brasil. ‘Já imaginou, no futuro, ter todos os robôs de uma fábrica dessas, ou mesmo todo o maquinário de uma fazenda movidos a uma energia totalmente limpa como essa?’, concluiu.

Nesses casos, o etanol serviria para ser transformado em hidrogênio e alimentar células de combustível de geradores estacionários da Hyundai dentro da fábrica ou fazenda. Estes, então, proveriam a energia elétrica necessária para fazer a fábrica funcionar ou recarregar veículos elétricos a bateria (que não precisam ser FCEV) de uso interno, como robôs e tratores.

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