Folha de São Paulo
Um grupo de 144 revendedores da Shell, marca controlada pela Raízen, afirmou ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) que a distribuidora lhes sugere ou fixa os preços para o consumidor final.
Entre eles, 40 relataram haver retaliações contra os que não seguem as orientações: paga-se mais caro pelos produtos entregues pela companhia. Outros 38 informaram que quem aceita as indicações ganha descontos. Segundo o Cade, olheiros a serviço da Shell monitoram os preços praticados na rede.
As informações constam de inquérito aberto pela Superintendência-Geral do Cade para apurar se condutas da distribuidora têm impactos negativos na concorrência, gerando prejuízos ao consumidor. São indícios de possíveis abusos praticados pela Raízen, que explora a marca Shell no país.
A investigação está em fase de coleta de evidências e consulta aos envolvidos. Não há prazo para o caso ser julgado.
“Ao longo da instrução processual foram colhidos diversos indícios e provas de que a Raízen, sistematicamente, impõe preços a seus revendedores”, diz relatório elaborado pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) a pedido da superintendência.
“Embora a própria empresa afirme que apenas sugeria preços e que essa prática foi descontinuada, revendedores e entidade a eles vinculada, em diferentes momentos, afirmam que a empresa alterava os preços de compra de combustíveis dos postos caso não seguissem o preço sugerido. Ora, uma sugestão que, se não seguida, gera retaliação, não pode ser considerada mera sugestão. No mais, postos afirmam que a prática permanece até o presente.”
Ainda de acordo com o documento, a prática de indicar preços também foi confirmada por alguns sindicatos do setor que representam os varejistas.
Fiscais da distribuidora
O Cade apurou também que o monitoramento dos revendedores é feito por uma rede de motoboys terceirizados, que passam periodicamente nos postos da rede registrando os preços para reportá-los à empresa. A conduta foi confirmada pelos varejistas, segundo o DEE.
“Diariamente passa um motoqueiro tirando foto do meu placar de preço de venda”, disse um deles.
O Cade investiga também o uso de um aplicativo, o CS Online, que, entre outras funcionalidades, faria sugestões de preços aos bandeirados.
A Raízen, no entanto, se negou a prestar informações sobre a plataforma, de acordo com o DEE, que entende “estar diante de uma prática sistêmica de fixação de preços”.
Evidência de prática de mercado
Segundo o Cade, eventuais infrações à concorrência, se confirmadas, têm consequências deletérias para o mercado. A retaliação com o aumento do preço de custo, por exemplo, esmaga as margens dos varejistas desobedientes e os impele a adotar uma política de preços uniforme, em vez de disputarem entre si.
Nas investigações, os técnicos usaram dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo), que coleta preços semanalmente, para checar se havia indícios de discriminação e estrangulamento de revendedores. Constataram que diversos deles compravam da Raízen a valores superiores que os cobrados do consumidor final por seus concorrentes —situação que também se verificou em postos da Ipiranga e da Vibra (BR).
“O DEE não descarta a possibilidade de que seja necessário investigar essas duas empresas a fim de verificar se fixam preços a seus revendedores e se agem conjuntamente nesse sentido”, diz o documento.
Outro lado
Consultada pelo Painel S.A., a Raízen disse que apresentará sua manifestação ao Cade tão logo tenha acesso às respostas dos ofícios.
“A companhia pontua que prima pela ética e lisura em suas operações, sendo uma defensora da livre concorrência, obedecendo aos mais rigorosos princípios técnicos, operacionais e de governança”, disse em nota.