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Em meio às crescentes preocupações com o aquecimento global, o etanol busca ganhar os corações dos consumidores como alternativa à poluente gasolina. No país, há 40 milhões de veículos aptos a rodar com os dois combustíveis.
A Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), entidade que congrega as maiores usinas do país, está gastando alguns milhões de reais com uma campanha publicitária para promover o etanol nacional como um meio eficiente – e mais barato – de fazer a sua parte pelo meio ambiente.
Os gastos, que incluem a contratação de um batalhão de influencers e espaço em tv, rádio e internet, não foram revelados. A estrela da campanha será o humorista Rafael Portugal, projetado nacionalmente como integrante do Porta dos Fundos.
“No Brasil, a gente descarboniza economizando [por causa do preço do etanol, mais baixo que o da gasolina], e não gastando mais, e é um modelo que é replicável em outras partes do mundo”, disse Evandro Gussi, presidente da entidade.
Descarbonizar significa diminuir a quantidade de carbono despejada todo dia na atmosfera. Os compostos carbônicos, como o CO2, são gases responsáveis pelo efeito estufa e são considerados os inimigos mais tenazes a serem detidos para o cumprimento da meta global que limita o aquecimento do planeta a 1,5ºC até 2030 (quem mora em São Paulo nestes dias tem a impressão que este limite já foi ultrapassado faz tempo).
Quando você enche o tanque com gasolina, o carbono que estava nas profundezas da Terra, há milhões de anos a partir da decomposição de matéria orgânica, foi trazido de volta à superfície para ser queimado.
Com o etanol, o processo é inverso: gás carbônico é capturado pela fotossíntese das plantas de cana-de-açúcar ou milho (que representa 20% da oferta de etanol hoje no país) e, quando é queimado no motor do carro, o combustível tem uma pegada de carbono 80% menor do que a de um combustível fóssil.
“A partir da comercialização de carros com motor flex, em 2003, as 660 milhões de toneladas de etanol usadas nestes vinte anos foram equivalentes ao plantio de 5 milhões de árvores”, disse Luciano Rodrigues, diretor da entidade.
A campanha da Unica não vai descer às minúcias científicas, mas tentar desmistificar algumas alegações que a entidade detectou em uma pesquisa de opinião. Vai martelar que o etanol não faz mal para os motores, não demora a pegar no inverno (como acontecia com os carros dos anos 1980, ainda na memória de muitos consumidores) e é melhor para o meio ambiente.
CARRO ELÉTRICO, O INIMIGO NÃO DECLARADO
Ainda não há números fechados, mas as vendas de carros elétricos em 2023 tiveram um crescimento de ao menos 60% em relação ao ano anterior. Um dos fatores por trás desse aumento é o anúncio de montadoras chinesas BYD e GWM de começar a fabricar estes modelos aqui. A Stellantis, controladora das marcas Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën, também anunciou planos de fabricar EVs no Brasil.
Gussi, da Unica, é diplomático quando fala da concorrência dos carros elétricos no país: “A gente vai precisar de todas as oportunidades de descarbonização”.
Mas há um ceticismo sobre a competitividade dos elétricos em relação ao etanol em um país de renda média como o Brasil. “A eletrificação da frota tem custos de infraestrutura que o etanol não tem”, diz o dirigente setorial.
MILITARES, CRISE DO PETRÓLEO E SALTO TECNOLÓGICO
Embora haja registro de uso artesanal de álcool de cana em motores desde os anos 1930 no Brasil, a transformação das moléculas de cana em combustível de larga escala só aconteceu a partir dos anos 1980, com o Proálcool.
O programa foi criado no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) devido ao choque do petróleo de 1973. Com a escalada dos preços do barril em 1979, o Proálcool ganhou tração visando a substituição em larga escala dos combustíveis derivados de petróleo por álcool.
Nos anos 1990, quando os preços do açúcar estiveram consistentemente altos no mercado internacional, a oferta de álcool produzido da mesma cana oscilou e até desapareceu em muitos postos. Foi um longo inverno de descrença, com consumidores evitando a compra de modelos a álcool por causa da incerteza. Essa página só foi virada em 2003 quando foi lançado o primeiro carro com motor que podia ser abastecido tanto com gasolina quanto com etanol, o Gol Total-Flex, pela Volkswagen.
Desde o Proálcool, o setor passou por ganhos de produtividade na agricultura. Destilar etanol a partir da cana-de-açúcar no Brasil requer menos terra e utiliza menos combustível fóssil do que o combustível a partir do milho cultivado em climas temperados. Mesmo o etanol de milho aqui é mais competitivo porque o clima do país permite duas safras da cultura na maior parte das zonas agrícolas do país.
A cana ainda é mais produtiva. Enquanto um hectare de cana é capaz de produzir entre 6 e 7 mil litros de etanol por ano, um hectare de milho pode originar entre 4 e 5 mil litros do combustível. Isso torna o etanol brasileiro competitivo com hidrocarbonetos e verdadeiramente benéfico para o meio ambiente.
A atual safra (2023-2024) foi recorde em produção de cana-de-açúcar, com 644 bilhões de toneladas colhidas (+18,7% em relação a 2022-2023). Foram produzidos 26,8 bilhões de litros de etanol de cana e outros 4,6 bilhões de litros de etanol de milho.
A nova safra de cana, que começa em março-abril, tende a ser menor porque houve menos chuvas do que o esperado no momento do plantio.