O Estado de São Paulo
O negócio da Petrobras não é refinaria: é pré-sal, exploração e produção, diz Adriano Pires, sócio diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie). Por isso, segundo ele, a retomada dos investimentos em refinarias pela estatal, como a anunciada nesta quarta-feira, 17, é um equívoco.
“Para o acionista da Petrobras, é uma decisão errada, deveria vender e deixar a iniciativa privada investir ali, mas o governo Lula foi eleito democraticamente e ninguém escondeu nunca que o presidente era contrário à privatização das refinarias”, diz.
Para ele, com essa política de não vender e até recomprar refinarias, volta ao monopólio que era antes, e monopólio, seja público ou privado, nunca é bom. “Eu acho que aquele modelo tradicional do setor de petróleo, que a empresa tinha de ser integrada do poço ao posto, é um modelo velho que não tem mais sentido”, diz.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O governo está anunciando investimentos na refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e já falou em investir no Comperj, no Rio, dois empreendimentos que se tornaram símbolos de corrupção na Petrobras. Qual a avaliação sobre a retomada desses investimentos?
A Petrobras, no governo Lula, decidiu que vai voltar a investir em refinarias, tanto que já declarou de maneira objetiva que vai rever aquele acordo feito com o Cade, o TCC (Termo de Cessação de Conduta), onde se comprometia a vender 50% da capacidade de refino e basicamente ficar com as refinarias do Rio e São Paulo. O Comperj é uma coisa diferente, nunca foi uma refinaria, e o desafio da Petrobras é acabar a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), que vai trazer 20 milhões de metros cúbicos de gás do pré-sal. A Petrobras deveria se apressar a acabar a UPGN, porque está reinjetando muito gás no pré-sal. São duas coisas diferentes: o projeto original do Comperj era uma refinaria, mas nunca saiu do papel, então o Comperj hoje se resume à UPGN, e a Petrobras tem de investir rapidamente ali, porque o mercado precisa daquele gás. Eu acho que o projeto do Comperj como refinaria abortou, não vão fazer. A Rnest (Refinaria Abreu e Lima) saiu do papel, faltam investimentos para completar lá, e, do meu ponto de vista, é um mau negócio.
Por quê?
A Petrobras deveria manter o acordo com o Cade e vender esses 50% do refino, porque o grande negócio da Petrobras não é refinaria: é pré-sal, exploração e produção. Quando começaram os leilões de petróleo, em 1999, o Brasil produzia 800 mil barris de petróleo por dia, e só com a Petrobras. Hoje, o Brasil produz 3,1 milhões de barris por dia, é o nono maior produtor do mundo e tende a produzir 5 milhões de barris até 2029/2030. Então, o Brasil, de importador de petróleo, virou exportador. No caso do refino, foi o contrário. Se tivéssemos feito a abertura do refino quando fez do E&P (exploração e produção) provavelmente hoje o Brasil seria exportador de derivados, e não importador. Na minha opinião, é um investimento equivocado, mas na medida em que a Petrobras decidiu que vai retomar investimento em refino, tem de investir mesmo, porque não faz sentido deixar a Rnest sem ter a capacidade plena de produção. É um dinheiro que eu acho que a Petrobras não deveria colocar, mas se decidiu que não vai mais vender, tem de investir. Para o acionista da Petrobras, é uma decisão errada, deveria vender e deixar a iniciativa privada investir ali, mas o governo Lula foi eleito democraticamente e ninguém escondeu nunca que o presidente era contrário à privatização das refinarias.
A Petrobras abandonou o plano de concessões de refinarias e até voltou atrás em vendas já feitas. Que sinal isso passa para o mercado?
É um sinal muito ruim, um sinal de instabilidade jurídica e instabilidade regulatória, até porque em vez de vender ela agora vai comprar, já assinou um termo de compromisso com a Acelen, do fundo Mubadala, para entrar no equity da refinaria (Refinaria de Mataripe, BA) e também no equity de um projeto que eles estão desenvolvendo de energia renovável. Ela retomou a Lubnor (CE), só falta agora ela falar da refinaria de Manaus, que ela não falou nada ainda. Isso cria uma instabilidade regulatória, porque lá atrás o Cade decidiu que ela teria de vender 50% do refino, com a tese que era preciso ter concorrência. Voltar nisso cria um caos regulatório, porque o próprio Mubadala, que comprou a refinaria, achou que isso seria cumprido. É igual ao que está acontecendo na Argentina: a YPF era estatal e privatizou, depois foi estatizada outra vez e agora vai privatizar. Isso cria insegurança jurídica e regulatória não só para o setor de óleo e gás, mas para todos os setores da economia, todo mundo fica preocupado como aquela célebre frase: “No Brasil, até o passado é incerto”.
Estamos caminhando de volta para uma política de monopólio nos combustíveis? O que isso significa para o setor e os consumidores?
Mesmo que a Petrobras tivesse cumprido o acordo com o Cade de vender 50% do refino, ela continuaria com 50% do maior mercado do Brasil que é o Rio e São Paulo, então ela continuaria sendo o grande player do mercado de refino. Agora, com essa política de não vender e até recomprar refinaria, volta ao monopólio que era antes, e monopólio, seja público ou privado, nunca é bom. A maior proteção para o consumidor é a concorrência. A Petrobras tem outros investimentos bem mais importantes que dão maior rentabilidade, que é explorar e produzir no pré-sal, e agora pode receber licença para explorar na Margem Equatorial. A questão do refino, que é uma unidade industrial, poderia ser exercida pela iniciativa privada. Eu acho que aquele modelo tradicional do setor de petróleo, que a empresa tinha de ser integrada do poço ao posto, é um modelo velho que não tem mais sentido, nenhuma das grandes “majors” hoje é do poço ao posto.
Qual o risco de a Petrobras se ver mais uma vez enredada em escândalos de corrupção, após várias tentativas de blindagem desde o governo Michel Temer?
Muito difícil falar, não dá para responder isso. Sempre que você tem monopólios fortalecidos, é mais difícil controlar, mas daí a falar que vai voltar não tem como opinar.