O que está por trás do aumento na produção de petróleo, apesar da transição energética

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Folha de São Paulo

Os jornais estão lotados de textos sobre o aumento da produção de petróleo no mundo. Mas também estão lotados de aspas de líderes mundiais prometendo aumentar subsídios em energias renováveis para investir na transição energética. A conjuntura pode parecer contraditória, mas analistas explicam que não é bem assim.
A produção dos dois, tanto petróleo quanto energias de baixo carbono, vem crescendo, mas a quantidade disponível da segunda ainda não é capaz de substituir o primeiro. Ainda mais em um mundo em guerra, onde a segurança energética passou a ser mais importante que a transição energética.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), até 2028 a demanda por petróleo vai crescer 1% em relação à produção do ano passado, o que representa 5,9 milhões de barris a mais por dia no mundo. De acordo com relatório da entidade divulgado neste mês, a produção global de petróleo neste ano será de 101,7 milhões de barris por dia (mb/d).
É muito petróleo; é a maior quantidade já vista. E em 2028 a demanda será de 105,7 milhões de barris por dia. Para se ter uma ideia, no passado a indústria de petróleo emitiu 11 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Em comparação, todo o Brasil emitiu 2,3 bilhões.
Os investimentos globais em exploração, extração e produção de petróleo e gás devem atingir ainda neste ano seus níveis mais altos desde 2015, crescendo 11% ao ano para US$ 528 bilhões (R$ 2,6 trilhões).
Ao mesmo tempo, o investimento em energias sustentáveis bateu recorde em 2022 –segundo a própria AIE, foram US$ 1,7 trilhões (R$ 8,25 trilhões). E deve seguir batendo recorde. Na COP28, por exemplo, mais de cem países se comprometeram a triplicar a capacidade instalada de energias renováveis no mundo até 2030, alcançando cerca de 11 mil gigawatts.
Além disso, a AIE estima que a produção global de petróleo começará a cair na próxima década, embora analistas apontem que o ritmo dessa queda ainda é incerto.
As razões para a aceleração da demanda atual por esse combustível fóssil passa principalmente por Ásia (lê-se China e Índia) e mercados emergentes. Mais especificamente, as indústrias petroquímicas e aéreas são as principais responsáveis pelo aumento.
A AIE prevê, por exemplo, que apenas América do Norte e Europa reduzirão suas demandas até 2028, tendo decréscimos de 0,8% e 0,6% respectivamente. A primeira deve chegar até o final desta década consumindo 23,5 mb/d e a segunda, 14,3 mb/d.
Já a Ásia aumentará sua demanda em 2,4% (41,3 mb/d), a África em 2% (4,8 mb/d), a América do Sul e Caribe em 1,5% (7,2 mb/d) e o Oriente Médio em 1,3% (9,8 mb/d).
“A Índia é um país que está crescendo a taxas muito altas e é um grande importador de energia; eles importam 80% do petróleo que consomem. Esse é o motivo, por exemplo, pelo qual em 2019 o consumo de petróleo estava na faixa de 100 mb/d e hoje nós estamos na faixa de 102 mb/d, podendo chegar em 2025 com 104 mb/d”, diz Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás.
Segundo um relatório de junho da AIE, a indústria petroquímica será a principal responsável pelo aumento da demanda de petróleo até a próxima década. A agência prevê que os insumos químicos representarão 2,3 mb/d e cerca de 40% do crescimento total da demanda por petróleo de 2022 a 2028.
A China vem instalando novas plantas petroquímicas em seu território e o país representará 51% de toda a nova capacidade de olefinas e 48% do consumo incremental de matérias-primas de olefinas à base de petróleo até 2028. “Isso terá um impacto significativo na distribuição da atividade petroquímica e no consumo de petróleo para matéria-prima ao longo do nosso período de previsão”, reporta o relatório.
As indústrias aéreas, navais e automobilísticas também pressionam pela produção de petróleo, ainda que venham fazendo esforços para aumentar sua eficiência energética e possibilitar o uso de combustíveis sustentáveis. Até por isso, o uso de petróleo para combustíveis de transporte está previsto para entrar em declínio após 2026.
Guerra destacou segurança energética
“O mundo precisa de energia porque sem energia não há crescimento econômico. E, antes da pandemia, havia a ideia de que seria possível fazer uma transição energética muito rapidamente”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
“Mas, da pandemia até agora, o mundo teve uma crise sanitária (Covid-19), uma crise geopolítica (guerras na Europa e no Oriente Médio) e uma crise econômica (juros altos) e chegou-se à conclusão de que para fazer a transição energética não basta estar preocupado com sustentabilidade; é necessário também estar preocupado com a segurança e confiabilidade de abastecimento.”
A segurança e a confiabilidade, segundo ele, hoje ainda vem principalmente do petróleo, do gás e do carvão –combustíveis fósseis que movimentam a economia há anos.
O Brasil é um dos que compraram essa ideia. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, a produção de petróleo no país deve atingir seu pico em 2029. Mas o prazo pode se estender por décadas se o governo obter autorização para explorar a margem equatorial –o MME trata o assunto como prioridade, apesar dos riscos que uma eventual exploração no local traria para a região amazônica.
Os analistas apontam que é justamente devido à possibilidade de expandir as áreas de exploração de petróleo que ainda não é possível cravar quando a demanda por petróleo, de fato, começará a cair de forma drástica.
“A tendência atual é que os fósseis todos continuem. Em algum momento, essa expansão dos fósseis vai chegar ao seu limite; no caso do petróleo, até o início da próxima década. Mas quando a curva vai declinar vai depender da economia política e da tecnologia; hoje isso é totalmente incerto”, afirma Eduardo Viola, professor de relações internacionais do Instituto de Estudos Avançados da USP e da FGV.
Ele aponta que o lobby político da indústria petrolífera em todo o mundo continua. Só no Brasil, por exemplo, o valor dos subsídios dados a produção e consumo de energias fósseis subiu 20% em 2022. Na Europa, os subsídios, principalmente para petróleo, também aumentaram desde a Guerra da Ucrânia.
Em meio a aparentes contradições, Pires sintetiza: “O petróleo é protagonista há 150 anos, não é possível mudar um negócio desse estalando o dedo.”

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