Folha de São Paulo
O governo definiu em 14% a mistura obrigatória de biodiesel ao diesel em 2024, antecipando a meta que seria estabelecida apenas no ano seguinte, e decidiu suspender as importações do biocombustível, que haviam sido regulamentadas em novembro. O aumento da mistura começa a valer em março.
As medidas foram aprovadas em reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) nesta terça-feira (19), que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e de 15 outros ministros, entre eles, Fernando Haddad, da Fazenda.
As ações vinham sendo defendidas pelos produtores de soja, principal matéria-prima para o biodiesel brasileiro, mas enfrentavam resistências de transportadoras e do setor de combustíveis.
O CNPE também estabeleceu a criação de dois grupos de trabalho, um para avaliar a importação de biodiesel e outro para estudar o aumento da mistura de etanol na gasolina de 27,5% para 30%. O uso de versões verdes de energia fóssil está dentro das discussões do chamado combustível do futuro, cujo projeto de lei tramita no Congresso. A fixação de cotas para a venda de combustíveis a distribuidoras de menor porte entrou na pauta do dia, mas não foi concluída.
“Tivemos deliberações importantes com relação à política nacional de transição energética, que temos chamadas de justa e inclusiva”, afirmou o ministro Silveira.
“Uma conquista foi a vitória dos biocombustíveis no Brasil. Nós todos sabemos que outra grande frente de descarbonização do planeta e alternativa para cumprir os acordos internacionais, em especial o Acordo de Paris, é diminuir os impactos das emissões do setor de transporte e mobilidade. Hoje ampliamos a participação do biodisel na nossa matriz ainda mais”, afirmou.
O ministro destacou a antecipação do aumento da mistura também ajuda a reduzir a importação de diesel e a dependência brasileira do mercado externo, além de fomentar mais um segmento do agronegócio.
“É muito importante a gente estimular a nossa agricultura nacional. Nossa grande vocação é ser celeiro do mundo. Antes falavam que o biodiesel concorre com os alimentos, mas isso não é uma realidade. Esse óleo, que agora é combustível, era considerado um subproduto da soja. Hoje é um coproduto. Isso é uma política que, está muito claro, temos que ampliar no Brasil.”
Silveira destacou ainda o simbolismo da participação de Lula na reunião.
“A presença pela segunda vez do presidente Lula no CNPE, composto por 16 ministros de estado, demonstra a sua preocupação com o setor elétrico nacional mas, ao mesmo tempo, o seu reconhecimento desse setor como mola propulsora da economia nacional, da geração de emprego e renda”, afirmou Silveira.
O ministro reforçou que o presidente Lula tem pedido que se trabalhe de forma “vigorosa” para combater as distorções que encarecem a conta de luz e que o ministério priorize soluções para manter os preços dos combustíveis e da energia elétrica compatíveis com o potencial de crescimento do país.
Hoje, há 12% de biodiesel em cada litro de diesel vendido nos postos. A regra anterior previa alta de um ponto percentual por ano, até que a mistura chegasse a 15% em 2026. Com a decisão do CNPE, a meta de 15% será atingida um ano antes.
O biodiesel tem o benefício ambiental de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas custa mais caro do que o diesel, o que deve pressionar ainda mais o preço do produto logo após aumento do ICMS em fevereiro.
Na primeira semana de janeiro, por exemplo, o biodiesel representou, em média, R$ 0,55 dos R$ 6,13 cobrados pelo litro do diesel nos postos brasileiros. Isso equivale a um custo por litro de R$ 4,58, enquanto o diesel de petróleo saiu a R$ 3,16.
Distribuidoras e transportadoras também falam em desvantagens técnicas e acusam o produto de provocar danos em motores, bombas e tanques. Por isso, são contrários à antecipação da elevação da mistura. Diversas entidades do setor divulgaram manifesto conjunto em abril pedindo revisão do programa do biodiesel.
“A medida mais equilibrada, tanto do ponto de vista econômico quanto do ambiental, já parametrizada há bastante tempo, é a mistura de 7%, adotada na Europa”, defendeu, em nota divulgada na segunda (18), a CNT (Confederação Nacional dos Transportes).
Representante das grandes distribuidoras de combustíveis, o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) diz que a antecipação do aumento da mistura pode criar gargalos logísticos, já que tanques e frotas estavam preparados para atender o percentual de 13% em 2024.
“Qualquer alteração de teores obrigatórios de mistura requer antecedência entre a decisão e sua execução, sob pena de se gerar uma corrida por produto e pela logística, com elevação de preços e potencial risco ao abastecimento”, afirmou, em nota.
Disse ainda que a decisão de suspender as importações é “extemporânea” sobre um tema que já havia sido debatido longamente. A liberação das importações foi aprovada em 2022, mas só regulamentada em novembro.
“A importação é elemento importante na promoção da competição no segmento, através de um marcador externo de preço, ganhos de eficiência e qualidade, estimulando a evolução contínua do setor energético brasileiro”, alega o instituto.
Para o IBP, a mudança “tem caráter de controle e intervenção em contratos, gerando insegurança jurídica para o exercício de uma atividade considerada de utilidade pública”.
“Sem prejuízo à promoção da eficiência e da evolução contínua do setor, reiteramos os riscos decorrentes de artificialismos e medidas intervencionistas sem clareza e evidências dos problemas a serem resolvidos”, disse a entidade, que pedia mais debate antes de definições sobre o tema.
Setores ligados ao agronegócio elogiaram a decisão do governo.
O agrônomo e consultor João Henrique Hummel, diretor executivo da FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel), coordenou um estudo para defender a mudança. Ele foi um dos que sustentou a argumentação que a medida tem efeito dominó de benefícios para a economia nacional.
Hummel, que dirigiu a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) por 11 anos, afirmou que a FPBio defendeu o aumento da mistura dentro de uma política nacional para o biodiesel, com algumas premissas que associam agronegócio e mercado de combustíveis em favor do desenvolvimento econômico.
A FPBio divulgou nota apoiando a decisão.
“O aumento da produção de biodiesel resulta em geração de negócios e de valor agregado para as cadeias da soja e de proteína animal; eleva os investimentos junto aos agricultores familiares – fornecedores de matérias-primas para o biodiesel; impacta na redução das emissões de poluentes por diversos setores econômicos, como o de transportes”, destacou o texto.
A Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene) também parabenizou o governo pela antecipação do aumento da mistura. Segundo a entidade, o aumento da produção do biodiesel impulsiona não só a economia, mas também gera efeitos positivos em termos sociais, ambientais e de saúde pública.
“Exemplo disso é o potencial do segmento. O PIB da soja e do biodiesel, que deve chegar a R$ 691 bilhões neste ano, representa 6,3% do total produzido no país, sustentando 2,46% dos empregos da economia nacional”, destacou o texto.
A entidade afirmou ainda que haverá efeito positivo sobre a agricultura familiar.
“Cerca de 300 mil agricultores familiares são beneficiados anualmente pelo Selo Biocombustível Social (SBS) no âmbito do Programa Nacional de Produção de Biodiesel, com volume de recursos direcionados pelas indústrias de biodiesel da ordem de R$ 9 bilhões sendo 80% por intermédio de cooperativas”, destacou a entidade.