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Valor Econômico

A maior conferência do clima da história começa hoje, em Dubai, sob polêmicas. A COP 28 acontece ao fim de um ano marcado por eventos climáticos extremos e vem sendo chamada de “a COP do petróleo”. A queima dos combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás – responde por 75% da crise climática global e os Emirados Árabes Unidos, anfitriões do evento, estão entre os maiores produtores de petróleo do mundo.

Dubai, que surgiu do deserto há 190 anos, surpreende pelo luxo e arrojo de suas edificações. Um shopping center é famoso por ter uma pista de esqui dentro das instalações. O maior aquário interno do mundo fica em outro centro de compras da cidade. O skyline é uma exibição de formas arquitetônicas. Tudo graças ao petróleo.

Esta forma de desenvolvimento, contudo, está em xeque agora, ou deveria, segundo a ciência. O resultado ideal da COP 28 seria um acordo global para que o mundo abandonasse os combustíveis fósseis, com data e trajetória definidas. Ou ao menos diminuísse gradativamente seu uso buscando alternativas e treinando seus trabalhadores para ocupações do futuro e não do passado. Esse cenário, contudo, é muito improvável.

Durante 14 dias ao menos, mais de 70 mil pessoas são esperadas nos Emirados Árabes Unidos, em tese, para discutir como salvar o planeta da crise climática. É a pauta das negociações entre delegações de quase 200 países, no maior exercício multilateral global. Habitualmente, as decisões são tomadas por consenso e os resultados, embora avancem, ficam muito aquém da emergência. “Entendo as frustrações, mas sem esse regime é o faroeste”, costuma lembrar o embaixador Andre Correa do Lago, negociador-chefe do Brasil.

A COP 28 é presidida por Sultan Al-Jaber, que também comanda a Adnoc, a petrolífera nacional. O evidente conflito de interesses vem sendo apontado há meses por ambientalistas, políticos e cientistas e chegou ao ápice esta semana.

Uma reportagem produzida pela organização Centre for Climate Reporting e pela BBC denuncia que o presidente da COP estaria usando o evento para fechar negócios com as maiores petroleiras do mundo. A CAN, maior rede global de organizações ambientalistas, pediu a sua renúncia.

O destino dos combustíveis fósseis está na mesa das COPs há alguns anos, a começar pelo carvão. “Poderia haver uma moratória sobre abrir novas frentes de exploração enquanto não se encontra uma solução para as emissões”, diz uma fonte do governo. Como é sabido, embora clima seja prioridade da administração Lula, e o desmatamento da Amazônia tenha caído 22% em 2022-2023 em relação ao período anterior, o Ministério das Minas e Energia quer abrir novas frentes de exploração na linha do Equador, com apoio de políticos, parte do PT e dos governadores da Amazônia.

O Brasil chega a Dubai com foco na COP 30, a conferência do clima de 2025, em Belém. A intenção do governo brasileiro é a de mediar conflitos, encontrar posições de consenso e apresentar propostas. O governo Lula quer reavivar a meta de o mundo conter o aquecimento em 1,5ºC e garantir financiamento para maiores ambições. A expectativa é que apresente uma iniciativa para proteger florestas tropicais e que pode abranger 80 países.

A ajuda financeira a países em desenvolvimento voltará ao debate entre negociadores

A delegação brasileira é a maior da história e possivelmente a maior do evento. Tem 2.400 membros, sendo cerca de 400 ligados a governos. Inclui muitos parlamentares que votaram em pautas antiambientais. Todos os governadores da Amazônia devem comparecer, inclusive os notórios antipreservacionistas e pouco respeitosos às populações indígenas.

Como em toda rodada climática de negociação, os resultados de Dubai são incertos. Há a expectativa de colocar de pé o mecanismo de Perdas e Danos, um fundo global para apoiar os países que não podem se adaptar aos impactos do clima. Nas esferas técnicas que antecederam a COP fechou-se um texto onde países desenvolvidos e em desenvolvimento cederam e, por isso, teria boa chance de ser aprovado em plenária. Ficaria ancorado no Banco Mundial, mas com funcionamento independente, daria acesso preferencial aos países que mais precisam e teria recursos dos industrializados, embora convide os outros que estiverem em condições para tal a contribuir. Os EUA, contudo, manifestaram insatisfação com a linguagem do texto, mas reabri-lo será um desgaste político.

Outro ponto importante é como ficará o Global Stock Take, nome em inglês para um grande balanço global de onde o mundo está após oito anos do Acordo de Paris. Sabe-se que se está fora da rota para conter o aquecimento a 1,5ºC ou bem abaixo de 2ºC, como diz o texto de Paris. O GST deve apontar falhas, como corrigi-las e para onde se deve ir em mitigação, adaptação e meios de implementação.

A COP 28 também deve voltar à polêmica entrega dos US$ 100 bilhões ao ano, um fluxo que viria a partir de 2020 dos países ricos para os em desenvolvimento, até 2025, num total de US$ 600 bilhões no período. A promessa nunca foi cumprida – em 2021, segundo relatório recente da OCDE, chegou-se a quase US$ 90 bilhões. A cifra tornou-se um símbolo da falta de confiança entre o mundo em desenvolvimento e o desenvolvido.

Em Dubai deveriam se iniciar as negociações para a nova cifra, a partir de 2025. Sabe-se que o cobertor é curto demais para o tamanho do desafio, que não é de bilhões, mas de trilhões. Os países ricos querem que o leque de doadores seja aumentado; os em desenvolvimento, evidentemente, rejeitam a obrigação.

Na semana passada, o Conselho Europeu divulgou os números do financiamento climático de seus 27 membros – 28,5 bilhões de euros de fontes públicas e 11,9 bilhões de recursos privados. Desde 2013, diz o comunicado, a Europa mais que dobrou os fundos climáticos dirigidos aos países em desenvolvimento. O bloco lidera as finanças climáticas globais.

O mundo chega à COP 28 não apenas cindido entre o Norte e o Sul, mas fragmentado pelas tensões geopolíticas, vários conflitos e duas guerras de peso. A agenda climática exige sacrifícios e mudanças, e não torna políticos mais populares. Eleitores têm votado em candidatos de extrema direita, que negam a crise climática. O esforço deveria ser de salvar o regime, fortalecê-lo e aperfeiçoá-lo, se o foco é o bem comum.

A COP 28 deve produzir várias declarações – sobre sistemas alimentares, sobre emissões, sobre combustíveis fósseis. Declarações, embora tenham valor e peso político ao introduzir temas fora da pauta, não são juridicamente vinculantes nem monitoradas. Podem ser apenas uma carta de boas intenções ou tornar-se algo maior.

A COP toma impulso em 1º de dezembro, depois da abertura de procedimentos marcada para amanhã. É quando discursam chefes de Estado como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o francês Emmanuel Macron, o indiano Narendra Modi e dezenas de outros.

A megaconferência abre, contudo, sem os líderes dos maiores emissores de gasesestufa globais – Joe Biden, dos Estados Unidos, e Xi Jinping, da China. Há duas semanas, os dois países assinaram uma declaração conjunta, comprometendo-se com a proposta de triplicar a capacidade global de energia renovável até 2030. É um apoio ao compromisso formalizado pelas maiores economias globais, o G-20. A intenção é acelerar a substituição de energia gerada a partir de carvão, petróleo e gás.

É um sinal positivo, mas é pouco, alertam cientistas. As emissões de gases-estufa causadas pelos combustíveis fósseis têm que ser reduzidas ou eliminadas.

Outra ausência de peso será a do papa Francisco, que tem feito da proteção ambiental a marca de seu papado. Francisco havia programado ir a Dubai, mas os médicos o desaconselharam a viajar. O cientista de Bangladesh Saleemul Huq, o maior defensor de sistemas de adaptação à crise de clima para o mundo em desenvolvimento e que lutou pelo fundo de Perdas e Danos faleceu em outubro. Sua falta será sentida na COP do petróleo.

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