O presidente Lula escolheu o ex-senador petista Jean Paul Prates para comandar a Petrobras para mudar a política de paridade internacional dos preços e “abrasileirá-los”. Além de definir o rumo da nova política, o governo, como já fizera seu antecessor, Jair Bolsonaro, atropelou a governança da empresa e a lei das estatais, indicando membros do Ministério de Minas e Energia para compor seu conselho. Tudo indicava que os rumos da estatal estavam alinhados com o Planalto, já que Prates está fazendo o que o governo esperava dele, mas foi um ledo engano. De repente, ministros resolveram criticar os rumos da empresa em momento inadequado. Às vésperas de anunciar um plano de investimentos de US$ 102 bilhões (cerca de meio trilhão de reais), de figuras do centro do poder partiam sugestões de que a cabeça do presidente da estatal estava a prêmio.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, iniciou novo assédio contra a empresa, ao dizer que a Petrobras mereceria “puxão de orelhas” por não ter reduzido novamente o preço da gasolina, do gás de cozinha e do óleo diesel. Prates, que ainda como senador se insurgiu contra a política da paridade de preços internacionais e “abrasileirou” preços, respondeu que um dos objetivos da nova política era evitar volatilidade. Logo, era preciso esperar um pouco até que a nova tendência das cotações se firmasse. Silveira e seus aliados parecem achar que a regra, que espaça os reajustes, só vale quando preços sobem – quando caem, o repasse tem de ser rápido. Ambos divergem sobre a aplicação de uma política errada.
As cotações do petróleo no mercado internacional estão oscilando bastante recentemente. Em 16 de novembro, o preço do barril brent recuou para US$ 77,42. Voltou a subir na semana passada (US$ 82,45 no dia 21), porque a Opep indicou que pretende prorrogar os cortes de produção para sustentar as cotações e impedir novas quedas. No ano o preço diminuiu 4,03% e no mês, 5,67%.
Há discricionaridade e falta de transparência no “abrasileiramento” dos preços, e Prates o defende. Mas como os preços de combustíveis têm repercussão na popularidade do presidente, peso forte na inflação e influência indireta na determinação do ritmo de queda dos juros, seus rivais escolheram um flanco sensível a Lula para atacar sua “inação”.
A disputa pelo poder ampliou os desencontros no governo Lula. Ela envolve o poder de comando e de gestão de recursos bilionários da maior empresa do país. O plano de investimentos 2024-2028 da estatal, aprovado na quinta-feira pelo conselho de administração, prevê 11% do total em gastos com energias alternativas, o dobro do plano 2023-27, com a meta de atingir 16% em 2028. A Petrobras acelerou esses projetos, completamente abandonados na gestão Bolsonaro. Como têm lucratividade incerta e influem na capacidade futura de investimentos da empresa, Prates teria defendido que fossem feitos por quem já tem projetos prontos, detenha tecnologia e expertise na área.
Seus rivais prefeririam aporte em projetos que partissem do zero, com exigências de conteúdo local (Valor, 21 de novembro). Há demandas também sobre encomendas para a indústria naval – uma política várias vezes fracassada e uma das grandes fontes de corrupção no petrolão -, que teriam sido acanhadas perto do que esperavam “desenvolvimentistas” no Planalto.
Como os projetos da Petrobras compõem a grande parte dos recursos do novo-velho Programa de Aceleração do Crescimento – R$ 241,2 bilhões ou mais da metade do subeixo de transição e segurança energética – as divergências envolvem o ministro da Casa Civil, Rui Costa, gestor do programa, que teria apoiado as posições do ministro de Minas e Energia. Costa já havia afrontado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e proposto que o novo regime fiscal estreasse com déficit, e não em equilíbrio, para evitar que os recursos do PAC fossem contingenciados. Nesse debate interno, foi (provisoriamente) derrotado.
O plano de investimentos 2024-28 é 31% maior que o anterior, reduz a preponderância quase absoluta dos recursos aplicados em exploração e produção de 83% para 72%, ou US$ 73 bilhões, e redireciona boa parte desses recursos para energias alternativas e descarbonização das operações da própria Petrobras. Mas o desenho da gestão Prates pôs fim aos desinvestimentos e não venderá mais refinarias, uma opção errada, porém previsível com a chegada de Lula ao poder. Com isso, se encerram de vez as possibilidades de abertura do mercado a outras empresas e a Petrobras pode retomar a concentração de poder econômico da qual nunca se desfez por inteiro.
A liminar que derrubou as exigências para ocupar cargos de direção e conselho nas estatais abriu um flanco na governança da companhia. As indicações políticas já moldaram a atual diretoria. Entre governo e aliados, não falta quem pretenda radicalizar a política de preços para agradar ao presidente e multiplicar obras sem prioridade ou transparência, o que no passado recente se tornou caso de polícia. A interferência do governo tende a ser ruinosa para a maior empresa do país.