O Estado de São Paulo
Por Anna Carolina Marszolek e Jefferson Bastos – O debate acerca da transição energética e descarbonização da matriz de transportes tem se apresentado cada vez mais urgente com o avanço das mudanças climáticas e dos impactos ambientais. No Brasil, atores públicos e privados têm olhar diligente às estratégias e movimentações para redução das emissões de gases de efeito estufa no desempenho das atividades econômicas e, claro, oportunidades a ela associadas. Neste cenário, estão sendo desenvolvidas alternativas menos poluentes na seara dos combustíveis que desempenham papel fundamental no avanço da descarbonização, sobretudo de setores e indústrias pesadas.
Durante a 26.ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-26), o Brasil se comprometeu com reduzir em 50% suas emissões de gases de efeito estufa até 2030 e cessar as emissões até 2050. Em paralelo, a participação do País no Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation (Corsia) implica a redução e compensação de emissões pelos operadores aéreos em voos internacionais a partir de 2027, por meio de combustíveis alternativos sustentáveis ou créditos de carbono.
Com potencial de impactar não só a matriz de transportes, mas a cadeia produtiva nacional como um todo, o diesel verde (HVO) e o Combustível de Aviação Sustentável (SAF, na sigla em inglês) são fundamentais para lograr êxito nos compromissos ambientais assumidos pelo País. Ambos são produzidos a partir de matérias-primas renováveis, como óleo vegetal e óleo de reúso, gordura animal e outros resíduos, de modo que são considerados combustíveis alternativos avançados em relação aos combustíveis fósseis.
Tanto o SAF quanto o diesel verde são combustíveis drop-in, ou seja, podem ser utilizados em motores feitos para combustíveis fósseis sem prejuízo à estrutura ou ao desempenho energético, uma vez que seu funcionamento é idêntico ao do querosene de aviação e do diesel fóssil. Eles também podem ser misturados em outros combustíveis fósseis e biocombustíveis distintos, em variadas proporções e sem necessidade de adaptação da sua fórmula ou da estrutura do motor. Dessa forma, a adoção desses combustíveis alternativos não demanda investimentos em infraestrutura de escoamento e inovações para motores.
Em termos regulatórios, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) delimitou as especificações e os critérios de qualidade do diesel verde por meio da Resolução ANP 842/2021. Na ausência de uma legislação sobre a utilização de diesel verde, a agência permite sua comercialização mediante autorização prévia, visando a inserir de forma gradual este novo biocombustível na matriz brasileira sem que ele concorra diretamente com outros mandatos obrigatórios já existentes, como o de biodiesel. Por sua vez, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) operacionaliza com maior atenção o monitoramento das emissões de CO2 desde 2019, conforme resolução Anac 496/2018, visando a atender ao monitoramento no âmbito do Corsia.
A despeito da utilização ainda incipiente na região, algumas iniciativas já indicam o potencial uso desses combustíveis avançados e, sobretudo, o interesse do mercado. Desde dezembro de 2022, o Aeroporto Internacional do Galeão (RJ) abastece a sua frota terrestre, fulcral para a logística e operação do espaço, utilizando proporção de combustível com 10% de diesel verde. Nesta linha, na Zona Franca de Manaus está sendo implementada a primeira biorrefinaria do País, com projeção de capacidade inicial produtiva em torno de meio bilhão de litros de diesel verde e SAF por ano. Outros Estados, como São Paulo, já avaliam a instalação de planta de produção de SAF com o objetivo de abastecer os aeroportos locais.
Assim como para o avanço de outras tecnologias, o governo tem papel importante na regulamentação e no fomento do uso de diesel verde e SAF no Brasil. Uma das principais demandas do setor produtivo é a previsibilidade mínima de consumo dos combustíveis, que pode ser garantida por meio de mandatos obrigatórios. Nesse sentido, o Ministério de Minas e Energia apresentou em setembro o projeto do Combustível do Futuro, que, entre outras medidas, institui o Programa Nacional de Combustível de Aviação (ProBioQAV) e o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV).
No ProBioQAV, os operadores aéreos deverão reduzir suas emissões de gases de efeito estufa geradas nas viagens domésticas por meio da utilização de combustível de aviação renovável (SAF) entre 1% e 10%, no período de 2027 a 2037, cronograma alinhado ao compromisso do Corsia. O PNDV, por sua vez, implica a utilização de até 3% de diesel verde na mistura com diesel fóssil comercializado, porcentual que será definido pelo Conselho Nacional de Política Energética.
O projeto é parte da agenda mais ampla de economia verde do Poder Executivo e foi elaborado em conjunto com outros ministérios a partir de estudos e pesquisas sobre os temas, tendo em vista a necessidade de implementar um marco legal para os novos combustíveis. O texto foi enviado ao Congresso Nacional e está em tramitação na Câmara dos Deputados. No Legislativo, é esperado que o projeto seja apensado ao Projeto de Lei (PL) 4.196/2023, de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), este já apensado ao PL 528/2020, a ser relatado pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já sinalizou que pretende pautar matérias que contribuam para a transição energética e o fomento da economia verde, o que ajuda que o projeto do Combustível do Futuro, principal matéria sobre o tema, avance ainda neste ano. O trabalho conjunto entre governo e Congresso é importante para o avanço de políticas públicas que fomentem a produção e utilização de novos combustíveis sustentáveis, assegurando o protagonismo internacional do Brasil nas pautas de biocombustíveis e contribuindo para a transformação verde no setor produtivo brasileiro.
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