Folha de São Paulo
No momento em que as vendas de veículos leves eletrificados batem recorde no país, a indústria automobilística começa a registrar também uma mudança nos tipos de carros comercializados pelo segmento.
Quase metade das vendas de eletrificados no primeiro semestre deste ano compreendem veículos BEVs—exclusivamente elétricos—, e os híbridos PHEVs, que foram o grande destaque, com cerca de 11,5 mil emplacamentos, mais que o triplo observado no mesmo período do ano passado.
Os dados são da ABVE, entidade que representa montadoras como a chinesa BYD, a Ford e a General Motors.
Do inglês Plug-in Hybrid Electric Vehicle, a sigla PHEV se refere aos veículos híbridos que possuem um carregador externo para reabastecê-los, além da possibilidade do uso de gasolina —e etanol, se for flex.
Segundo especialistas, o movimento registrado pela ABVE indica como o mercado de eletrificados pode se apresentar daqui para a frente. Isso porque nos primeiros semestres dos últimos anos, as vendas eram dominadas pelos híbridos HEVs, que representavam quase 60% da fatia em 2021.
Em seu formato mais comum no Brasil, os veículos HEVs são aqueles que possuem um motor à combustão e um sistema elétrico, que alternam a demanda de acordo com a velocidade. Eles são carregados na frenagem, por regeneração, e por meio do motor a combustão, que atua como um gerador.
O novo comportamento do mercado coincide com a discussão sobre a chegada de montadoras como a BYD no país. Para Murilo Briganti, diretor de produtos da Bright Consulting, alguns carros dessas marcas superam, em tecnologia e performance, elétricos de companhias mais consolidadas na indústria brasileira.
No fim de julho, a BYD informou que o Dolphin EV, seu modelo totalmente elétrico, havia comercializado 3.000 unidades no país. A marca foi alcançada um mês após a montadora confirmar a fabricação no Brasil e anunciar o compacto como seu primeiro automóvel nacional.
Com preço a partir de R$ 149,8 mil e capaz de rodar 291 km com a carga completa, o Dolphin EV bate de frente com o Kwid E-Tech, versão elétrica do compacto da francesa Renault que custa R$ 149,9 mil. O veículo chinês sai na frente quando o assunto é espaço interno, por exemplo. Enquanto o Dolphin possui 4,1 metros de comprimento, mesmo porte do Chevrolet Onix, o Kwid E-Tech tem 3,73 m de uma ponta a outra.
“São justamente os chineses que estão trazendo esses veículos [BEV] para o Brasil, com bastante conteúdo, tanto de conectividade quanto de conforto e segurança, a um preço mais acessível”, afirma Briganti.
Na visão de Rodrigo de Almeida, vice-presidente da Abravei (Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores), a escalada nas vendas dos híbridos plug-in é um movimento natural do mercado, à medida que a população começa a ter mais conhecimento sobre os modelos eletrificados.
Ele explica que, enquanto tecnologia e sustentabilidade dos modelos elétrico e híbrido plug-in atraem os consumidores mais ricos —que podem comprar veículos mais caros hoje—, a economia com gastos de combustível é um fator que vai chamar a atenção do brasileiro médio daqui em diante. De acordo com a Bright Consulting, um carro elétrico gasta somente 20% do valor dos custos de abastecimento de um veículo a combustão, em média.
Milad Kalume, diretor de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato, diz que o perfil das vendas de eletrificados dependerá dos preços e dos custos dos veículos, mas a tendência é que o valor sugerido pelas montadoras para os híbridos plug-in apresente queda. “Não só pela chegada dessas empresas no país. As novas tecnologias estão se proliferando e, com o aumento do volume, os preços acabam reduzindo automaticamente”, afirma.
Segundo estimativas da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a frota de veículos híbridos e elétricos no Brasil deve alcançar o patamar de aproximadamente 1,5 milhão de unidades em 2032, impulsionada por incentivos estaduais e municipais, como a dispensa do rodízio de carros em São Paulo, e descontos em impostos em algumas regiões.
O número, porém, é bem aquém da projeção para os veículos a combustão flex, que devem dominar a frota brasileira em 2032 com uma fatia de 41 milhões de unidades, de acordo com a projeção.
Milad Kalume aponta a falta de infraestrutura de carregamento como um possível entrave na hora de o consumidor decidir qual veículo comprar. De acordo com a ABVE, o Brasil somava até junho deste ano 3.503 pontos de recarga públicos ou semipúblicos –número que não passava dos 1.300 no começo do ano passado. A estimativa da entidade é que o patamar cresça para 10 mil em 2025.