O Estado de S. Paulo
A alta do petróleo tem aumentado a defasagem dos preços da Petrobras em relação às cotações internacionais e já levanta dúvidas sobre um possível reajuste nas refinarias da estatal. O cenário é um teste para a atual gestão da companhia, que até agora só anunciou reduções de preços.
Por enquanto, o câmbio abaixo dos R$ 5 tem ajudado a manter a lucratividade da Petrobras. Mas a pergunta, segundo especialistas, é até quando a nova gestão vai conseguir manter os preços “abrasileirados”, depois que o petróleo ultrapassou o patamar de US$ 80 o barril.
Mesmo não praticando mais a política de paridade de preços de importação (PPI), o mercado vem acompanhando a diferença dos preços internacionais e da estatal. Em menos de duas semanas, a defasagem em relação aos valores praticados no Golfo do México, usado como parâmetro pelos importadores, aumentou de 10% para mais de 20%.
A janela de importações está fechada há 70 dias, diz o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araújo. Segundo ele, as defasagens estão em patamares muito elevados, e chegou a hora da Petrobras reajustar seus preços. No caso da gasolina, a defasagem atingiu 23% nas refinarias da estatal na última segunda-feira, enquanto o diesel registra diferença de 17%.
A Acelen, única refinaria privada de grande porte do País, começou a exportar diesel por não conseguir concorrer no mercado brasileiro. Seus preços estão 14% defasados na gasolina e 10%, no diesel.
“Há realmente risco de uma retração no volume de importação, e o problema maior está no diesel quando se pensa em abastecimento”, diz Araújo. Segundo ele, o fato da Acelen estar exportando diesel significa que a Petrobras está deixando dinheiro sobre a mesa, porque os preços estão artificialmente muito baixos. “Mas como ela não tem a necessidade de acompanhar a paridade de importação, a gente fica em dúvida do que vai acontecer.”
Na estimativa do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a defasagem da gasolina é ainda maior, da ordem de 29% e do diesel, de 16%. Para o sócio do CBIE e especialista em energia Adriano Pires, indicado para a presidência da Petrobras no governo Bolsonaro, o risco de manter defasagens elevadas é fechar de vez qualquer chance de importação de combustíveis pela iniciativa privada.
“Vai ser difícil equilibrar (os preços da Petrobras) se o petróleo continuar subindo para US$ 83, US$ 84. E deve subir, porque todo mundo está vendo a atividade econômica das principais economias mundiais voltando, nos Estados Unidos, na China, que está voltando a ter um crescimento mais substantivo, e o próprio Brasil, que deve ter queda de juros, o que indica um segundo semestre mais aquecido”, afirmou Pires.
Ele ressaltou que no dia 1º de julho o petróleo era cotado a US$ 74 o barril, e hoje já fechou a US$ 83 o barril. “A sorte de nós brasileiros é que a defasagem só não está maior porque o câmbio caiu e ajudou a defasagem não crescer”, explicou.
Pires avaliou que o grande temor do mercado é que a Petrobras volte à “era Dilma”, quando a defasagem chegou a 40% e os preços dos combustíveis nas refinarias da empresa foram congelados, acarretando um grande prejuízo aos acionistas da estatal. Na época, porém, destacou, o barril do petróleo estava em mais de US$ 100.
“Com a janela fechada da importação, a Petrobras volta a ser monopolista, e corre o risco de comprar mais caro lá fora e vender mais barato aqui dentro, aí o buraco no caixa começa a crescer”, disse Pires. “Não sei se vão deixar chegar nesse ponto, porque tira o dinheiro do acionista e ele pode entrar com ação em Nova York, como entrou no passado, mas a Petrobras já deveria estar anunciando aumento da gasolina e do diesel”, afirmou.
Já o consultor em gerenciamento de risco da Stonex, Thiago Vetter, afirma que, apesar de considerar necessário, não espera movimentos da Petrobras na direção da alta de preços no curto prazo, devido à nova política de preços da companhia, “principalmente enquanto essa defasagem não afetar o abastecimento nacional”, explicou.
A estimativa da Stonex é de que, com a atual defasagem, para equiparar os preços internos dos internacionais e reabrir a janela de importação, a Petrobras deveria elevar o diesel S10 em R$ 0,48 por litro e a gasolina em R$ 0,31 por litro.
“Na nossa avaliação, a janela de arbitragem para importação de combustíveis (diesel e gasolina) está fechada, independente da origem. Com isso os importadores perdem o incentivo para importações. Como o mercado nacional é dependente de importação para suprir sua demanda, seria importante a Petrobras reajustar seus preços”, disse Vetter.
Equilíbrio
Em nota, a Petrobras afirmou que sua estratégia comercial tem como premissa a prática de preços competitivos e em equilíbrio com os mercados nacional e internacional, se valendo de suas melhores condições de produção e logística, ao mesmo tempo em que evita o repasse da volatilidade conjuntural das cotações internacionais e da taxa câmbio.
“Não se observa risco de desabastecimento. A demanda nacional vem sendo atendida tanto pela Petrobras, quanto pelos demais produtores e importadores que atuam no mercado brasileiro”, diz a estatal.
Sobre a percepção de terceiros acerca dos preços internos de combustíveis, diz a empresa, é importante destacar que as declarações devem ser vistas sob a perspectiva de um mercado concorrencial, com agentes que representam empresas de diferentes portes de operação.