Folha de S. Paulo
O Banco Mundial desaconselha o plano de ofertar em leilões a geração de 8 GW (gigawatts) de energia térmica a gás, prevista pela lei 14.182/2021, que abriu o capital da Eletrobras. O governo federal prepara uma MP (medida provisória) sobre o tema.
“Os 8 GW adicionais de capacidade de gás não são necessários, mesmo com maior escassez de água”, afirma um estudo do órgão publicado nesta quinta (4).
“Renunciar aos 8 GW adicionais de capacidade do gás representaria uma economia para o Brasil de 20% em custos do sistema elétrico no cenário convencional, que cairia de R$ 374 bilhões para R$ 250 bilhões”, calcula o Banco Mundial, em uma projeção de custos para o ano de 2050.
O Brasil tem apostado no aumento do uso da energia térmica —que é movida a combustíveis fósseis e contribui para o aquecimento global— para evitar o desabastecimento energético em cenários de escassez hídrica.
O estudo, no entanto, propõe que o investimento se volte às energias renováveis, especialmente as eólicas onshore e offshore (em terra e na costa marítima).
O custo de investir em energias renováveis sairia apenas 2,5% maior do que o gasto no cenário convencional sob estresse hídrico: R$ 442 bilhões contra R$ 431 bilhões, de acordo com modelos matemáticos do estudo, que soma custos de investimento, geração, transmissão e operação e também de déficit.
Intitulado Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o Brasil, o estudo compõe uma série inédita do Banco Mundial com diagnósticos e recomendações sobre a transição para uma economia de baixo carbono em diversos países.
O documento enfatiza que o Brasil deve aproveitar o que chama de “condições excepcionais do país” para descarbonizar o sistema energético, o que apoiaria a descarbonização de outros setores da economia, elevando a competitividade brasileira.
“O Brasil tem um potencial fantástico para energia solar e eólica, não encontramos isso em qualquer país. Mas é claro que estamos falando do custo no longo prazo. A energia renovável é barata na geração, mas você ainda precisa investir. Essa é a pergunta que o relatório deixa: como financiar essa transição?”, disse à Folha Stephane Hallegatte, consultor sênior de mudanças climáticas do Banco Mundial e um dos autores do relatório.
Um caminho possível para o financiamento é o redirecionamento de subsídios.
“No setor agrícola, isso pode ser feito vinculando o acesso ao crédito subsidiado à adoção de uma agricultura inteligente em relação ao clima”, sugere o estudo. “Outros subsídios que poderiam ser reaproveitados incluem aqueles disponíveis para a indústria de carne bovina, de aproximadamente R$ 12,3 bilhões entre 2008 e 2017”, aponta. “Os subsídios para geração de energia à base de carvão, que totalizaram quase R$ 1 bilhão em 2020, poderiam ser redirecionados para apoiar a transição energética.”
Por outro lado, o estudo reconhece que as reservas offshore de petróleo e gás brasileiras permanecerão competitivas nos mercados globais nas próximas décadas, tornando-se um risco apenas no longo prazo, com a possível queda da demanda global.
“Custos de produção relativamente baixos significam que a produção de combustíveis fósseis no Brasil e suas receitas devem aumentar no médio prazo”, diz o relatório sobre o cenário de exportação, ponderando que as fontes renováveis são mais baratas para suprir a demanda interna.
Segundo Hallegate, a análise aborda duas questões. “Uma é como suprir a necessidade de energia do país; outra é: se você tem recursos fósseis, o que você faz com ele?”, diz.
“Há países dispostos a gastar muito dinheiro com gás porque só têm essa opção. Você pode vender o gás a preços altos para os países que já estão presos a essa opção ou você pode se trancar nessa opção também”, avalia.
Em um diagnóstico amplo, o relatório traz apontamentos sobre os setores de energia, indústria, transporte e agricultura e também para o combate ao desmatamento, em análises sobre reformas estruturais, medidas de aumento da produtividade e políticas econômicas e setoriais.
“Os investimentos adicionais necessários para a ação climática representam aproximadamente 1% do PIB anual do Brasil”, afirma o estudo. O relatório ainda elenca entre as oportunidades de investimento o ganho de produtividade agrícola somado ao combate ao desmatamento; a reindustrialização; e os aportes em cadeias de valor inovadoras, como a geração de hidrogênio verde para exportação e a mineração para fabricação de componentes de veículos elétricos.
O estudo também aponta a necessidade de políticas públicas para adaptação climática, de modo a impedir que os desastres ambientais aumentem as desigualdades sociais.
“Os choques climáticos podem levar de 800 mil a 3 milhões de brasileiros à pobreza extrema já em 2030. É crucial que o Brasil acelere seus investimentos rumo a um crescimento resiliente e de baixo carbono”, afirma Johannes Zutt, diretor do Banco Mundial para o Brasil.