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Valor Econômico
Usinas esperam para 2023 uma safra maior e uma competição mais acirrada com a gasolina

Depois de um ano afetado por mudanças tributárias e estiagem, que reduziram a competitividade e a oferta de etanol, as usinas esperam para 2023 uma safra maior e uma competição mais acirrada com a gasolina. As projeções giram em torno de um aumento de 10% na produção de cana-de-açúcar e de 3% na de etanol. Para o etanol à base de milho, combustível que ganha cada vez mais espaço no mercado, o crescimento estimado é de mais de 35%. As usinas de biodiesel também projetam melhores resultados com a retomada da mistura do óleo de fonte vegetal e gordura animal ao óleo fóssil, parte do esforço para aumentar a oferta de energia limpa no país.
Apesar das boas expectativas, porém, não estão no radar grandes investimentos em biocombustíveis neste ano; as usinas devem otimizar os investimentos realizados anteriormente.
O setor passou por uma transformação há 20 anos, quando os primeiros carros flex chegaram ao mercado. Antes, com o Proálcool – que teve início na década de 1970 e foi oficialmente extinto na de 1990 –, a escolha era pelo motor movido a gasolina (mais cara) ou a álcool, mais barato, mas com desconfiança dos consumidores quanto à garantia de oferta. A partir do motor flex, hoje em 80% da frota de veículos leves, a decisão passou a ser feita na bomba, incentivando o consumo.
Funcionou como um estímulo para as usinas ampliarem investimentos, alargando a participação de combustíveis não fósseis na matriz energética nacional. Hoje, o etanol de cana-de-açúcar e de milho e o biodiesel respondem por 25% do combustível usado em transportes no país.
O principal biocombustível segue sendo o etanol de cana-de-açúcar, com 26,59 bilhões de litros produzidos na safra 2022/2023, encerrada em março, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Deste total, 41,5% são de etanol anidro, misturado à gasolina, e 58,5% de hidratado (vendido na bomba). Somando-se a produção de etanol de milho, cujo volume cresceu 30,7% na última safra e que já representa 15% do mercado de biocombustíveis no país, a oferta total do produto alcança 31,13 bilhões de litros.
Nas contas do setor, a produção de etanol de cana-de-açúcar é menor: 24,62 bilhões de litros, segundo levantamento da Bioagência, devido à estiagem e geadas que afetaram o fim da safra passada na maior parte do Centro-Sul do país e que não teriam sido totalmente captadas pelo último levantamento da Conab, feito em dezembro. De todo modo, as previsões para a safra 2023/2024, iniciada em abril, são melhores. A Bioagência estima produção de 590 milhões de toneladas de cana, que devem garantir 25,38 bilhões de litros de etanol, 3% acima da anterior. Com o etanol de milho, com alta prevista de 35%, a produção total do biocombustível deve chegar a 31,31 bilhões de litros.
“As chuvas aumentaram entre dezembro e março. A perspectiva é de melhora”, afirma Felipe Vicchiato, CFO da Usina São Martinho. A previsão da produção da companhia sai em junho, mas Vicchiato avalia que ficará acima dos 20 milhões de toneladas de cana da última safra. Caminho semelhante tem a Usina Jacarezinho, do grupo Maringá, que encerrou a safra 2022/2023 com 2,56 milhões de toneladas de cana moídas, número que deverá crescer neste ano.
Pierre Santoul, diretor-presidente da Tereos, empresa francesa com unidades no Brasil, projeta um crescimento de 10% na produção de etanol, para 575 milhões de litros, a partir do processamento de 19 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. No período anterior, a companhia já havia aumentado em 11% a produção de cana, para 17,3 milhões de toneladas, por ter plantios em áreas que foram pouco afetadas por geadas e estiagem.
O clima, no entanto, não foi o principal problema no ano passado, diz Tarcilio Ricardo Rodrigues, diretor da Bioagência. O setor foi mais impactado pela medida que zerou o PIS/Cofins e a Cide sobre os combustíveis para conter a alta do preço da gasolina e que, como reflexo, reduziu a competitividade do etanol, prejudicando sua venda. “No meio do jogo, o setor sofreu um revés. A vantagem do etanol desapareceu”, diz Rodrigues.
A mudança na regra levou usinas a rever o mix de produção e incrementar a venda de açúcar, que encontrou espaço no mercado internacional. “O mercado de açúcar está esticado. As perspectivas são promissoras para as usinas”, diz Arnaldo Luiz Corrêa, sócio-diretor da Archer Consulting. Ajuda nessa perspectiva o fato de a Índia, importante produtor de cana, apostar no etanol como solução para reduzir a dependência de petróleo, diz Corrêa. O país desenhou um programa semelhante ao brasileiro de mistura na gasolina e a entrada do etanol levou os indianos a realocar o equivalente a 2,8 milhões de toneladas de açúcar para o combustível. “Em 2025, eles querem chegar a 20% de etanol na gasolina”, diz o diretor da Archer Consulting.
Para Rodrigues, da Bioagência, o setor começa a vislumbrar tempos melhores. O atual governo retomou parcialmente a cobrança de PIS/Cofins e Cide, e a diferença de R$ 0,45 na tributação da gasolina (R$ 0,47 por litro) em relação à do etanol (R$ 0,02/litro) deve garantir a competitividade do combustível verde. Somado a isso estão o mercado de açúcar firme e as notícias recentes de redução da oferta de petróleo, com reflexos esperados na gasolina. A Bioagência trabalha com expectativa para o preço bruto do etanol hidratado de R$ 3,15 por litro nas usinas neste ano. O valor é competitivo a depender da cotação do petróleo e de como a Petrobras trabalhará a paridade internacional do preço do óleo.
Esses fatores tendem a elevar o consumo de etanol no país, sem afetar o equilíbrio entre oferta e demanda do combustível e do açúcar, e reforçam as finanças no setor. “As usinas estão fazendo uma melhor gestão de riscos”, afirma Corrêa, da Archer Consulting, que não vê grandes novos investimentos no setor. Embora alguns engenheiros apontem para a possibilidade técnica de aumento da mistura de etanol na gasolina para 30% (o teto hoje é de 27,5%), o tema não é discutido pelas usinas, embora não rejeitem a possibilidade, assim como a ideia de algumas montadoras para um carro popular mais barato movido só a etanol. São medidas que podem estimular a venda do combustível, mas, como o flex domina o mercado, é preciso entender a reação dos consumidores.
O foco agora é finalizar obras iniciadas, entrar em um novo ciclo de produtividade das lavouras e, para algumas usinas, avançar na produção de etanol de milho e na cogeração de energia. É o caso da Usina São Martinho, que concluiu a nova planta de etanol de milho em Goiás. Com investimento de R$ 740 milhões, o etanol de milho representa hoje 15% do 1,2 bilhão de litros produzidos pelo grupo. Em cogeração, a usina entregará em agosto uma nova planta em São Paulo, onde foram investidos R$ 350 milhões. Esse segmento representa cerca de 20% da receita líquida de R$ 6 bilhões da companhia.
Na Tereos, a cogeração de energia a partir do bagaço da cana já representa 15% do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). Na safra 2021/2022, a companhia obteve uma receita de R$ 4,4 bilhões e Ebitda de R$ 937 milhões. Para os próximos dois anos estão previstos R$ 15 milhões em investimento em uma nova unidade de biogás em Olímpia (SP). “É em um modelo de economia circular que permite o reaproveitamento de praticamente 100% da cana-de-açúcar”, diz Santoul, da Tereos.
A Usina Jacarezinho, conta Eduardo Lambiasi, diretor corporativo do grupo Maringá, iniciou uma planta de cogeração em 2021 com aporte de R$ 70 milhões, valor que deve ser triplicado nos próximos anos. Em 2022, o faturamento em cogeração representou R$ 28 milhões, o equivalente a 4% do faturamento do segmento sucroenergético da empresa.
No caso do biodiesel, o segmento espera mais investimentos a partir de alterações recentes que devem dar impulso à produção.
A retomada da mistura de 12% do combustível ao óleo diesel, com cronograma para chegar até 15% (B15) em 2026, junto com mudanças no modelo de comercialização implementadas no ano passado, foi um alento para o setor. Os leilões públicos foram substituídos pela contratação direta entre distribuidores e produtores, o que garante mais autonomia ao mercado, afirma Erasmo Carlos Battistella, presidente da BSBios, empresa líder do setor que faturou R$ 7,9 bilhões em 2021.
Com unidades no Rio Grande do Sul, no Paraná e na Suíça, a BSBios fechou recentemente a aquisição de uma fábrica no Paraguai para produção de biodiesel com capacidade para esmagar 50 mil toneladas de soja por ano e produzir 7 milhões de litros do combustível anualmente.
O Brasil produziu 6,3 bilhões de litros de biodiesel no ano passado e tem capacidade instalada superior a 13 bilhões de litros por ano. “Seria possível atender na atualidade até mais do que o B15”, diz Batistella.
Cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que se o cronograma inicial que estabelecia o B15 para este ano fosse mantido, a demanda pelo biocombustível estaria em 9,5 bilhões de litros, chegando a 12,10 bilhões de litros em 2032. O setor reivindica agora a regulamentação para combustível de aviação como avanço na transição para uma economia de baixo carbono.

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