Brasil aumenta importação de diesel russo em 26 vezes durante Guerra da Ucrânia

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EPBR

A Rússia se tornou, em março, a terceira maior exportadora de diesel para o mercado brasileiro, de acordo com levantamento da agência epbr, com base nos dados públicos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Historicamente pouco relevantes, as importações do derivado de origem russa dispararam nos últimos meses, em meio a mudanças no fluxo do comércio global de combustíveis desde o início da guerra da Ucrânia, em 2022.

O que você precisa saber

  • Brasil importa diesel russo, hoje, mais barato que o produto dos EUA e, em alguns momentos, até mesmo que a Petrobras.
  • A Rússia vendeu 458 milhões de litros de diesel ao Brasil no 1º trimestre, segundo a ANP.
  • Esse volume é 26 vezes maior que as importações russas do 1º tri/2022.
  • Além disso, é 3,7 vezes maior que todo o diesel importado da Rússia em 2022.
  • Em um ano, a Rússia passou da 10ª para a 3ª posição entre os maiores fornecedores de diesel para o Brasil, no 1º trimestre deste ano.
  • Apesar disso, os Estados Unidos ainda são os principais exportadores para o Brasil, mas perderam mercado para os russos.
  • O aumento das importações de diesel russo coincidiu com o início das sanções da União Europeia aos produtos refinados da Rússia.
  • Esse aumento reflete o pragmatismo da política externa brasileira.

Os novos fluxos do comércio global de petróleo e derivados

Desde o início da invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, as potências ocidentais reagiram com uma série de pacotes de sanções econômicas a Moscou.

A resposta da União Europeia definiu uma curva gradual para interrupção das importações de petróleo e derivados da Rússia. Desde fevereiro, os países do bloco estão proibidos de comprar combustíveis russos.

E a UE fixou também um preço-teto de US$ 100 por barril nas vendas de diesel russo, como parte de um esforço para limitar as receitas de Moscou.

Com as sanções, a Rússia perdeu seu principal mercado consumidor — a Europa — e passou a buscar novos destinos para suas cargas. Para isso, no entanto, os refinadores russos tiveram que baixar seus preços.

Os descontos sobre o petróleo e derivados russos atraíram o interesse de países como Índia e China, na Ásia. Segundo a S&P Global, as exportações de óleo russo para a Ásia subiram de 1,33 milhão de barris/dia em 2021 para 2,11 milhões de barris/dia em 2022 e 3,23 milhões barris/dia na média deste ano.

A Rússia tem conseguido, assim, manter-se ativa no comércio global. A Agência Internacional de Energia (AIE) informou este mês que, em volume, as exportações de petróleo da Rússia atingiram, em março, os níveis mais altos desde abril de 2020 — período pré-guerra.

As receitas russas com exportação de óleo e gás, porém, sentiram o baque: despencaram 45% no primeiro trimestre — reflexo da desvalorização dos preços internacionais do petróleo e dos descontos praticados sobre os barris de origem russa, em que pese os EUA venham alertando sobre uma manobra para burlar o teto de preço do petróleo da Rússia.

EUA reduz substancialmente a presença na América Latina

A guerra da Ucrânia redesenhou por completo a dinâmica do mercado e na América Latina não foi diferente.

Atraído pelo aquecimento da demanda europeia — e pelos prêmios pagos por lá pelos produtos alternativos aos russos — os EUA deslocaram parte de sua produção (e estoques) de derivados para a UE.

O Brasil passou, então, a concorrer com a Europa na atração dos barris americanos. E teve de recorrer a supridores alternativos — como a Rússia.

Para dimensionar a mudança dos fluxos do comércio com os EUA: as importações de diesel dos Estados Unidos recuaram 36,8% no primeiro trimestre de 2023, na comparação anual, para 1,149 bilhão de litros.

É o menor patamar de importação dos EUA num primeiro trimestre desde, pelo menos, 2017 — início da série histórica da ANP.

E, aos poucos, a entrada de produto russo começa a mexer com a precificação dos refinadores americanos.

A hEDGEpoint Global Markets, empresa de inteligência de mercado, destaca que a guerra deixou cicatrizes que provavelmente não desaparecerão tão cedo em relação às rotas de exportação.

“Uma delas foi a reformulação global dos fluxos de energia, com a Europa a começar a comprar quantidades recorde de produtos refinados americanos e a América Latina a comprar volumes elevados de produtos russos. Para não perder competitividade na América Latina, o desconto do diesel na Costa do Golfo dos EUA caiu abaixo das médias sazonais — uma tendência que poderá persistir no futuro, à medida que as refinarias do Sul dos EUA começarem a competir com os fornecimentos pela cota de mercado na América Latina”, cita relatório recente da hEDGEpoint Global Markets

Apesar das sanções impostas pelas potências ocidentais, o Brasil não seguiu o mesmo caminho e não existe, portanto, um impeditivo, do ponto de vista legal, para o comércio com os russos.

Empresas interessadas em importar diesel da Rússia, no entanto, podem esbarrar em retaliações no mercado financeiro — seja no processamento de pagamentos e acesso a crédito, seja por pressão de investidores institucionais.

É o que faz alguns importadores tradicionais do Brasil ainda se manterem distantes dos barris russos, por ora.

Diesel russo chega mais barato

O CEO da Nimofast, Ramon Reis, relata que o galão de diesel russo tem chegado ao Brasil cerca de US$ 0,05 mais barato que o produto importado do Golfo do México — mesmo considerados os custos de frete desde as refinarias russas, mais distantes do mercado brasileiro.

“E a gente vende, muitas vezes, com desconto sobre os preços da Petrobras”, afirma.

A Nimofast é uma das tradings mais atuantes hoje na importação de diesel da Rússia.

Reis destaca que, com opções mais restritas de consumidores, os refinadores russos têm praticado preços competitivos. Mas nada substancialmente muito abaixo da média dos preços de importação.

Descontos elevados, segundo ele, são circunstanciais

A Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), por sua vez, estima que o galão de diesel russo pode chegar ao Brasil, em alguns casos, até US$ 0,27 mais barato que o produto importado dos EUA.

O presidente da Abicom, Sergio Araujo, destaca que há uma mudança não só no perfil dos supridores de diesel para o mercado brasileiro, mas também no perfil dos compradores.

Ele cita que as importações de diesel russo têm sido destinadas, sobretudo, a distribuidoras regionais — que têm conseguido, com isso, ganhos de competitividade em relação às líderes de mercado.

Segundo o presidente da Abicom, no entanto, ainda é cedo para fazer uma análise sobre a tendência daqui para frente, sobre a continuidade das importações russas. Ele lembra que ainda pairam dúvidas não só sobre os fluxos do mercado global, como sobre a própria dinâmica interna, dos preços da Petrobras sob a nova administração.

Ramon Reis, da Nimofast, por sua vez, vê na importação de diesel russo uma oportunidade pontual que se abriu no contexto específico das mudanças dos fluxos do comércio global de derivados. Ele não acredita que a Rússia deva manter, a longo prazo, o fornecimento contínuo de volumes expressivos ao mercado brasileiro.

“Não vejo [o fornecimento russo] como algo estrutural, é uma janela para um ano, dois anos. Mas haverá produtores russos que vão querer continuar no Brasil, por questão de segurança [de diversificação da carteira]”, comentou.

Reis lembra que a longa distância entre Rússia e Brasil aumenta os custos de frete — o que, num ambiente normal de mercado, afasta a competitividade da entrada dos produtos russos nos portos brasileiros.

Quem está comprando da Rússia

As importações de diesel russo, hoje, são intermediadas, sobretudo, por tradings independentes. De acordo com dados da ANP, entre as empresas que pediram autorização do regulador para importar cargas de diesel da Rússia no primeiro trimestre estão:

  • Nimofast
  • Sul Plata Trading
  • Copape Produtos de Petróleo
  • Amazonia Energia
  • Ciapetro Trading

A concessão da licença não quer dizer, contudo, que as compras tenham sido efetivadas.

Relação comercial com a Rússia espelha pragmatismo

O aumento das importações de diesel russo coincide com o início das sanções da União Europeia, como também reflete o pragmatismo da política externa brasileira na questão da guerra da Ucrânia.

As conversas para compra de diesel russo foram desenhadas ainda no governo de Jair Bolsonaro, em 2022. Em fevereiro, dias antes do início da guerra, o então presidente brasileiro prestou solidariedade a Putin em visita oficial a Moscou.

Em sua busca por maior protagonismo na política internacional, Lula tem interesse em posicionar o Brasil como um mediador pela paz. O atual presidente mantém uma relação aberta com as grandes potências ocidentais e, ao mesmo tempo, faz acenos ao Oriente.

No dia 16 de abril, em passagem pelos Emirados Árabes após visita à China, Lula disse que a Ucrânia tinha tanta responsabilidade quanto a Rússia na guerra — e que EUA e Europa incentivavam o conflito ao enviar armas ao governo ucraniano. As declarações geraram ruídos na relação diplomática com os EUA.

Nesta terça (25/4), Lula calibrou o discurso, em viagem a Portugal, ao condenar a “violação da integridade territorial da Ucrânia” pela Rússia. Em fevereiro, ele já havia classificado a invasão como “um erro histórico da Rússia”

“Tudo volta à economia. Poderíamos tentar ler nas entrelinhas, mas no final das contas tudo se resume ao preço — aparentemente é mais barato para o Brasil puxar o diesel russo nos últimos meses do que importar barris dos EUA”, resumiu Matt Smith, principal analista de petróleo da Kpler para as Américas, em entrevista recente ao Insider.
André Ramalho
Fonte: Agência epbr

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