A Raízen, uma das maiores produtoras de derivados da cana-de-açúcar do mundo, está investindo com força na produção de etanol de segunda geração (E2G), também chamado de etanol verde, bioetanol ou etanol celulósico. O investimento total na construção de 20 plantas de E2G, até 2030, é de aproximadamente R$ 24 bilhões. A empresa acaba de anunciar o início da construção de duas novas usinas no interior paulista que utilizam o bagaço da cana-de-açúcar para obter o combustível.
Uma dessas novas plantas é anexa à Usina Vale do Rosário, em Morro Agudo, e a outra na Usina Gasa, em Andradina. As novas unidades vão exigir aportes de R$ 2,4 bilhões. Cada uma terá capacidade para produzir 82 mil m3 de E2G por ano e a previsão de operação é para 2025. Atualmente, essas plantas estão na fase de contratação da terraplanagem.
Com essas duas novas usinas em construção, a Raízen terá agora cinco obras de E2G em andamento. As outras plantas sendo construídas estão localizadas nos municípios paulistas de Guariba, Valparaíso e Barra Bonita. A mais adiantada é a do bioparque Bonfim, em Guariba, que será concluída no segundo semestre deste ano. “Nessa planta, estamos finalizando a montagem de equipamentos, conexões e de toda parte de instrumentação”, revela Ozanan Pessoa, diretor de Projetos Renováveis da Raízen. “A próxima etapa será o comissionamento da planta”, completa. Nas obras de E2G nos bioparques Barra Bonita e Valparaíso (Univalem) estão sendo construídas as fundações dos prédios. A previsão é que elas sejam entregues em 2024.
Joint-venture entre o Grupo Cosan e a Shell, a Raízen iniciou a produção de etanol de segunda geração em 2015, na planta industrial anexa ao bioparque Costa Pinto, em Piracicaba (SP). “A Raízen é pioneira e única empresa do mundo a comercializar o etanol de segunda geração em escala global. Costa Pinto é a maior planta de E2G do mundo. Durante o ano safra 2022-2023, produzimos e comercializamos 30 mil m3 do produto”, salienta Pessoa. Atualmente, a Costa Pinto é a única planta de etanol celulósico da Raízen em operação. “O E2G que fabricamos é um produto diferenciado, de alto valor agregado. Praticamente todo o etanol de segunda geração produzido pela Raízen é exportado”.
A aposta em renováveis tem se revelado promissora para a companhia, sendo que a maior parte da produção das plantas de E2G em Morro Agudo e Andradina já está comercializada para diferentes clientes internacionais. Praticamente toda a produção do E2G é enviada para a União Europeia. “Os clientes do E2G da Raízen são, em geral, empresas que se preocupam com a descarbonização e que veem no E2G um produto premium, capaz de apoiá-los no atingimento de suas metas de sustentabilidade. A demanda contratada de E2G da Raízen já totaliza 4,3 bilhões de m3 comercializados por meio de contratos de longo prazo. Esse volume inclui o contrato que firmamos com a Shell em 2022, para fornecimento de 3,3 milhões de m3 de E2G até 2037”, afirma Pessoa.
O diretor de Projetos Renováveis lembra que a Raízen tem diversas parcerias estratégicas, como a realizada com a própria Shell, que fornece o E2G para abastecer os carros de Fórmula 1 da Ferrari. A mistura E10 (10% de biocombustível e 90% de gasolina) utilizada na Fórmula 1 é uma iniciativa da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), que almeja utilizar combustível totalmente sustentável até 2025. Já na temporada atual da NTT Indycar Series, que acontece nos EUA, todos os carros de corrida utilizarão combustível 100% renovável fornecido pela Shell. “O mix desse combustível também contém E2G da Raízen. Isso significa que o biocombustível que produzimos está descarbonizando as duas principais categorias do automobilismo mundial”, frisa o executivo.
Outro exemplo de fornecimento de etanol de segunda geração ocorre no Brasil, com o grupo Boticário, que utiliza apenas o bioetanol fornecido pela companhia em suas linhas de fragrâncias. Além do uso do renovável em veículos leves e na indústria em geral, já há previsão para que o etanol celulósico atenda as indústrias produtoras do bioquerosene de aviação, também conhecido como biocombustível sustentável de aviação (SAF), que pode ser feito com o etanol. “Já temos contratos que preveem a fabricação desse combustível. Avaliamos a Europa como um importante mercado para isso”, esclarece Pessoa.
O executivo lembra que há poucas alternativas de insumos para fabricação de SAF realmente capazes de promover a descarbonização, conforme as metas estabelecidas pelo setor de aviação. “Nesse sentido, o E2G é uma excelente solução, uma vez que é produzido a partir de um resíduo, ou seja, não deixamos de produzir alimento para produzir combustíveis, e esse é um requisito importante para a Europa. Não temos plantas produzindo SAF, mas estamos acompanhando iniciativas globais para avaliar participação nesses projetos.”
Nessa direção, Pessoa revela que, no ano passado, a empresa assinou com a Embraer uma carta de compromisso com o objetivo compartilhado de estimular o ecossistema de produção de SAF no Brasil. “Com essa parceria, esperamos contribuir para que a Embraer atinja a meta de ter misturas de SAF representando 100% do seu consumo de combustível no Brasil até 2030. O etanol de segunda geração tem uma pegada de carbono 30% menor quando comparado ao de primeira geração e até 80% menor do que combustíveis fósseis, como a gasolina.”
Por ser fabricado a partir de resíduos como bagaço e palha de cana-de-açúcar, o E2G aumenta em 50% o potencial de produção de biocombustíveis, sem a necessidade de se aumentar a área cultivada. “Por utilizar como matéria-prima subprodutos do etanol comum, o E2G proporciona maior aproveitamento energético da cana-de-açúcar, o que resulta em uma maior eficiência agrícola”, conclui Pessoa. O mercado marítimo também está no radar da companhia, que promove contatos com fabricantes de navios para testar o biocombustível.
Como é produzido o etanol de segunda geração
Etanol de segunda geração (E2G) é um biocombustível avançado feito a partir dos resíduos restantes do processo de fabricação do etanol comum (etanol de primeira geração ou E1G) e do açúcar. Quimicamente, é como o E1G, a grande diferença está na forma de produzi-lo. O E2G utiliza biomassa vegetal lignocelulósica, reaproveitando resíduos vegetais – palha, folhas, bagaço, cavaco, entre outros. Enquanto o etanol de primeira geração e o açúcar são produzidos a partir da cana-de-açúcar, o E2G é feito da palha e do bagaço da cana-de-açúcar.
A produção de E2G acontece por um processo tecnológico de pré-tratamento da biomassa, hidrólise e posteriormente fermentação. As estruturas vegetais têm alguns compostos básicos: lignina, celulose, hemicelulose, cinzas e água. A lignina é um composto estrutural de cadeia longa que confere rigidez à planta. Para que se possa produzir álcool, é necessário disponibilizar os carboidratos (celulose e hemicelulose) e, para isso, é necessário quebrar ou soltar a lignina dos demais compostos.
Basicamente, o processo produtivo da E2G envolve três fases: pré-tratamento, quando a biomassa é pré-tratada de forma que a celulose seja fracionada; hidrólise, que é a quebra da celulose e da hemicelulose em açúcares – glicose e xilose; e fermentação e destilação, que são etapas parecidas com o processo produtivo do etanol de primeira geração. A diferença é que a fermentação do açúcar xilose requer o uso de uma levedura geneticamente modificada.
Autor/Veículo: Revista O Enpreiteiro