Estados tentam recompor perdas com ICMS de gasolina e outros itens na Justiça e no Legislativo

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Governos estaduais vêm aprovando em suas assembleias legislativas a elevação do percentual básico do tributo e reforçando ações no Judiciário

O Globo Online

Os estados se articulam para ampliar a arrecadação de impostos neste ano, depois de perderem receitas por causa de medidas tomadas pelo Congresso Nacional no governo de Jair Bolsonaro, no ano passado. Uma das estratégias é rever ao menos parte de uma lei federal, aprovada em junho de 2022, que determinou a redução das alíquotas de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de energia, combustíveis, telecomunicações e transporte, ao considerá-los itens essenciais.

Em paralelo à ofensiva no Congresso e diante do impasse nas negociações com a União sobre as perdas de arrecadação, os governos estaduais também vêm aprovando em suas assembleias a elevação do percentual básico do tributo e vêm reforçando ações no Judiciário em Brasília.

A lei aprovada em junho do ano passado, a poucos meses das eleições, estabeleceu que o diesel, a gasolina, a energia elétrica, as telecomunicações e o transporte coletivo são produtos essenciais. Com isso, passaram a ter alíquota de ICMS limitada. Essa alíquota básica é de 17% ou 18%, a depender do estado. O objetivo era baratear esses itens, ampliando a popularidade de Bolsonaro. A gasolina e energia elétrica tiveram queda de preço em 2022, de 25,78% e de 19,01%, respectivamente, de acordo com dados do IBGE.

R$ 45 bilhões em perdas de arrecadação

Os governos estaduais calculam uma perda de arrecadação de R$ 45 bilhões com a medida, já que o ICMS é a principal fonte de receitas próprias dos estados. Com as negociações para compensação de perdas de receita emperradas, governadores decidiram pedir, na Câmara e no Senado, a revisão da essencialidade ao menos da gasolina. Caso esse combustível deixe de ser considerado essencial, cada unidade da federação poderá ampliar livremente a alíquota de ICMS sobre o produto, como era antes.

  • Nós pleiteamos a revisão da essencialidade da gasolina – afirma Cristiane Schmidt, vice-presidente do Comsefaz, que reúne os secretários estaduais da Fazenda, e secretária de Economia de Goiás.

Neste mês, os estados já obtiveram uma vitória no Supremo Tribunal Federal contra um dispositivo da lei. O ministro Luiz Fux suspendeu por liminar o trecho que tirava as tarifas de distribuição e de transmissão da conta de luz – composta por outras rubricas, como as tarifas de energia e subsídios. A expectativa de governadores é manter a decisão. quando ela chegar ao plenário.

12 estados aprovam ICMS maior; tributo pressiona inflação

Enquanto buscam a revisão da lei no Congresso e na Justiça, os governos estaduais vêm adotando outras medidas para elevar a arrecadação. Como cada estado pode definir sua alíquota básica de ICMS, ao menos 12 unidades já aprovaram em suas assembleias o aumento desse percentual, segundo o Comsefaz. Foi a forma que os governadores encontraram para respeitar a lei federal, já que os itens essenciais continuam com essa classificação, e, ao mesmo tempo, ampliarem a receita.

Foi o caso de Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Pará, Piauí, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Norte, Roraima e Sergipe, que aprovaram alterações das alíquotas para percentuais entre 19% e 22% ainda em 2022. A mudança já passa a valer este ano. O estado do Ceará aprovou em meados de fevereiro o aumento da alíquota para 20% – portanto, o novo percentual só entrará em vigor no ano que vem.

O movimento de elevar os tributos tende a pressionar preços de itens básicos do dia a dia do brasileiro. Produtos que no ano passado tiveram alívio por causa da lei federal podem ficar mais caros neste ano. E, como o aumento feito em alguns estados é sobre a alíquota geral, outras mercadorias, como itens farmacêuticos, podem ter reajuste.

Nos cálculos da Tendências Consultoria, a alta das alíquotas gerais trará ligeiro impacto sobre o IPCA, que mede a inflação, a partir de junho.

  • Todo esse impacto pode também se estender para o ano que vem (como é o caso do Ceará, que já aprovou alíquota mais alta para 2024). Isso vai depender muito de questões legislativas e da articulação entre o governo federal e os estados. Outro ponto é a discussão da reforma tributária. Se for aprovado o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), levaria a um cenário completamente diferente – afirma Luiza Benamor, analista da Tendências.

Enquanto tentam ampliar receitas neste ano, os estados negociam com o governo federal uma compensação pela redução das perdas do ICMS de 2022. Insatisfeitos com o projeto que reduziu o imposto, eles passaram a questionar os textos no STF. O governo Lula abriu uma mesa de negociação para compensar ao menos parte das perdas,

O acordo costurado envolve apenas a redução de receita no ano passado, comparada com 2021 – de 2023 em diante, a redução de receita vai ser absorvida pelo estado, sem compensação.

As conversas, porém, travam em uma série de pontos. Um deles é o valor das compensações. Os governadores calculam redução de arrecadação de R$ 45 bilhões. Neste momento, o Tesouro Nacional acenou com um pagamento de R$ 26 bilhões, parcelado de 2023 a 2026. A União argumenta que ela própria está numa situação fiscal delicada.

A perspectiva de os estados saírem vitoriosos em ações no STF é um fator que embola as negociações, já que eventual decisão favorável seria mais vantajosa que o acordo – que pressupõe a desistência das ações.

  • O acordo não deve ter desfecho rápido – diz Cristiane Schmidt, do Comsefaz.

R$ 11 bilhões não foram pagos

Outro ponto de divergência é o período em que será feita a análise da perda do ICMS – se todo o ano de 2022 ou apenas o período de vigência da lei (a partir de julho) como querem os estados. Não há consenso sobre a amplitude das perdas – se o cálculo é feito sobre todo o ICMS ou sobre os produtos afetados, como desejam os entes federativos.

Também está em discussão a atualização dos valores de 2021 (base de comparação da perda) pela inflação e a forma como será feita a compensação para gastos com saúde e educação. Outro ponto é o mecanismo de gatilho.

  • O que a gente está fazendo agora é calculando para saber como esse acordo fica com relação às liminares e aos riscos jurídicos. Há riscos jurídicos que a gente precisa contemplar, para não correr o risco de a decisão ser questionada. A gente precisa ter total segurança jurídica de que não vai ter questionamento – afirma a secretária.

Os próprios estados precisarão chegar a um acordo, já que um documento precisa ser assinado pelas 27 unidades da federação. E, no momento, há divergências entre governadores. Das 15 ações do STF protocoladas pelos governos estaduais, já houve decisão favorável a estados em dez. Nelas, eles conseguiram manter seus entendimentos, numa derrota para o governo federal. Até agora, oito estados deixaram de pagar R$ 11 bilhões à União referentes à redução do ICMS, graças a decisões do STF.

Veja os pontos de divergência entre estados e a União

Período de análise das perdas

O entendimento inicial do Tesouro (ainda durante o governo Bolsonaro) é que as perdas de arrecadação precisam ser calculadas considerando todo o ano de 2022. Já os estados defendem que a conta seja feita considerando o período de vigência da lei, ou seja, o segundo semestre do ano passado.

Produtos considerados

Outro ponto de discussão é sobre qual será a abrangência das perdas a ser considerada na compensação. A negociação é entre considerar apenas os produtos afetados pela lei, como querem os estados (combustíveis, energia, telecomunicações e transporte) ou toda a base do ICMS, que é maior.

  1. Atualização pela inflação

A compensação será feita comparando a arrecadação de 2021 com as receitas do ano passado. A questão é se os valores arrecadados em 2021 serão atualizados pela inflação para compará-los às receitas do ano seguinte. Além disso, está em discussão como compensar os valores para saúde e educação.

  1. Gatilho de 5% na queda de arrecadação

A lei da redução do ICMS prevê uma compensação aos estados sobre o que exceder 5% de perdas – o governo Bolsonaro avaliava que a maior parte dos estados não teria queda dessa magnitude. Agora, se discute considerar ou não essa parcela de 5% no cálculo da perda ou apenas o que for excedente.

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