Valor Econômico
A nova administração da Petrobras e o novo governo Lula devem rever, a partir de janeiro, o plano estratégico 2023-2027 da companhia para considerar maiores investimentos em projetos de energia renovável, como eólicas offshore e hidrogênio verde, mas a tarefa não será fácil nem rápida, segundo indicaram ontem os atuais diretores da petroleira. A dificuldade está no fato de que a governança da empresa exige que as decisões de investimento passem por várias instâncias até chegar ao conselho de administração, etapa final de análise. A complexidade para alterar o plano, porém, já é conhecida pela equipe de transição.
“[O novo governo] vai ver qual é o prazo para elaborar, é um plano que tem várias etapas [de tramitação interna]”, disse o coordenador do grupo de trabalho de energia da equipe de transição, Mauricio Tolmasquim, na quarta-feira (30), em seminário realizado pela FGV, antes da divulgação do plano estratégico. Tolmasquim considerou natural a divulgação do plano estratégico, mesmo sendo conhecidas as pretensões do futuro governo Lula de rever o plano de investimentos, até porque houve um trabalho de elaboração que estava pronto e que demanda tempo. “É natural que a atual diretoria queira divulgar; também é natural que o governo que entra também queira reavaliar [o plano]”, afirmou.
O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, disse que o plano será revisto pelo governo Lula para incluir investimentos em aumento da capacidade de refino, em projetos de transição energética, com estímulos a fontes renováveis, como biocombustíveis, e encomendas à indústria naval brasileira, com a construção de plataformas e embarcações no país, gerando emprego no Brasil. Bacelar integra o grupo de trabalho de energia da equipe de transição, mas o posicionamento dele, divulgado na quarta-feira à noite depois de o plano da Petrobras vir à público, se deu na condição de líder da FUP.
A possível mudança no plano foi discutida ontem no Petrobras Day, sessão de teleconferências com analistas de bancos de investimento para detalhar o documento. No total, o planejamento da companhia prevê US$ 78 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos, 15% acima do montante previsto no plano anterior. Desse total, 83% serão destinados para exploração e produção (E&P) e 10% serão aplicados no refino. (ver quadro nesta página).
O diretor de governança e conformidade da Petrobras, Salvador Dahan, afirmou que não é possível dizer que esse plano estratégico possa ser revisto em um prazo muito curto, de acordo com os sistemas da companhia. E o diretor financeiro e de relacionamento com investidores da empresa, Rodrigo Araujo, acrescentou que a previsão de recursos a serem aportados em cada projeto está listada no plano estratégico, mas a decisão segue uma “governança de tomada de decisões de cinco portões”. São consideradas ainda três instâncias decisórias: comitê técnico estatutário, diretoria-executiva e conselho de administração.
Araujo salientou ainda que as premissas definidas no plano são o ponto de partida para um processo de decisão de investimentos. Acrescentou que a companhia não trabalha com “alvo” de retorno, mas com a obrigatoriedade de que os projetos tenham valor presente líquido (VPL) positivo no cenário de “stress”. No plano, a Petrobras indicou que os projetos de E&P são viáveis com o preço do petróleo tipo Brent a US$ 35 o barril.
O novo plano da Petrobras não é consenso no conselho de administração da empresa. A conselheira Rosângela Buzanelli Torres, que representa os empregados, disse que não aprovou o plano por considerar que as bases que o fundamentam são “inconciliáveis” com os princípios que motivaram a fundação e construção da Petrobras, “apesar de reconhecer o hercúleo trabalho das equipes envolvidas na elaboração do plano bem como alguns avanços”. Buzanelli disse, em página que detém na internet, que o plano segue a estratégia de desverticalização, desintegração e esvaziamento da atuação da Petrobras no país, concentrando esforços na produção do pré-sal, exportação de óleo cru, venda de refinarias e investimentos “tímidos” na área de transição energética, descarbonização e energias renováveis. Na quarta à noite, Araujo havia celebrado, na rede Linkedin, o plano, dizendo que foi elaborado preservando a “visão, os valores e o propósito” da companhia.
No mercado financeiro, as ações ordinárias da companhia fecharam o dia com queda de 3,75%, a R$ 29,25, e as ações PN terminaram o cotadas a R$ 25,59, queda de 4,01%. A Ativa Investimentos divulgou relatório segundo o qual o plano dialoga com o pensamento da gestão atual, mantendo proporção de alocação de 80% dos recursos em E&P. Na visão da corretora, é extremamente positivo para a companhia alocar dois terços dos recursos de E&P no pré-sal, que atualmente é a parte mais rentável das operações da Petrobras: “Ainda assim, a possibilidade de nova gestão alterar os planos apresentados é considerável”, afirmou a Ativa no relatório, apontando ainda que o mercado deve esperar a chegada da nova gestão da Petrobras para somente então absorver os planos futuros da empresa.
Regis Cardoso e Marcelo Gumiero, analistas do Credit Suisse, destacaram aumento em US$ 10 bilhões no valor total de investimentos sem mudar a capacidade de fornecer aos acionistas retornos substanciais, com dividendos para os próximos cinco anos projetados em US$ 80 bilhões, equivalente a 110% do atual valor de mercado da Petrobras. Seria, para eles, a prova da força financeira da empresa. Porém, o aumento da percepção de risco continuará a pesar sobre a Petrobras, com volatilidade esperada nos próximos meses, avaliam. “Estamos particularmente preocupados com a alocação de capital, mas as dúvidas sobre a continuidade da política de preços e de dividendos aumentam as incertezas”, afirmaram os analistas em relatório.
O BTG Pactual também salientou que a política que prevê repasse aos acionistas de 60% do fluxo de caixa livre foi reiterada no plano estratégico. “Também não descartamos investimentos para aumentar capacidade de produção de combustíveis, o que no médio prazo aumenta o poder do governo de interferir nos preços e reduzir a dependência do Brasil de importações”, afirmam os analistas Pedro Soares e Thiago Duarte. (Colaboram Cristiana Euclydes e Felipe Laurence, de São Paulo)