Para forçar queda de gasolina na bomba, medida reduziu recursos de 23 estados para políticas de atendimento social
Folha de S. Paulo
Principal bandeira do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os esforços em seu mandato pelo combate à fome e à pobreza extrema no país correm o risco de perder R$ 8,5 bilhões, caso o STF mantenha a redução do ICMS cobrado sobre os combustíveis e serviços essenciais.
A medida de cunho eleitoreira foi ideia de Jair Bolsonaro (PL) convertida em lei pelo Congresso. No entanto, os estados foram ao Supremo questionar sua constitucionalidade.
Em busca de um acordo, o ministro Gilmar Mendes criou uma comissão especial com integrantes dos estados, governo e Congresso. Não houve consenso e, como noticiou o Painel S.A., os integrantes pediram prorrogação dos trabalhos para que a conversa seja fechada com Lula. Publicamente, o presidente eleito já defendeu os estados nessa disputa.
Os estados são obrigados pela Constituição a manterem um fundo de combate à pobreza. Para abastecê-lo, é permitido usar 2% do ICMS cobrado sobre produtos e serviços de natureza supérflua.
Até junho deste ano, os combustíveis eram enquadrados como tal. No entanto, a Lei Complementar 194/2022, sancionada por Bolsonaro em junho deste ano, passou a classificar os combustíveis como item essencial.
Por essa mesma lei, foi definido que o imposto estadual cobrado desses produtos deveria ter uma alíquota teto de 17%.
Essa mudança trouxe um efeito colateral ao impedir que os estados, para favorecer a classe média e derrubar preço de combustível nas bombas, cortou recursos para o combate da pobreza.
Entre os 27 governadores, somente os do Amapá, Pará, Roraima e Santa Catarina não usam recursos dos combustíveis para complementar o fundo de combate à pobreza.
Conforme dados do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), os outros 23 estados arrecadaram, ao longo do ano passado, R$ 106,3 bilhões em ICMS incidente sobre combustíveis. Ou seja, os 2% de adicional destinado aos fundos de combate à pobreza somariam R$ 2,13 bilhões em apenas um ano.
O impacto da mudança legal nos fundos de combate à pobreza foi pontuada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que relata uma ação em que a União cobra que os estados reduzam o ICMS sobre combustíveis.
Em 1º de julho, em um de seus despachos, o ministro escreveu que, “em um ambiente de agudização da pobreza, percebe-se a pouca preocupação sobre as consequências da adoção, pelo Ente central, de impor a essencialidade de todos os produtos previstos no art. 1º da LC 194/2022, com a consequente diminuição do fundo de combate à pobreza, em momento de aumento do quadro de desigualdade e do nível de pobreza”.
No mesmo despacho, o ministro endossa a tese de uma jurista que considera que “o Estado deve lutar ativamente contra qualquer impacto desproporcional que uma política de corte de gastos possa ter especificamente sobre esses grupos [mais vulneráveis]”.
No processo de conciliação, mediado por Mendes, União, estados e Congresso tentam chegar a um acordo que resulte em uma compensação aos estados pela perda de arrecadação em geral com as mudanças sancionadas por Bolsonaro no ICMS sobre combustíveis e também sobre os serviços de energia elétrica e comunicações.
Mas não há uma discussão específica, até aqui, sobre compensações específicas sobre os impactos nos recursos destinados aos fundos de combate à pobreza.
O prazo dado por Gilmar Mendes para que União e estados cheguem a um entendimento é o próximo dia 2 de dezembro. Na semana passada, os estados apresentaram uma conta de R$ 25 bilhões, no cenário mais favorável à União, a ser paga pelo governo federal como compensação das perdas de arrecadação de ICMS desde julho deste ano, quando passaram a vigorar as novas regras.
Caso não haja um acerto, o ministro deverá decidir sozinho a respeito. Formada pelo ministro, uma comissão de experts, equivalente a peritos judiciais, opinou em outubro que a lei em discussão é inconstitucional.
Julio Wiziack (interino) com Fernanda Brigatti, Paulo Ricardo Martins e Diego Felix