Valor Econômico
Se o novo governo eleito não quiser impor um estilo de gestão mais liberal às estatais federais – de maximização de retorno – por convicção política, deveria fazê-lo por pragmatismo, já que elas podem ajudar a resolver ou atenuar o grande nó que se apresenta nas contas públicas brasileiras neste momento.
Em um momento em que o presidente Lula vai precisar encontrar espaço no orçamento para implementar seus programas de governo, seria pouco inteligente abrir mão da ajuda fiscal que está vindo de algumas das empresas controladas pela União.
Não seria diferente do que já vem fazendo o governo de Jair Bolsonaro, que está se valendo do dinheiro que vem delas para tentar compensar a abertura da torneira dos gastos em diversas rubricas do orçamento.
Muitos agentes de mercado, por exemplo, se surpreenderam com a trajetória da dívida bruta do governo nos últimos anos, tendo em conta a expansão fiscal que foi realizada tanto por causa da pandemia quanto devido aos programas de gastos eleitoreiros que foram mantidos ou criados às vésperas do pleito deste ano.
Esperava-se que o indicador, quando medido como proporção do PIB, estaria maior que os atuais 77%. Isso se deve em parte à expansão da inflação e do PIB nominal, como já se falou, além da redução do custo da dívida quando a Selic estava na mínima histórica.
Mas não só.
Apenas a devolução de recursos que haviam sido emprestados pelo Tesouro ao BNDES somou R$ 250 bilhões entre o início de 2019 e junho deste ano, o que equivale a 2,6% do PIB – e mais R$ 45 bilhões serão pagos ainda este ano, com mais um impacto de quase 0,5% do PIB no endividamento.
Este foi um jeito que o governo encontrou de controlar o indicador de dívida mais olhado atualmente pelos agentes de mercado – que mede a relação entre a dívida bruta e o PIB – sem precisar aumentar a arrecadação federal ou reduzir gastos públicos.
Para refrescar a memória, antigamente se acompanhava principalmente a dívida líquida do governo, que é a diferença entre quanto se deve e quanto se possui “em caixa”.
O problema com o uso desse indicador começou exatamente quando, a partir do fim de 2008, segundo mandato de Lula, o governo começou a implementar o Programa de Sustentação de Investimento (PSI), por meio do qual o Tesouro emitia dívida e repassava os recursos ao BNDES, para que ele emprestasse dinheiro às empresas a juros subsidiados, na esteira da crise financeira global.
Foram R$ 440 bilhões repassados nesse modelo, que depois foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Esse dinheiro que o Tesouro tinha a receber do BNDES contava como “caixa” para o cálculo da dívida líquida, deixando escondido o impacto de toda essa emissão de dívida.
O problema é que, embora o BNDES tenha ficado com o compromisso de devolver os repasses, e eles fossem um “contas a receber” do Tesouro, não era um direito que desse ao governo a disponibilidade imediata para “saque”, como as reservas internacionais e o colchão de liquidez que o Tesouro mantém para lhe dar conforto na gestão da dívida, esses sim instrumentos que podem ser chamados de “caixa”.
Diante da desconfiança no indicador tradicional, os agentes de mercado passaram a olhar para a dívida bruta, e não mais a líquida, para acompanhar a evolução da situação fiscal do país.
Agora, porém, com a devolução dos recursos, a dívida bruta cai, e a líquida fica estável. Ocorre uma melhora do indicador mais seguido pelas pessoas, sem que necessariamente haja um esforço fiscal tradicional.
Esse “bônus”, é bom que se diga, vai acabar em breve – o que não significa que não possa ser usado também pelo governo Lula no seu primeiro ano de governo. Considerando que ao fim de setembro o BNDES tinha R$ 93 bilhões de dinheiro recebido do Tesouro, e já se comprometeu a devolver R$ 45 bilhões este mês, restarão cerca de R$ 50 bilhões para serem devolvidos no próximo mandato (considerando ainda que o repasse está sujeito a alguma remuneração de juros), incluindo na conta os repasses de empréstimos e os instrumentos elegíveis a capital.
E qualquer 0,5% do PIB a menos na dívida bruta faz diferença para governos que excedem ou pretendem exceder o limite de despesas “imposto” pela regra do teto de gastos, como o atual e o próximo.
Essas devoluções, para reforçar, não entram como receita normal do governo. Apenas reduzem sua dívida.
Mas as estatais também têm ajudado no resultado fiscal do jeito “tradicional”, via pagamento de dividendos. Ainda falando do BNDES, foram R$ 18,9 bilhões pagos este ano até setembro, ou R$ 42 bilhões desde o início do governo Bolsonaro. E 100% desse dinheiro engorda o resultado primário do setor público.
Isso se deve ao resultado do próprio banco com operações de crédito, com a venda de participações em empresas privadas, pelo enxugamento da BNDESPar, e também ao repasse de lucros que o BNDES recebeu da Petrobras, dada sua fatia de quase 8% na estatal de petróleo, que vem distribuindo uma montanha de dinheiro.
A própria Petrobras, por sua vez, pagou como dividendo diretamente ao Tesouro R$ 49,6 bilhões este ano (pela participação de 28,7% no capital), ou R$ 74,2 bilhões desde o início do atual governo. Isso sem contar os tributos federais (IR e CSLL) e royalties e participações governamentais, que geraram outros R$ 143 bilhões em arrecadação para a União somente de janeiro a setembro.
Em outras palavras, sem BNDES e Petrobras ganhando bastante dinheiro e distribuindo bastante dinheiro, não haveria superávit primário este ano, como o resultado até setembro indica que haverá.
Como disse, diante da necessidade fiscal que se apresenta de 2023 para frente, não parece uma boa hora para o novo governo abrir mão de contar com as estatais para equilibrar as contas. Ainda que por mero pragmatismo.