Intervenção do governo federal no ICMS cobrará preço alto no futuro

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Forçar queda de preços com objetivo eleitoreiro desequilibrará caixa dos estados, e contribuinte pagará a conta

O Globo Online
Por Editorial
No vale-tudo eleitoral em que se transformou o governo Jair Bolsonaro, leis e emendas constitucionais que aumentam os gastos sem lastro se tornaram banais. Numa delas, rasgou-se o pacto federativo, limitando a 17% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre combustíveis, energia, comunicação e transporte coletivo. O objetivo foi puramente eleitoreiro: forçar a queda de preços de olho nos votos que renderia. O preço a pagar no futuro será alto.

O Rio de Janeiro cobrava 34% na gasolina. A maior parte dos estados, 29%. Muitos taxavam o diesel em 17%. Nove aplicavam uma alíquota acima desse limite. O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) estima perda de arrecadação neste ano de R$ 83,5 bilhões. Onze estados e o Distrito Federal entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a intervenção. O relator dos processos, ministro Gilmar Mendes, pediu ao governo uma contraproposta. A Advocacia-Geral da União (AGU) respondeu que é preciso monitorar a receita dos estados, e, se o excesso de arrecadação for ‘consistente’, nada há a fazer. Os dois lados têm até novembro para chegar a um acordo, do contrário o STF se verá obrigado a exercer seu papel constitucional de arbitrar o conflito.

A resposta da AGU mistura ignorância sobre o cenário que se avizinha à tentativa de empurrar o problema com a barriga. As medidas eleitoreiras causam distorções que se acumulam à espera do próximo presidente e dos futuros governadores. Se a arrecadação estadual com o ICMS foi beneficiada nos últimos meses pela alta da inflação e dos combustíveis, ambas já recuam. O barril do petróleo caiu abaixo de US$ 100, e o novo presidente da Petrobras quer repassar rapidamente a queda aos preços. A ação do Banco Central resultou na deflação que se estenderá de julho a agosto, talvez até setembro.

É evidente que o corte abrupto no ICMS apertará o caixa dos estados, muitos endividados ou às voltas com dificuldades para cumprir as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. É previsível irem daqui a pouco a Brasília pedir mais um socorro ao Tesouro, filme já visto diversas vezes. A conta recairá sobre todos os contribuintes.

Gastos importantes dos estados serão afetados. A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) prevê que as escolas públicas perderão R$ 21 bilhões por ano, caso a lei não seja revista. O orçamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) depende em 60% do ICMS.

São conhecidas as inúmeras distorções da estrutura brasileira de impostos. Em vez de fazer a intervenção eleitoreira no ICMS, o governo deveria ter dado prioridade à reforma tributária, em que haveria um ajuste em todos os tributos. A mudança feita pelo governo só agrava desequilíbrios que seriam resolvidos com a consolidação de vários impostos – entre eles o ICMS – e a unificação de alíquotas. Para Bolsonaro e o Centrão, porém, é como se não houvesse Brasil depois de outubro.

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