Populismo supera a disposição de implantar políticas públicas que se sustentem, escreve Xico Graziano
Poder 360
Em março de 2007, o então presidente Lula recebeu aqui no Brasil o presidente norte-americano George W. Bush. Na pauta estava a política de biocombustíveis.
Lula havia lançado um programa de estímulo à produção de etanol, a partir da cana-de-açúcar. Bush também apostava no etanol, mas destilado do milho. Ambos estavam muito animados. O etanol se tornaria uma commodity global.
Com o petróleo encarecido no mercado, deslanchavam os investimentos nas energias renováveis. Estava começando a revolução das energias limpas, que coroaria o Acordo do Clima de Paris, em 2015.
Após aquele encontro, porém, os caminhos do Brasil e dos EUA se distanciaram nessa agenda. Nos EUA, a ‘Energy Bill’ se implantava a todo vapor, seguindo rigorosamente suas metas, cumprindo cronograma.
No Brasil, a proximidade das eleições de 2010 levou o governo a controlar os preços dos combustíveis fósseis, que haviam se elevado. Tendo o etanol, aqui, fixada uma paridade de 70% do preço da gasolina, a medida desestimulou o uso do biocombustível.
Resultado: o setor sucroenergético nacional entrou em parafuso, vendo as promessas de incentivo do governo se derreterem por motivos eleitorais. Um sonho virara um pesadelo.
Acontece que, encorajadas pelo discurso alinhado de Lula e Bush, 76 novas usinas e destilarias haviam sido erigidas no Brasil entre 2007 a 2010. Em 2012, porém, 27 delas tinham fechado suas moendas. Outras 12 entravam em recuperação judicial.
Os EUA, ao contrário, seguiam firmes em seu planejamento. Contrariando todas as expectativas, o etanol de milho sobrepujara naqueles tempos o etanol verde-amarelo da cana-de-açúcar. Hoje, a produção norte-americana de etanol é o dobro da brasileira.
Repito: o dobro.
E, em vez de o Brasil se tornar o grande exportador mundial da commodity, atualmente importa etanol dos EUA. Em 2020, importou 1 bilhão de litros; em 2021, com a pandemia, foram 270 milhões.
Um paradoxo da história. O país que inventou o Pró-álcool virara importador de etanol.
Há 15 dias, o presidente Bolsonaro publicou um decreto que interfere na Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). A medida do Executivo adia as metas das distribuidoras de combustível, para a compra dos créditos de descarbonificação (CBios).
O pretexto do governo foi o elevado preço da gasolina. Substituir combustível fóssil por energia limpa, conforme se comprometeu o país em sua NDC no Acordo do Clima, poderia agravar o custo das distribuidoras. O lobby do petróleo se impôs.
Sempre em nome do povo.
O setor sucroenergético reagiu fortemente, formulando inclusive um projeto de decreto legislativo apresentado no Congresso pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Não deverá lograr êxito.
No fundo, Bolsonaro se parece com Lula. Por motivos eleitoreiros, ambos rasgam os compromissos, rompem acordos, engolem suas próprias palavras. Danem-se o setor produtivo e o mercado. E que se lasque o meio ambiente.
Talvez seja essa a maior diferença entre aquela nação desenvolvida e o Brasil: nos EUA eles formulam projeto, traçam metas e as cumprem rigorosamente. Muda o governo, permanece a política pública.
Aqui, não. Em geral, inexistem bons marcos regulatórios para os investimentos, e quando são estabelecidos, não se firmam. Modificam-se a qualquer hora em função do populismo.
Bolsonaro copia Lula. Mais um paradoxo. Da política.