O Globo
Após a disparada do preço do petróleo em razão da invasão da Ucrânia pela Rússia, o governo estuda formas de frear a alta de combustíveis. Em um movimento que seria impensável há alguns meses, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que vai alterar a política de preços da Petrobras, questão que até então era considerada tabu.
O modelo final deve ser definido hoje. Na mesa, há propostas que vão desde o simples congelamento — no qual a estatal pagaria a conta, ainda que em caráter temporário — até o uso dos dividendos pagos pela petroleira à União para subsidiar o valor nas bombas.
Esta segunda hipótese ganhou força nas discussões entre técnicos na noite de ontem e envolveria até o limite de R$ 37 bilhões. Segundo integrantes da equipe econômica, o cenário eleitoral, com o presidente em desvantagem nas pesquisas, pesa na busca de uma solução rápida.
— Leis feitas erradamente lá atrás atrelaram o preço do barril produzido aqui e o preço lá de fora. Esse é o grande problema, nós vamos buscar solução para isso de forma bastante responsável — afirmou Bolsonaro, ontem, em uma crítica à política de preços.
Técnicos dos ministérios de Minas e Energia, da Economia e da Casa Civil começaram a desenhar uma solução com subsídio temporário. Depois do lucro da Petrobras alcançar R$ 106,6 bilhões no ano passado, a União deve receber em dividendos um total de R$ 37,3 bilhões.
Este é o limite para ajudar a segurar o preço de diesel, gasolina e gás de cozinha por um período de três a seis meses.
Pesa a favor da hipótese de subsídio ao produto nas discussões do governo o fato de que o mercado não é abastecido somente pela Petrobras, mas também por importadores, que atendem 30% do mercado. Dessa forma, a medida teria caráter setorial.
Planalto e Congresso
O modelo seria similar ao adotado em 2018, quando o governo subsidiou o preço do diesel para acabar com a greve dos caminhoneiros. A diferença é que não seria dinheiro propriamente do Orçamento, portanto, a iniciativa não afetaria o teto de gastos (regra que limita o aumento das despesas públicas), mas sim dos dividendos pagos pela estatal.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou ao GLOBO que a medida está em discussão.
— Isso é apenas uma possibilidade de medida, que ocorreu em maio de 2018, dentre outras que, inclusive, estão em tramitação no Congresso — disse o ministro.
O Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, resiste à ideia de subsidiar todos os combustíveis. Mas sabe que será difícil segurar a pressão por uma resposta ao aumento histórico nos preços do petróleo no mercado internacional. A pressão vem não só do Palácio do Planalto, mas também do Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já sinalizou que apoiaria a medida.
Para David Zylberzstajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), as duas alternativas em discussão teriam impacto negativo para o país.
— São medidas essencialmente eleitorais. O câmbio é o grande vilão. Os combustíveis estão caros no Brasil e em todo o mundo. Não há como escapar desse cenário. Adotar medidas para subsidiar o preço é pior, pois vamos, a médio e longo prazos, pagar mais caro, pois o governo vai subsidiar quem anda de carro — afirmou. — Quando se fala dos dividendos da Petrobras, o recurso é do Tesouro. E o ideal é usar esse dinheiro da melhor forma para a sociedade.
De outro lado, a Petrobras aguarda autorização do governo para reajustar os preços, com uma defasagem em relação ao praticado no mercado internacional na faixa de 30%. A expectativa, segundo fontes próximas da estatal, é de uma definição nos próximos dias. O último reajuste foi anunciado em 14 de janeiro, e desde então o preço do barril disparou.
Auxiliares de Bolsonaro adotaram o discurso de que a estatal precisa “abrir mão de parte do seu lucro colossal” em um momento de guerra. O cálculo também é político, à medida que pré-candidatos ao Planalto têm defendido abertamente maior controle sobre os preços.
Dispositivo de calamidade
Legalmente, um dos caminhos viáveis para segurar o preço dos combustíveis seria incluir um dispositivo de calamidade por fator externo (no caso, a guerra) em um projeto em discussão no Senado. Isso justificaria um congelamento temporário.
O projeto em questão está sob a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN) e traz algumas diretrizes para a política de preços internos dos combustíveis, incluindo a redução da volatilidade. Ele deve ser votado nesta semana.
Já a equipe econômica avalia que o caminho é mudar tributos que incidem sobre combustíveis e espaçar mais o repasse do preço internacional às bombas. A solução “daria tempo” à guerra: se o conflito se resolver em algumas semanas, as cotações tenderiam a se estabilizar.
Há uma articulação do governo para incluir, em acordo com o Ministério da Economia, a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel no projeto de Prates. A medida deve drenar R$ 18 bilhões dos cofres públicos e teria impacto de cerca de R$ 0,60 por litro nas bombas.