O Estado de S.Paulo
A guerra na Ucrânia, do outro lado do mundo, deve chegar ao Brasil na forma de alta dos preços dos combustíveis. Entre especialistas, há quem aposte que o barril do petróleo, usado como matéria-prima para produzir gasolina e diesel, vai ultrapassar a cotação recorde de US$ 147,50 por barril, de 2008, um pouco antes da falência do banco Lehman Brothers.
No Brasil, a disparada da commodity nos últimos dias, quando chegou a ultrapassar os US$ 105, pegou a Petrobras com seus preços inalterados havia 47 dias. O último reajuste foi em 12 de janeiro. A empresa disse, na semana passada, que a valorização do real frente ao dólar contrabalançava a alta do barril e ajudava a segurar os preços dos combustíveis. Com isso, ganharia tempo para avaliar se as mudanças trazidas pela guerra seriam estruturais e permaneceriam por um longo prazo, o que justificaria novos aumentos, ou se eram eventos pontuais. Com a guerra, o dólar voltou a se valorizar sobre o real.
Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), a defasagem entre a Petrobras e as principais bolsas de negociação já chega a 11%, no caso da gasolina, e a 12%, no diesel.
A Petrobras sofre grande pressão do governo para não reajustar a gasolina e o diesel, porque isso gera inflação e afeta o orçamento das famílias, o que pode prejudicar os planos de reeleição do presidente da República, Jair Bolsonaro. O governo é o acionista majoritário da companhia. Mas a petrolífera tem também os seus acionistas minoritários, no mercado financeiro, que exigem dela independência na gestão e resistência aos apelos políticos.
Ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pesquisadora da FGV, Magda Chambriard lembra que o consumo interno de óleo diesel é de cerca de 60 bilhões de litros por ano e que qualquer real que a empresa deixe de repassar para seus clientes tem um peso bilionário em seu caixa.
Em contrapartida, a capacidade dos consumidores é limitada. Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), diz que, se o barril chegar aos US$ 150, nenhum país vai poder repassar totalmente essa alta para o consumidor. “Vai ser preciso apertar o botão da calamidade publica e congelar os preços, não tem jeito. É um preço de excepcionalidade, preço de um momento de guerra.”
DISCUSSÃO NO CONGRESSO.
Crescem as exigências para que o governo e o Congresso apresentem uma solução. O senador Jean-paul Prates (PTRN) espera votar na semanq que vem seu projeto de lei que cria uma conta de estabilização dos preços e um outro que muda o cálculo do ICMS, mas dá autonomia de implantação aos Estados. “É a primeira vez que o Brasil é pego por uma onda de alta (do petróleo) sem nenhum escudo de proteção da volatilidade lá de fora. Estamos completamente expostos”, disse o senador.
O tamanho do estrago vai depender das sanções impostas à Rússia e da resposta a elas. “Ainda não houve nenhuma penalidade que envolva o fluxo de energia de um lado ou de outro”, observa o pesquisador Rodrigo Leão, especialista em Geopolítica do Petróleo pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás Natural (Ineep). Já o sócio-gestor da consultoria Inter.b. e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Claudio Frischtak, afirma que, se a guerra continuar, sem retaliações, o petróleo deve oscilar de US$ 100 a US$ 110. Com retaliações, a oscilação vai à casa dos US$ 150, “e isso é outro mundo”, diz. “No caso do Brasil, será um mundo de recessão e inflação mais aguda.” A consultoria Rystady Energy projeta o barril na casa dos US$ 130.