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Valor Econômico

O setor de distribuição de combustíveis fechou o ano de 2021 com sinais de aumento da concentração das três líderes do segmento no Brasil: Vibra, Raízen e Ipiranga. De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), a participação de mercado do trio, somada, atingiu 69,81% nas vendas de diesel, o que representa alta de 1,4 ponto percentual em relação a 2020. No caso da gasolina, o crescimento foi de 2,2 pontos percentuais, para uma fatia de 62,13%.

A expansão reverte uma trajetória de desconcentração registrada nos últimos anos nas vendas de diesel e gasolina, os dois principais produtos consumidos no país. As distribuidoras regionais, por sua vez, temem que a concentração se acentue para além de um caso pontual, diante de fatores que têm contribuído para reduzir a competitividade das companhias de menor porte frente às líderes do setor.

As distribuidoras regionais reclamam que a Petrobras tem mantido os preços abaixo da paridade de importação, o que prejudica a importação das tradings privadas. O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, afirma que esse cenário guarda uma correlação com a expansão do “market share” das líderes de mercado.

As distribuidoras regionais também reclamam do aumento dos custos regulatórios

Em geral, as distribuidoras compram parte dos volumes com a Petrobras e complementam as respectivas demandas com a aquisição junto a importadores. Assim, conseguem arbitrar condições mais vantajosas de preços. É via compras no mercado internacional que as distribuidoras conseguem se diferenciar das demais, uma vez que a petroleira estatal estabelece cotas de volumes para cada cliente, nas refinarias, e vende os produtos com preços igualitários para todas as companhias.

Depois de a Petrobras lançar política de preços atrelada ao mercado internacional, em 2016, as distribuidoras regionais conseguiram ampliar a fatia de mercado em função da importação a preços competitivos. Entre 2016 e 2017, a estatal praticou prêmios altos e houve “janela de oportunidade” para que importadores privados expandissem a atuação no país, oferecendo a essas distribuidoras produtos mais baratos que os oferecidos pela petroleira brasileira.

Quando os preços da Petrobras ficam abaixo da paridade internacional, como as distribuidoras alegam ter ocorrido em 2021, as importações deixam de ser atrativas. As gigantes do setor têm capacidade maior de atenuar os impactos da importação mais cara porque operam com volumes maiores. Contam ainda com braços de trading próprios e conseguem condições melhores nas negociações com fornecedores internacionais.

“As distribuidoras regionais são mais engessadas, têm menos volume para diluir o aumento de custos com a aquisição de um produto mais caro”, diz Araújo. As regionais reclamam que os preços praticados pela Petrobras afastaram importadores em 2021, sobretudo no quarto trimestre, em momento em que a estatal reduziu as importações próprias e recusou parte das encomendas das distribuidoras.

Um executivo do setor destaca, ainda, que as distribuidoras maiores têm redes de postos bandeirados grandes, o que lhes dá mais flexibilidade na precificação junto aos revendedores da rede – que possuem contratos de fornecimento exclusivo. As distribuidoras regionais têm redes menores e dependem mais da venda para postos bandeira branca (sem contrato de exclusividade para uso de uma marca). “Na bandeira branca a competição é muito maior, não dá para administrar tanto o preço ao ponto de diluir os custos com a importação mais cara”, disse a fonte, sob a condição de anonimato.

As distribuidoras regionais também reclamam do aumento dos encargos regulatórios que, dizem, aumentam os custos das empresas e criam assimetrias na competitividade com as líderes de mercado – com estruturas de capital mais fortes e mais diversificadas.

O Valor apurou que, em janeiro, a Brasilcom, que representa 45 empresas regionais, encaminhou pedido à ANP para que o órgão regulador mantivesse a suspensão da Resolução nº 45/2013, que trata das exigências de estoque diário de combustíveis. A regra estava suspensa desde a eclosão de pandemia, no início de 2020, e voltou a valer este ano, justamente num momento de alta dos preços do petróleo e derivados e da Selic – o que encarece os custos financeiros para formação e manutenção dos estoques e compromete parte da geração de caixa das companhias, sobretudo entre aquelas de menor porte. De acordo com documentos aos quais o Valor teve acesso, a ANP alegou que o assunto será devidamente discutido na agenda regulatória 2022-2023.

Para o pesquisador do Instituto de Energia da PUC Rio, Edmar Almeida, a concentração do mercado brasileiro de combustíveis reflete o monopólio de fato da Petrobras no refino – que só foi quebrado no fim de 2021, com a conclusão da venda da refinaria RLAM (BA) para o Mubadala.

“Como havia um único refinador, o segmento de distribuição tinha um padrão de concorrência específico: todos tinham mais ou menos o mesmo acesso aos produtos ao mesmo preço. Assim, o fator de diferenciação entre as empresas se desenvolveu no marketing e logística. Os grandes agentes conseguem otimizar a logística, têm mais poder de negociação com revendedores e mais poder para fazer marketing.

“É claro que um certo grau de concentração é normal no setor, devido à economia de escala desse segmento, mas é importante que os órgãos de defesa da concorrência estejam atentos para que não haja eventuais abusos. Os custos de transação do setor também precisam ser reduzidos, há muitas questões que precisam ser melhoradas para promover a concorrência no setor”, disse Almeida.

Já o sócio da consultoria Leggio, Marcus D?´Elia, complementou afirmando que o ganho de participação de mercado das líderes do segmento reflete os investimentos crescentes das companhias em expansão da infraestrutura. “As distribuidoras têm investido em bases em regiões mais distantes para aumentar ?´market share?´”, disse.

Um executivo de uma companhia regional cita, ainda, que a expansão das líderes do segmento coincide com a consolidação da privatização da BR Distribuidora (hoje Vibra). A empresa foi privatizada em 2019, em 2021 deixou de ter a Petrobras como sócia e tem focado na recuperação de participação, sobretudo entre postos bandeira branca.

A diretora de downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Valéria Lima, afirma que ainda é cedo para se atestar a curva de crescimento da concentração do mercado e que uma análise sobre o assunto demanda estudos mais aprofundados. Ela acredita, contudo, que fatores como a instabilidade trazida pela revisão do marco regulatório discutida em 2021; o caráter errático da retomada do consumo durante o segundo ano da pandemia; e a queda da margem do setor de distribuição podem ter, eventualmente, travado os planos de expansão das empresas do setor.

Lima não concorda com a avaliação de que as distribuidoras maiores se beneficiam de momentos em que os preços da Petrobras estão eventualmente desalinhados do PPI, já que as grandes companhias também “não importam para perder dinheiro”. O IBP representa, dentre outras empresas da indústria de óleo e gás, a Vibra, Raízen e Ipiranga.

Os dados da ANP mostram, ainda, que o aumento da participação de mercado não foi uniforme entre as principais companhias do setor. A Raízen (incluídos os números da Petróleo Sabbá) aumentou em 1,68 p.p. a fatia no mercado de diesel e em 1 p.p. na gasolina, enquanto a Vibra viu seu pedaço subir 1,2 p.p. na gasolina e 0,2 p.p. no diesel. Já a Ipiranga perdeu mercado: 0,5 p.p. no diesel. Na gasolina, a participação se manteve relativamente estável.

Procuradas, a Brasilcom, a Ipiranga, Raízen e a Vibra preferiram não comentar.

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