Mudança no genoma da cana pode aumentar produção de bioetanol

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Melhorar a produtividade da cana-de-açúcar para aumentar a produção de bioetanol é o objetivo de um projeto desenvolvido no âmbito do RCGI (Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa), da USP (Universidade de São Paulo). O primeiro passo do trabalho, coordenado pelo biólogo Marcos Buckeridge, será sequenciar o genoma da cana em nível cromossômico e obter o mapa de genes da planta.

“O genoma é dividido em cromossomos e os genes que coordenam funções biológicas estão espalhados entre eles. Para entender como o crescimento vegetal é coordenado, é necessário conhecer as posições exatas de cada gene ativado durante o crescimento”, explica Buckeridge, que é professor do IB-USP (Instituto de Biociências) e diretor do INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) do Bioetanol, que é apoiado pela FAPESP.

“A cana produz açúcar apenas uma vez ao ano. Nossa ideia é fazer com que isso aconteça duas vezes ao ano, a exemplo do que ocorre com o milho, que tem a safra principal e a chamada safrinha”, diz Buckeridge.

Trata-se de um grande desafio, segundo o pesquisador. “Ao contrário do ser humano, que possui duas cópias do genoma em cada célula, ou mesmo do trigo, com quatro cópias em cada célula, o genoma da cana-de-açúcar é extremamente complexo por ter entre oito e 12 cópias por célula. Isso acontece porque a planta é um híbrido resultante de uma combinação de duas espécies de gramíneas originárias da China. O híbrido, que chamamos de cana-de-açúcar, vem sendo modificado geneticamente desde o século 16 para se adaptar às condições do local de plantio. É praticamente um Frankenstein. Por esse motivo é difícil descobrir qual parte do genoma é responsável por determinada função.”

No trabalho será utilizado um sistema desenvolvido por um dos integrantes da equipe, Diego Riaño-Pachón, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP). “Ele criou um modelo que será de grande valia para conseguirmos chegar ao sequenciamento do genoma da cana em nível cromossômico”, afirma Buckeridge.

A ideia desse modelo é combinar estratégias de sequenciamentos clássicos com uma moderna técnica de sequenciamento físico (PacBio) que permite obter sequências de grandes fragmentos do DNA da cana. Dessa maneira, será possível sobrepor entre si esses pedaços grandes do DNA e entender onde começam e terminam os cromossomos. “Além disso, outras duas técnicas de sequenciamento poderão ser sobrepostas e, em conjunto, as três técnicas deverão prover uma precisão inédita do genoma da cana”, conta o professor do IB-USP.

De posse do mapeamento genético da cana-de-açúcar, o passo seguinte será observar em conjunto os hormônios e o sistema sensor de açúcares da planta para conseguir entender de que forma acontece o crescimento, bem como a produção de sacarose.

“Graças a uma pesquisa realizada pelo Lafieco [Laboratório de Fisiologia Ecológica de Plantas], em 2018, descobrimos que entre três e seis meses de vida a cana passa a ser uma grande armazenadora de açúcar, sobretudo por causa de um conjunto de genes que são chamados de sistema sensor de açúcares. É durante esse período que o crescimento dispara”, conta Buckeridge. “Agora queremos investigar mais a fundo esse processo para entender como ele acontece. Mas só vamos conseguir fazer isso se também observarmos os hormônios responsáveis pelo sistema de comunicação, que informam a planta de que está na hora de crescer. Essa etapa será feita com a colaboração da professora Eny Floh, do IB-USP.”

Para que essa análise seja possível, o grupo vai lançar mão de uma técnica de edição genética conhecida como CRISPR-Cas9 (sigla para Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas). Trata-se de uma ferramenta desenvolvida pela microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna, que graças ao feito receberam o Prêmio Nobel de Química em 2020.

“Não vamos desenvolver uma planta transgênica, porque a edição elimina a necessidade de inserir genes estranhos à cana-de-açúcar. No caso, basta editar o DNA, em uma espécie de cut and paste [copia e cola] de genes, para alterar regiões selecionadas do genoma e assim ´reengenheirar´ o funcionamento da planta. Uma vez editado o DNA, passamos a selecionar os mutantes desejados, que cresçam mais rápido, acumulem mais açúcares e/ou amoleçam as próprias paredes celulares para tornar a produção da segunda geração do bioetanol mais fácil”, explica Buckeridge.

O aumento da produção de açúcar e também do volume de biomassa da cana (no caso, bagaço e palha) vai possibilitar produzir o chamado etanol de segunda geração, entre outros produtos. “Esse resíduo pode ser fermentado e aumentar em até 40% a produção de etanol no país. Além disso, é possível aproveitar polímeros presentes nas fibras da cana-de-açúcar, a exemplo do betaglucano, que pode ser utilizado em cosméticos antirrugas, como complemento alimentar e também pela indústria farmacêutica por ser um potente antidiabético”, conta Buckeridge.

Ao longo do projeto, os experimentos serão testados com auxílio de modelagem matemática. “Por meio de cálculos com base em dados científicos confiáveis, a modelagem fisiológica acoplada aos dados ambientais utilizando inteligência artificial deverá permitir averiguar como nossos testes feitos em laboratório funcionariam em campo e também de que forma a cana-de-açúcar vai se comportar em ambientes extremos, com estresse hídrico, aumento de temperatura e excesso de gás carbônico, por exemplo”, esclarece Buckeridge.

Novas matérias-primas

Além da cana-de-açúcar, o projeto vai trabalhar com outras duas matérias-primas. Uma delas consiste nas lentilhas d?´água (como a Lemna minor, por exemplo), plantas aquáticas da família das Araceae, a mesma dos lírios e pacovás.

“As lentilhas d?´água são minúsculas e crescem tão rápido quanto a cana. Podem ser usadas para produzir bioetanol, pois produzem biomassa em grande quantidade sem precisar de terra. Para completar, essas plantas combatem a poluição da água, podem ser usadas como complemento alimentar e produzem substâncias que têm potencial para serem utilizadas no desenvolvimento de medicamentos contra a covid-19”, destaca Buckeridge.

A equipe do projeto também vai estudar o resíduo de soja. “No Brasil, ele é produzido em maior quantidade do que o bagaço de cana. Nossa ideia é descobrir novos usos para esse material. Estamos aprendendo rápido sobre como a soja brasileira responde ao elevado dióxido carbônico atmosférico combinado com estresse hídrico e alta temperatura”, relata o pesquisador.

“Já sabemos que há mudanças importantes na composição química. Para a soja, teremos de seguir um caminho similar ao da cana e aprender como a sua composição deverá mudar com as mudanças climáticas globais, de forma a aproveitar ao máximo essa biomassa de grande valor para o Brasil.”

Atualmente, o INCT do Bioetanol é composto por 15 laboratórios. Do projeto do RCGI — um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) apoiado por FAPESP e Shell na USP — participam alguns desses laboratórios: o Lafieco, criado por Buckeridge em 2005, e o Laboratório de Biologia Celular de Plantas (Biocel), ambos situados no IB-USP, além do Laboratório de Genética Molecular de Plantas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o Cena, no campus Piracicaba da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
Fonte: Poder 360

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