No Brasil, diesel precisará de mais de um substituto, aponta estudo

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A campanha de lançamento do primeiro caminhão fabricado no Brasil, em setembro de 1956, recebeu um slogan impensável nos dias de hoje. Para ressaltar o diferencial do produto, a publicidade dizia: “O que é bom já nasce diesel”. O combustível fóssil, que se transformou em vilão da causa ambiental, foi, por mais de seis décadas, a única fonte de energia do transporte de carga no país. Sabe-se que o diesel está com os dias contados. Falta, no entanto, consenso em torno de seu substituto. Um estudo que será lançado hoje indica que, para atingir metas globais de descarbonização em veículos comerciais, o Brasil terá que recorrer a três ou quatro tipos de energia. Todos dependerão, porém, do amparo de políticas públicas.

A indústria de transportes está sob pressão por ser uma das mais poluentes do planeta. Emite 14% de todo o dióxido de carbono, segundo o painel intergovernamental sobre mudanças climáticas (IPCC). É, portanto, um dos setores com mais desafios para atender à meta global de economia livre de carbono até 2050. A maioria dos países desenvolvidos já sinalizou com a eletrificação de caminhões e ônibus e grande parte de seus governos reserva recursos públicos para essa finalidade. O mesmo não acontece, porém, nas economias emergentes. No Brasil, falta o envolvimento do governo num debate que já movimenta organizações, ambientalistas e setor privado.

Desenvolvido exclusivamente para a realidade brasileira pela Bain & Company, consultoria global, o estudo é resultado de uma parceria entre a Rede Brasil do Pacto Global, das Nações Unidas, e a Scania. Tem, ainda, o apoio de BRF, Ipiranga e Unidas. Durante dois meses – outubro e novembro – os pesquisadores se debruçaram no ciclo completo do diesel no transporte, incluindo não apenas caminhões leves e pesados e ônibus rodoviários e urbanos, como outros veículos que prestam serviços, como os de bombeiros e de coleta de lixo.

A conclusão de que, no Brasil, a descarbonização desses tipos de veículos só vai acontecer mediante o uso inteligente de mais de uma fonte de energia foi apresentada ontem a um grupo fechado, composto por 20 presidentes de empresas privadas de diversos setores, como papel e celulose, água e saneamento, energia e agronegócio.

Quatro tecnologias são apontadas pelo trabalho como potenciais para o Brasil se inserir no mapa global da neutralização de gases de efeito estufa até 2050 – biometano, HVO (diesel verde), eletricidade e célula de hidrogênio.

“Não vai dar mais para o Brasil ter um único tipo de tecnologia, como foi com o diesel, que por mais de cem anos servia da camionete do sítio ao caminhão que carrega soja”, afirma Fernando Martins, sócio da Bain & Company e responsável pelo estudo. No mundo, o diesel acompanha os caminhões há 126 anos.

Veículos elétricos tendem a se consagrar em serviços de entregas, em perímetros urbanos. “É difícil pensar num caminhão elétrico viajando de Mato Grosso ao porto de Santos. Por mais que as baterias evoluam e se tornem cada vez mais leves, ainda ocuparão um espaço que poderia ser usado para a carga”, afirma Martins.

Com uso semelhante ao gás natural, o biometano leva a vantagem de poder ser produzido em larga escala por ser obtido de resíduos essencialmente orgânicos. O dono de uma usina de açúcar poderá, por exemplo, afirma Martins, ser o fornecedor do combustível da própria frota. E sem pagar imposto. O biometano já tem sido usado. Mas o uso está, por enquanto, limitado a áreas próximas à produção.

O chamado diesel renovável (HVO) tem potencial por não exigir mudanças nos veículos e na infraestrutura. HVO é a sigla, em inglês, do óleo vegetal hidrotratado. Assim como o biodiesel, é produzido a partir de óleo de girassol, palma ou soja, entre outros. A diferença está nos processos químicos. Já a célula de hidrogênio, já testada em outros países, é vista, no estudo, como alternativa futura. Armazenado no tanque, o hidrogênio reage com o oxigênio e produz eletricidade, que vai para o motor do carro. Do escapamento sai apenas vapor de água.

Todos os caminhos, porém, têm desafios. O uso mais amplo dessas opções tecnológicas depende do desenvolvimento de veículos acessíveis e confiáveis, da ampliação da disponibilidade das fontes de energia e da infraestrutura para distribuição e reabastecimento, aponta o estudo.

A diversificação das tecnologias permite ao país, segundo Martins, não ficar refém de algum produto cujo abastecimento venha a falhar. Embora a geração de eletricidade do país seja limpa, por meio das hidrelétricas, existe a preocupação com os períodos de seca. “Pelos próximos 30 anos, o país precisará continuar a investir em geração, transmissão e distribuição de energia.

O governo brasileiro terá de ser mais ágil e não parar nunca com os leilões”, afirma Martins. Nesse caso, será preciso, ainda, contar com estímulo à inovação tecnológica e interesse do setor empresarial em aumentar os investimentos em energia solar e eólica.

Em relação aos combustíveis produzidos a partir de óleos vegetais, destaca Martins, é preciso cautela também para evitar o perigo do desmatamento na exploração dessas fontes.

O estudo brasileiro foi baseado em um semelhante, que também envolveu a Scania, em 2018, na busca de caminhos para a descarbonização do transporte em países como Suécia, Estados Unidos, China e Alemanha. “O nosso, agora, é uma tropicalização”, destaca o presidente da Scania na América Latina, Christopher Podgorski. Se nada for feito desde já, afirma o executivo, o gasto de energia e aumento de emissões em veículos comerciais tendem a dobrar até 2050, o que tornará o cenário pior.

O estudo voltado ao Brasil prevê também as históricas dificuldades do país para criar legislações voltadas à inspeção veicular e estímulos à renovação de frota. Por isso, o trabalho prevê que o biodiesel continuará sendo usado para abastecer a frota circulante em 2050, que, como acontece hoje, terá caminhões velhos.

A expectativa dos organizadores do trabalho é o envolvimento dos setores público e privado. “O jogo do empurra-empurra não vai funcionar. Quem quiser exportar vai ter que transportar seus produtos em veículos limpos”, destaca o diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, Carlo Pereira. Um dos atributos da organização é envolver as empresas na criação de negócios sustentáveis. “A sociedade está muito atenta”, completa Pereira.

O grande salto, preveem os envolvidos no trabalho, virá com marcos regulatórios e políticas públicas. Sem isso, dizem, o processo será muito mais lento e tende a fracassar no cumprimento das metas. “Temos a tecnologia e sabemos o que precisamos fazer. Mas para que isso aconteça temos que trabalhar em conjunto com governos e outras partes interessadas”, diz Podgorski.

Fonte: Valor Econômico

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