Agência Estado
Roberto Leoncini adora cozinhar, assistir a programas de TV, ler e comprar publicações sobre gastronomia – tem até pós-graduação na área. Porém, a pandemia limitou um de seus prazeres, que é receber os amigos com pratos variados.
Vice-presidente da área de caminhões e ônibus da Mercedes- Benz do Brasil, o paulistano também se ressente por não ter conseguido servir todos os clientes que compraram caminhões da marca em 2021. Ele falou ao Estadão sobre a queda da produção, ônibus elétricos e as metas para 2022.
Para a Mercedes-Benz, como foi o ano de 2021?
O ano passado foi muito complicado para a gente, sobretudo por causa da falta de suprimentos, que comprometeu a produção e impactou as entregas. As vendas foram ótimas, mas nossa participação de mercado caiu de 30% para 27,2%. Com isso, ficamos na segunda posição. Os clientes entenderam a situação e continuaram comprando para receber em 2022. O setor de ônibus é menos complicado, porque envolve menos itens eletrônicos. Nesse caso, terminamos em primeiro lugar com vendas parecidas com as de 2020. Esse setor ainda sofre bastante os efeitos da pandemia e da queda na movimentação de pessoas. Historicamente, nossa participação no Brasil é de cerca de 70% no caso dos urbanos, por exemplo. Seja como for, 2021 também foi um ano de superação. E a nossa rede de concessionários fez de tudo para dar apoio aos clientes.
Quais são as metas para 2022 e o que será feito para chegar lá?
Se a gente olhar os dados do PIB, fica preocupado. Mas existem vários Brasis dentro do Brasil. Eu falo do setor de caminhões, logística, mineração, e-commerce e construção civil, entre outros. A Mercedes utiliza há algum tempo ferramentas como Inteligência Artificial para tentar antecipar esses movimentos. Em 2022, o custo de financiamento vai subir. No caso dos caminhões, os bancos estão saindo do CDC e voltando para o Finame. Por outro lado, há muitas empresas se profissionalizando, abrindo capital e buscando dinheiro lá fora. Por isso, acreditamos que 2022 será melhor do que 2021. Estamos alinhados com a Anfavea. Assim, acreditamos que em 2022 a venda de caminhões vai chegar a 140 mil unidades e a de ônibus, a 19 mil. Porém, tudo depende da capacidade de produção e entrega das montadoras. Mais até do que do custo do financiamento. O cliente continua comprando. O preço do diesel ganhou um peso enorme na estrutura de custos do transportador. Assim, as vendas também vão depender da velocidade com que ele vai conseguir fazer esse repasse. Outro aspecto importante é que o Brasil é o único país onde um caminhão com três anos de uso pode valer até 80% do preço do novo. Se isso for mantido, o cliente se sente estimulado a comprar, pois a diferença é pequena. Com o caminhão novo, ele consegue baixar o custo operacional e aumentar a disponibilidade. Mas se, hipoteticamente, o valor do caminhão com até três anos de uso cair para, digamos, 50% do preço do novo, aí a gente vai ter problema na venda de zero km. Isso porque o alto preço do financiamento inviabilizaria a troca. Enquanto o mercado de novos somou 127 mil vendas em 2021, o de usados movimentou 350 mil, 360 mil unidades.
Em 2021, a marca apresentou um ônibus elétrico no País. Há novidades no segmento de caminhões?
Temos várias soluções dentro do grupo. Na (marca americana) Freightliner, há o Cascadia, na (japonesa) Fuso, o Camper, e na Mercedes, o e-Actros. Mas é preciso entender quando isso vai ser interessante para o cliente do Brasil economicamente e operacionalmente. Estamos atentos e alguns clientes já perguntam a respeito, sobretudo os que têm políticas de ESG. A pergunta é de onde vem a energia que será usada por esse caminhão. Além disso, é preciso adaptar a solução para o mercado local. Porém, creio que a gente deveria dar atenção para a idade da frota, tirar de circulação os caminhões velhos. Estamos aqui falando sobre elétricos, mas há caminhões com 25 anos rodando nas estradas. Eles são ineficientes e inseguros. Por outro lado, o ônibus elétrico é uma realidade no Brasil. Vamos começar a entregar os eO500U (chassi 100% elétrico) neste ano. Eles vão rodar no sistema urbano de São Paulo e em outros países da América Latina.
Quantos foram vendidos e onde eles vão circular?
Não posso revelar volumes e o nome do cliente. Mas posso dizer que é para atender a legislação de São Paulo em relação às emissões. Há cerca de 14 mil ônibus circulando no sistema. O elétrico é uma das soluções, mas haverá outras. Não dá para mudar toda a frota circulante para eletricidade.
O que é preciso fazer para implementar um programa de renovação da frota?
É preciso haver o envolvimento de todos. Não é um projeto apenas para o governo, nem só da indústria ou do transportador. Nos países desenvolvidos, veículos antigos têm de passar por inspeção para comprovar que ainda podem rodar. Aqui, o investimento é na rodovia, na manutenção das estradas. Não há preocupação com logística, com formas de melhorar o escoamento, o acesso aos portos. Então, a renovação de frota é uma parte da solução. Afinal, 68% das mercadorias que circulam no Brasil são transportadas por caminhões. Estou há 32 anos no segmento de caminhões e desde sempre ouço falar da renovação da frota. Há muita conversa, mas pouca efetividade. A discussão é muito rasa.
Que mensagem o sr. mandaria para o Roberto que estava se formando em Engenharia nos anos 1980?
Eu diria para ele manter sempre o alto nível de curiosidade, se cercar de boas pessoas e tentar aprender com a experiência delas. E para ele ficar mais no campo. Sou um cara de campo que foi, gradativamente, sendo catapultado para o escritório. Brinco que sou um ‘líder garçom’. Tento ajudar o time para que ele entregue um bom trabalho. Sempre gostei de gastronomia e fiz até uma pós-graduação na área. Gosto de cozinhar, servir e fazer as coisas para as outras pessoas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.