Nova Cana / Opinião
As últimas movimentações em Brasília indicam que é chegado o momento da importante decisão de flexibilizar a venda direta do etanol, das usinas que o produzem para os postos de abastecimento, sem necessariamente depender apenas da estrutura clássica de distribuição. É um tema que circula com intensidade há mais de dois anos nas instâncias decisórias, agora com apoio e interesse mais visíveis do governo e do parlamento.
Para chegarmos até aqui, muito contribuiu a lógica defendida desde 2016 pelas entidades que representam o setor sucroenergético no Nordeste. Argumentos que mostram que a venda direta favorece consumidores e produtores, amplia a sinergia positiva na cadeia do etanol e reduz a distância entre seus elos.
Três eixos dão forte sustentação à venda direta: econômico, social e ambiental. A comercialização direta vai reduzir custos com fretes, garantindo maior rapidez no fornecimento de etanol. Importante ressaltar que, logicamente, não haverá descontinuidade na arrecadação tributária. As usinas seguem como grandes contribuintes da União e dos estados.
Ainda, mecanismos contratuais que regem a comercialização terão que ser revistos para eliminar o chamado embandeiramento, que desde 2008 obriga postos que integram redes a adquirir etanol apenas das respectivas distribuidoras que cedem suas marcas, criando-se uma fidelização comercial patrocinada pelas regulações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Isto deixa apenas os postos chamados de bandeira branca disponíveis para a venda direta, impedindo que ela produza os benefícios que tem amplo potencial para viabilizar.
Os níveis alarmantes que o desemprego vem atingindo não deixam qualquer dúvida sobre a importância de se proteger o impacto social da cana, setor que emprega diretamente mais de 700 mil pessoas, mais de um terço delas no Nordeste. Não há bons argumentos para bloquear avanços que desburocratizam e agilizam a distribuição, ao mesmo tempo que ajudam a garantir estabilidade para essa mão de obra. A equação é límpida e não deveria sofrer tantos óbices, que só prejudicam o desenvolvimento socioeconômico e regional do país.
Na dimensão ambiental, a venda direta vai contribuir para reduzir de forma significativa a quilometragem percorrida por caminhões que transportam o combustível renovável, das usinas aos centros de distribuição e de lá aos postos. É o que muitos no setor sucroenergético chamam de ‘passeio’ do etanol, algo sem sentido. Reduzir estas idas e vindas favorece ainda mais os produtores no contexto do RenovaBio, um dos maiores programas de descarbonização do setor de transportes em todo o mundo.
O Brasil não pode descuidar do seu protagonismo no combate às mudanças climáticas. A venda direta vai contribuir de forma significativa para a já acentuada redução das emissões de CO2, proporcionada pela produção e utilização do etanol, que poderá chegar a cerca de 31 bilhões de litros na safra 2021/22. É uma contribuição indispensável para que o país cumpra os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris.
A NovaBio, entidade que congrega 35 usinas em 11 estados de três regiões do Brasil, com impactos socioeconômicos em mais de 240 municípios, mantém diálogo permanente com o executivo e o legislativo, especialmente com a Câmara Federal, presidida pelo deputado Arthur Lira – eleito por Alagoas, maior estado produtor de etanol da região.
Caminhamos na luta para a revogação de obstáculos regulatórios, sem perda de segurança nas suas finalidades, diante de uma sólida regulamentação, mais segura e disruptiva, que de fato evite desvios da tese principal e dos ganhos que vai proporcionar.
Em 2022, ano em que o Brasil celebra seu bicentenário como nação independente, a cana-de-açúcar, uma das riquezas mais contemporâneas e sustentáveis do país, terá ultrapassado 500 anos de cultivo. É hoje diversificada em biocombustível, energia elétrica, álcool industrial, bioembalagens e outros tantos derivados e usos. Esta preciosa matéria prima caminha para se emancipar de qualquer tutela, evoluindo definitivamente para uma nova era. Neste ciclo promissor, com a venda direta do hidratado aliada a avanços tecnológicos, o seu consumo tende a se tornar ainda mais competitivo em preço além de qualidade, o que tem se tornado cada vez mais evidente na mensuração dos impactos no meio-ambiente.
Os historiadores registram que, em 1519, quando o Brasil tinha apenas dezenove anos de idade, surgiram na alfândega de Lisboa remessas de açúcar produzido em Pernambuco. Na marcha dos séculos, a cana mostrou a sua força transformadora com destaque para o etanol, uma inovação brasileira em linha com o esforço global para mitigar as mudanças climáticas e reduzir a dependência do petróleo e seus derivados minerais. O Nordeste se orgulha de ter iniciado e seguir contribuindo nessa desafiadora jornada.
* Renato Cunha é presidente da Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio), do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado do Pernambuco (Sindaçucar-PE) e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe)