Valor Econômico
A interferência do governo nos preços praticados pela Petrobras nas suas refinarias é, infelizmente, algo tradicional no Brasil. Durante muitos anos foi um importante ingrediente de políticas anti-inflacionárias baseadas em controle de preços administrados pelo governo que hoje, mais de um quarto de século depois do real, parecem jurássicas. No início, havia compensações à empresa através de conta especial mas, no governo do PT, foi administrada sem anestesia, causando gigantesco prejuízo aos acionistas e ações legais contra a empresa.
E num país onde a demanda por álcool e gasolina estão diretamente correlacionadas pela fácil substituição entre combustíveis, a interferência arbitrária reduzindo o preço da gasolina, que determina diretamente o preço do etanol no Brasil, teve ainda impacto devastador sobre o setor sucroalcooleiro. Ou seja, é uma política a ser evitada.
Submetendo-se a controle de preços a Petrobras teria de adiar a venda das refinarias, o que seria um completo desastre
No governo Temer, a ameaça de nova intervenção do governo foi afastada pelo compromisso explícito com o alinhamento dos preços pagos à Petrobras à paridade internacional, necessária para defender a então delicadíssima posição financeira da companhia. Mas esta política foi posta em xeque em maio de 2018 quando, como agora, uma combinação perversa de aumento dos preços de petróleo e câmbio levou a um salto do preço do diesel em reais, deflagrando uma violenta greve de caminhoneiros.
A crise de 2018 foi um prelúdio da crise atual. A enorme pressão sobre o governo causada pela politização da greve em meio ao processo sucessório provocou a demissão sumária de um competente presidente que sinalizou, como agora, a possibilidade de nova interferência nos preços. Mas, felizmente, prevaleceu o bom senso e achou-se então uma solução de compromisso, através de um subsídio temporário ao diesel, mantendo-se a autonomia da Petrobras na condução de uma correta política de preços.
No início do governo Bolsonaro, a indicação de um novo presidente da Petrobras que declarou-se publicamente contrário a intervenções do governo nos preços e manteve em linhas gerais a política de seu predecessor, tranquilizou os mercados. Além disso, a nova administração consolidou compromisso com o Cade de promover aceleradamente a venda de metade da capacidade de refino da empresa. Com isto acabaria o monopólio do refino, que permite o arbítrio da Petrobras na formação dos preços de combustíveis no Brasil. Terminariam, assim, não só práticas da empresa como a equalização nacional de preços, que geram subsídios regionais cruzados, a repressão a importações competitivas e várias outras distorções mas, principalmente e para sempre, a possibilidade de que seu controlador intervenha para definir os preços de combustíveis.
De fato, com a entrada de novos atores no mercado de refino seria impossível ao governo impor o controle de preços através da influência apenas sobre os preços da Petrobras, como feito historicamente. O controle de preços só seria possível através de um tabelamento de preços de todo o setor de refino somado à imposição de um imposto sobre a exportação de combustíveis, para evitar que a fuga ao tabelamento via exportações causasse desabastecimento. A intervenção também inibiria os investimentos dos novos produtores privados e os consequentes aumentos de eficiência que seriam transferidos para o consumidor via menores preços através da competição entre as refinarias. Como tal violência contra a economia de mercado seria hoje difícil no Brasil, o início do processo de venda das refinarias consolidou a expectativa do fim da interferência do governo nos preços.
Entretanto, a nova administração não definiu claramente a regra que usaria para suavizar o choque de flutuações de curto prazo na paridade internacional sobre os preços domésticos e, ao ter que lidar com o repasse da recente combinação perversa de aumentos sincronizados do preço internacional do petróleo com a desvalorização da taxa de câmbio, a Petrobras errou a mão. E, desta vez, o salto nos preços de diesel e gasolina não irritou apenas os caminhoneiros. De acordo com pesquisa de opinião divulgada em fins de fevereiro, cerca de 60% da população é favorável a algum controle de preços, proporção que sobe para 74% ente os que aprovam o governo.
A dimensão política do problema revelada por esses dados e seu potencial impacto sobre a já decrescente popularidade do governo está na raiz da reação do presidente Bolsonaro ao afastar, com grande alarde, o presidente da empresa que, para os investidores, era o garantidor da não interferência. Essa reação precipitada, além de derrubar instantaneamente o preço das ações da Petrobras, levou à demissão de vários Conselheiros e colocou a empresa em um beco sem saída: submetendo-se ao controle de preços ela terá que adiar sine die o processo de venda das refinarias. Isso seria um completo desastre para a empresa, pois esse desinvestimento vai ajudar a reduzir sua dívida líquida e permitir a concentração de sua capacidade gerencial e financeira no aumento da exploração e produção de petróleo – negócio de alta margem e importância estratégica para o país.
A saída para evitar um grande dano à Petrobras pode e deve ser dada pelo próprio governo, seu maior acionista e quem gerou as atuais incertezas. Depois de promover rapidamente uma recomposição de qualidade de seu Conselho de Administração, o governo deve agora deixar claro de uma vez por todas que a resposta política ao descontentamento dos consumidores não é algo que deva ser resolvido passando a conta do aumento do preço do petróleo – que a empresa não controla – para os seus acionistas.
Para resolver definitivamente esse imbroglio, com ganhos de longo prazo para os consumidores, o governo deve simplesmente manter o compromisso com o fim do monopólio do refino e, se realmente desejado pela sociedade, criar um subsídio compensatório explícito e tecnicamente bem desenhado. E para isto não precisa reinventar a roda. Só precisa ver de onde o Brasil vai tirar o dinheiro nessa época de vacas magras para andar na contramão da tendência global de desestimular o uso de combustíveis fósseis.