Valor Econômico
Ao mesmo tempo em que precisa resolver grandes desafios do futuro, voltados ao carro elétrico, a indústria automobilística tem que lidar com problemas do passado. A escassez de componentes durante a pandemia colocou à prova o histórico e eficiente sistema de produção sem estoque, uma marca registrada desse setor. Carlos Tavares, presidente mundial da Stellantis, disse ontem que o problema da falta de semicondutores não terminará no primeiro semestre, como muitos creem. Vai durar o ano todo.
O executivo culpou os fornecedores do “primeiro nível” – grandes empresas de peças, que fornecem diretamente às montadoras – pelo problema. Essas empresas, na maioria dos casos, compram os chips para colocar nos conjuntos de peças entregues aos fabricantes dos veículos.
Segundo ele, os “primeiros sinais” de que a indústria automobilística seria afetada começaram a aparecer em outubro. “Se tivéssemos sido avisados naquele momento tomaríamos algumas decisões, como antecipação dos estoques”, destacou.
As montadoras disputam esses chips com a indústria de eletrônicos e celulares. Com a pandemia e a paralisação das linhas de veículos, os fabricantes dos semicondutores, concentrados na Ásia, passaram a atender preferencialmente os clientes que não pararam de produzir. Tavares disse que o problema “deixará lições”.
O executivo encerrou ontem à tarde uma visita de três dias ao Brasil. Foi a primeira vez que veio ao país desde que assumiu o comando da Stellantis, empresa formada em janeiro a partir da fusão de Fiat, Chrysler, Peugeot e Citroën.
Tavares, um executivo português, era do grupo francês PSA Peugeot Citroën. Ele veio ao Brasil visitar as fábricas do lado que não conhecia – a que pertencia à Fiat, em Betim (MG), e a da Jeep Chrysler, em Goiana (PE). Pernambuco foi a parada final antes da viagem de regresso à Europa. De Goiana, ele concedeu entrevista, por vídeo, a um grupo de jornalistas brasileiros.
O fato de ser um dos executivos mais respeitados do setor automotivo lhe permitiria ter encontros relâmpago com a imprensa e limitar a conversa a respostas suscintas, como fazem tantos outros. Tavares, no entanto, faz questão do detalhamento, de ouvir com atenção e não deixar nenhuma questão vaga.
O entusiasma especialmente falar sobre carros elétricos e do desafio da indústria e governos de tornar o produto acessível. Para ele, o maior dilema do setor, hoje, é encontrar meios de evitar que o modelo elétrico se torne um produto de elite.
Segundo ele, a meta é conseguir um produto ambientalmente correto que possa ser comprado por todas as classes que consomem veículos a combustão. “Se os preços forem altos não haverá ganho algum para o meio ambiente porque a classe média não poderá adquiri-los”, destacou.
O executivo criticou a rigidez das regras impostas pelas União Europeia para que a indústria produza veículos cada vez menos poluentes. E disse esperar “uma qualidade melhor de diálogo” quando o tema chegar à América Latina.
Ele também queixou-se da pressão nos preços do aço. Disse que a indústria terá que buscar formas de compensar a elevação de preços para não ter que repassar o custo ao consumidor.
Tavares disse que não é intenção da companhia fechar nenhuma fábrica brasileira. Além das duas que ele visitou ontem, o grupo tem uma operação em Porto Real (RJ), que hoje produz veículos Peugeot e Citroën.
A partir da fusão, as fábricas deixam também de ser exclusivas para carros das marcas que antes representavam. Com plataformas comuns, poderão ter linhas de qualquer uma das quatro marcas.