(Reuters) – Como forma de atender a mistura obrigatória de biodiesel no diesel em momento de escassez de soja, a indústria brasileira deverá contar com importações do óleo vegetal derivado da commodity, que tinham disparado mais de 500% em outubro, antes mesmo do aval do governo para uso da matéria-prima importada na fabricação do biocombustível.
A autorização, publicada nesta quarta-feira pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, deve manter firmes as importações de óleo de soja, porque o setor precisa do produto para participar do leilão de dezembro, que vai ofertar biodiesel para o primeiro bimestre de 2021, indicou a associação de produtores Ubrabio.
Quando a safra de soja brasileira começar a ser colhida, em janeiro, a expectativa é de que importações, em tese, percam o interesse, já que a oferta interna deve aumentar fortemente.
“Diante do momento que estamos vivendo, o que deve ocorrer de fato é importação de óleo porque a importação de grão iria requerer processamento interno, o que demandaria mais tempo”, disse a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), ao ser questionada pela Reuters.
As importações brasileiras de óleo de soja, que respondem por cerca de 70% da matéria-prima do biodiesel, já haviam disparado para 67,3 mil toneladas em outubro, ante 10,6 mil toneladas no mesmo período do ano passado.
Esses desembarques do mês anterior elevaram o total importado pelo país no acumulado do ano para 104,2 mil toneladas de óleo de soja, versus menos de 30 mil toneladas no mesmo período de 2019, com a Argentina e o Paraguai respondendo pela maior parte da oferta importada em 2020, com 81,3 mil e 22,8 mil toneladas, respectivamente, segundo dados do governo.
“Não estamos falando de importação de biodiesel, e sim de produção de biodiesel com matéria-prima importada”, disse o secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, José Mauro Coelho, citado em nota da Ubrabio.
Além do aumento das importação do óleo vegetal, o Brasil já importou de janeiro a outubro 625,5 mil toneladas de soja, com países do Mercosul dominando a oferta –o Paraguai fornecendo 589 mil toneladas, seguido pelo Uruguai (36,3 mil tonelada). O volume total se compara a apenas 125 mil toneladas no mesmo período do ano passado, quando havia mais soja disponível a esta altura.
O uso do produto importado, antes vetado para garantir mercado à soja brasileira e pelas externalidades sociais do programa de biodiesel, ocorrerá após o Brasil ter exportado grandes volumes em meses anteriores, com embarques concentrados que reduziram a volumes mínimos os estoques antes mesmo do final do ano.
Considerando as exportações de soja programadas até novembro, elas já somam 82,2 milhões de toneladas, versus 69,9 milhões no mesmo período do ano passado, segundo Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), com a forte demanda da China e o câmbio estimulando embarques.
MAIS COMPETITIVIDADE
Para a Ubrabio, entidade que representa produtores responsáveis por cerca de 40% da oferta do biocombustível no país e que defendeu anteriormente a medida, a liberação de matéria-prima importada irá aumentar a competição e contribuir de forma concreta para reduzir os preços, uma queixa do setor de distribuição de combustíveis, que precisa comprar o biocombustível e chegou a defender mesmo a importação de biodiesel.
A Ubrabio apontou ainda que a autorização para uso de matéria-prima importada deverá permitir o cumprimento do mandato de 12% de biodiesel no diesel no próximo leilão, após a mistura ter sido reduzida temporariamente recentemente.
“O Brasil já está importando soja, esta liberação para o uso na produção de biodiesel vai ajudar a ajustar um desequilíbrio que deve se estender até o início do ano que vem com o atraso na colheita de soja que deveria acontecer em janeiro”, disse em nota o diretor superintendente da Ubrabio, Donizete Tokarski.
DIVERGÊNCIA
A decisão do governo, da forma com que foi colocada, não é unânime no setor.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a medida não é clara sobre prazos e gera incertezas.
“A publicação da resolução da forma como está, no entanto, sem trazer uma especificação de data, volume e prazo limites para a realização da importação, implica mudança de regras que geram instabilidades desnecessárias, prejudicando a previsibilidade e a segurança dos investimentos”, disse a Abiove em nota.
Para a associação, que representa tradings e processadores, a liberação do uso de matérias-primas importadas para produção de biodiesel “deve ser urgente e adequadamente restrita ao (leilão) L77 para não colocar em risco o desenvolvimento de longo prazo do setor”.
De acordo com a Abiove, a medida da maneira que está coloca em risco a industrialização da soja no Brasil, a produção de farelo de soja e o abastecimento da cadeia de proteína animal, com impactos para os consumidores brasileiros.
A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) também trata a liberação da produção de biodiesel com matérias-primas importadas “como uma saída emergencial de curto prazo”.
“Nessa direção, importante que essa liberação tenha prazo determinado de encerramento, já que se trata de um programa que pretende integrar a produção nacional de matéria-prima, além de ter impacto sobre a inclusão social e produtiva dos agricultores familiares dentro do arranjo do Selo Biocombustível Social”, afirmou.
Com a resolução do governo, a partir de agora, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) definirá o uso de matéria-prima importada nos editais dos leilões. A reguladora não quis comentar o assunto.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não respondeu pedido de comentário.