Fonte: Abegás
A queda do consumo e o risco de aumento da inadimplência também afetam a cadeia de gás natural. Com o caixa pressionado, as distribuidoras estaduais de gás canalizado negociam com a Petrobras novas condições de pagamento pela compra e transporte do insumo, de modo a mitigar o impacto do novo coronavírus na situação de liquidez dessas empresas e possibilitar condições mais favoráveis para os clientes, sobretudo os dos segmento industrial, bancarem a conta de gás.
Informações da Abegás revelam a complexidade da situação. Antes da crise, o mercado não-térmico de gás no Brasil girava em torno de 48 milhões de metros cúbicos por dia (m³/d), com a indústria e o gás natural veicular se destacando como os principais consumidores. Após a adoção das medidas de isolamento social, o volume caiu para 28 milhões de m³/d, segundo o presidente executivo da Abegás, Augusto Salomon. Ou seja, uma queda de 40%.
A título de ilustração, a retração no consumo de gás é superior à verificada no de energia elétrica, que tem sido da ordem de 15%. Diferentemente do setor elétrico, o segmento residencial tem um peso pequeno na demanda total de gás, representando 3,1% das vendas totais das distribuidoras em 2019. Em compensação, o segmento industrial, um dos mais afetados pela atual crise, corresponde a 68,7% do total, excluindo as térmicas desta conta.
O presidente da distribuidora paranaense Compagas, Rafael Lamastra, relata que, além da queda do mercado, as concessionárias já observam um aumento da inadimplência e um crescimento no número dos pedidos de renegociação das condições de pagamento da conta de gás. “Em torno de 25 a 30 clientes nos enviaram uma notificação de força maior ou caso fortuito”, afirmou o executivo. A empresa já vem negociando com os consumidores novas condições de pagamento da sua fatura.
Salomon exemplifica o drama vivido atualmente pelas indústrias ceramistas e vidreira, dois dos principais mercados consumidores de gás no Brasil. O primeiro segmento foi fortemente afetado pelo fechamento das grandes varejistas de materiais de construção, que suspenderam pedidos e congelaram pagamentos. “Tem empresa de vidro que está produzindo e quebrando vidro ao final do processo para não ter que parar o forno. É uma situação muito complicada”, argumentou o executivo.
Diante dos impactos da crise no mercado consumidor e das incertezas sobre sua duração, as distribuidoras, reunidas em torno da Abegás, iniciaram negociação com a Petrobras para adoção de medidas que aliviassem a pressão sobre o caixa do setor. De forma conjunta, as concessionárias apresentaram a declaração de força maior à estatal, que, em devolutiva, aceitou suspender a cláusula de take-or-pay dos seus contratos de gás – essa cláusula estabelece o pagamento por um volume mínimo de gás, mesmo que o insumo não tenha sido consumido.
Outro acerto com a estatal foi o parcelamento da conta de gás a ser paga em abril, referente ao mês de março, em três vezes em um horizonte de 90 dias. “A conta de março está acertada. Agora resta saber como isso vai ficar em abril e maio”, disse Lamastra. Única carregadora de gás do mercado, a Petrobras precisa negociar com as transportadoras, que detêm a operação dos gasodutos, condições flexíveis de pagamento pela movimentação do gás para que isso seja repassado às distribuidoras e, por consequência, aos consumidores finais.
“Para a fatura de março, a Petrobras resolveu assumir a conta, independentemente das negociações com as transportadoras. Para frente, não sabemos como vai ser”, afirmou Salomon. Diante dos desafios para o fechamento de um acordo mais amplo, a Abegás defende que a ANP, que regula o mercado de transporte de gás no País, participe das discussões entre a estatal federal e as transportadoras.
Hoje, o mercado brasileiro possui quatro transportadoras, sendo as mais importantes a NTS, controlada pela canadense Brookfield, a TAG, que tem entre os seus acionistas a gigange Engie e o fundo de pensão canadense CPDQ, e a TBG, controlado pela Petrobras. Os contratos firmados entre a estatal federal e transportadoras possuem a cláusula de ship-or-pay, que estabelece o pagamento por um volume mínimo de gás transportado. Daí a importância da petrolífera de também firmar um acordo com essas empresas na atual crise.
“A solução de curto prazo para o mercado de distribuição de gás passa por aquilo que a Petrobras conseguir. Diferimentos neste momento são importantes porque o mercado de gás parou. E como as distribuidoras arrecadam os recursos do setor por meio das tarifas, se há um problema de liquidez, todo o setor acaba sendo afetado”, avaliou o diretor-executivo da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto. Salomon lembrou que as concessionárias ficam com apenas 17% dos recursos arrecadados na conta de gás. Os outros 83% vão para pagar a produção e o transporte do insumo e os impostos.
Uma terceira proposta em discussão entre as distribuidoras e a Petrobras é antecipar de maio para abril o reajuste no preço do gás, que deve diminuir em torno de 10% com a queda da cotação do petróleo brent, uma das variáveis da fórmula de cálculo do preço do insumo vendido pela estatal às concessionárias. De acordo com Lamastra, a ideia das distribuidoras é repassar imediatamente essa redução para os consumidores, aliviando o valor da conta de gás.
O Broadcast apurou, contudo, que esse pedido encontra resistências dentro da estatal federal. “A Petrobras está se apegando ao que está escrito no contrato, e a antecipação do reajuste não está previsto”, disse uma fonte que preferiu não se identificar. A Abegás argumenta que a estatal já adotou essa medida para outros combustíveis, como o diesel, a gasolina e o GLP (gás de botijão), em meio aos impactos crise do coronavírus para o setor de energia.
Fonte: Broadcast / Ag.Estado