`Tensão entre Executivo e legislativo dificulta reformas’, diz economista

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Fonte: O Globo

O ritmo da economia no fim de 2019, mais lento que o esperado, é um dos elementos que se somam à crise global da epidemia do novo coronavírus (que chegou ao Brasil na semana passada) no rol de fatores que têm levado economistas a reduzir as projeções de crescimento da economia brasileira este ano. Mas outro fator tem ajudado a aumentar essa percepção, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria em entrevista ao GLOBO: a crescente tensão entre Legislativo e Executivo no Brasil, que ameaça a agenda de reformas. Para ela, não é possível descartar que 2020 será o quarto ano seguido de baixo crescimento.

Qual o impacto para a economia da chegada do coronavírus ao Brasil?
O momento é muito delicado. O cenário externo já vinha sendo um limitante para o crescimento aqui, com a menor expansão da economia mundial e a situação difícil da Argentina. Ainda há dificuldade para se ter uma dimensão do problema do coronavírus. No cenário mais tranquilo, tira 0,1 ponto percentual do crescimento mundial, concentrado no primeiro trimestre e no começo do segundo. Se se alastrar para outros países, como estamos vendo, o impacto no Brasil será mais significativo. Tem uma questão doméstica também: o ano passado encerrou com certa frustração da atividade econômica.

Tudo apontava para crescimento mais expressivo no fim do ano. Estimamos alta de 0,5% no quarto trimestre (frente ao terceiro) de 2019, e o nosso número inicial era 0,7%. Uma frustração até difícil de explicar. O mercado de trabalho está melhorando gradualmente, com maior número de vagas formais, há alta de crédito bem expressiva tanto para pessoas físicas quanto jurídicas e o mercado de capitais com crescimento da emissão de debêntures (títulos de dívida), IPO (oferta inicial de ações). Já começamos o ano com carregamento menor (nível menor da produção) do que se previa.
As tensões políticas pioram a situação?
O ano começa com mais tensão do ponto de vista político. A ausência de sintonia entre o Legislativo e o Executivo, para dizer o mínimo, dificulta o andamento da agenda de reformas. Quando se começa a destruir pontes, o andamento da agenda de reformas, que não é uma agenda fácil, fica mais difícil. Há uma confusão dentro do Executivo. Um dia falam que vão enviar o projeto de reforma administrativa. Depois, desistem. Depois, dizem que vão enviar de novo. Ainda tem as reformas fiscais e a tributária, e essa tensão institucional dificulta esse andamento. Nesse sentido, aumenta a percepção de risco, a incerteza. Isso limita a expansão da economia, as decisões de consumo e de investimento.

Junta-se a isso o cenário externo e a performance mais fraca da economia. É um viés negativo para a atividade econômica. O Boletim Focus (pesquisa semanal do Banco Central com bancos e consultorias) começou a mostrar isso. A previsão de crescimento para este ano caiu para 2,2% (era de 2,31% há quatro semanas). Estamos projetando 2,1%. Muito do nosso conservadorismo vinha do ambiente externo e político. Ficou pior ainda com o coronavírus. Devemos ter um movimento (de revisão da projeção do PIB) ligeiro para baixo. Estamos só esperando a divulgação oficial do resultado (do PIB) de 2019 (o IBGE divulga o número na quarta-feira) para fazer o ajuste para baixo. Já vemos instituições fazendo esse movimento de revisar para menos de 2%.
Vão revisar para abaixo de 2%?
Só o efeito do coronavírus, num cenário mais limitado, com o impacto somente no primeiro trimestre, começo de segundo, tiraria 0,15 ponto percentual da nossa projeção (cairia para 1,95%). Num cenário de impacto mais duradouro, tiraria 0,3 ponto percentual, com a projeção caindo para 1,8%.

O efeito político tiraria quanto do PIB?
O fator político é mais difícil de quantificar. Vemos pelo canal da incerteza, com o ano começando pior no âmbito político.

Quanto estão prevendo para o PIB em 2019?
Revisamos para 1,1%. Antes, a previsão era de 1,2%
Teremos este ano o quarto seguido de frustração no crescimento?
Não dá para descartar esse cenário. Os agentes, de forma geral, são muito otimistas no fim do ano em relação ao seguinte. Isso é muito claro desde 2017. Não dá para descartar que o PIB fique próximo de 1,5% este ano e seria uma nova frustração. Não sabemos ainda a magnitude do impacto do coronavírus. Domesticamente, vemos o governo com dificuldade de azeitar a relação com o Congresso, o que também frustra crescimento.

Atrapalha as reformas?
As reformas fiscais têm uma chance boa de caminhar. Conteúdos mais centrais, como a PEC (proposta de emenda constitucional) Emergencial (que prevê gatilhos para reduzir salário e jornada de servidor), a do pacto federativo (que muda a divisão de recursos entre União, estados e municípios) e algo da reforma administrativa podem passar. Na nossa avaliação, são importantes para garantir inclusive o teto de gastos (despesas não podem subir além da inflação). Não tínhamos a reforma tributária no nosso cenário-base. Acho que não sai este ano. No nosso cenário otimista, há só 10% de probabilidade de acontecer uma reforma tributária de fato, com IVA (imposto de valor agregado), completa. Com os impostos estaduais, é pouco provável.

Acredita que alguma mudança nessa área tributária vai sair?
Algo menor como unir os impostos federais pode caber no cenário-base, mas não vai envolver a questão crucial que é o ICMS. Seria uma reforma bem menos ambiciosa, e aí teria uma chance. Uma mais completa é bastante desafiadora pela ausência de coordenação política. O governo não tem forças organizadas no Congresso. Não é trivial, há setores contra a reforma tributária. Com governo fraco, sem mobilização, a negociação é difícil.

E a reforma administrativa?
Há dúvida se será apresentada ou não ao Congresso. Teria até chance de caminhar se não afetar o servidor atual, só os novos entrantes. Os efeitos vão aparecer lá frente, mas é importante para dar sinal para contas públicas. Uma vez azeitada a situação do Congresso, pode caminhar.

Com tanta incerteza, o investimento vai crescer?
Está andando devagarinho, mas andando. Deve fechar 2019 com alta de 3,5%, abaixo do ritmo de 2018, mas mantendo a recuperação que começou em 2018. A parte de máquinas e equipamentos, muito baseada na importação, e a construção civil têm avançado. Mesmo com ambiente turbulento, este último setor já tem fundamentos mais equilibrados, bons números na parte de lançamentos, vendas, estoques de imóveis bem reduzido, em linha com a média histórica, com crescimento expressivo nos lançamentos. A parte de infraestrutura está mais devagar. A agenda do governo está muito lenta, apesar de o anterior ter deixado muita coisa encaminhada. Perderam o ritmo na agenda. Esperamos que a parte de concessões e infraestrutura aconteça este ano, mas só vai bater na atividade econômica em 2021, 2022.
Dólar não para de renovar recordes de alta, isso também limita o crescimento?
Pode ser ligeiramente positivo para a atividade econômica, ao incentivar a exportação dos nossos produtos. A inflação está baixa e, com a economia andando devagar, não tem margem para repassar a alta para os preços. O mundo está muito desafiador, mas o câmbio pode dar uma vantagem e tornar nossos produtos mais competitivos lá fora.

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