Propensão para contaminações desafia a implementação de maior porcentagem de biodiesel no diesel

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O uso de combustíveis sustentáveis é uma demanda global que visa diminuir os impactos ambientais gerados pelas emissões de poluentes e gases de efeito estufa. No Brasil, por exemplo, projetos de lei estão em tramitação no Congresso Nacional para que haja a redução gradativa de combustíveis fósseis a partir de misturas com fontes renováveis. Essa discussão vai impactar a sociedade como um todo, já que as fontes de energia para diversos setores sofrerão mudanças significativas. Ricardo Souza, sócio da consultoria RGF e especialista na área de transporte e logística, acompanha os avanços sobre o assunto e demonstra preocupação sobre a capacidade tecnológica do país em adotar as medidas sugeridas para os “combustíveis do futuro”.

“O projeto busca a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE), o que é muito bom para o país. Ele tenta, também, trazer uma visão de planejamento do setor com a definição de marcos futuros de mistura, permitindo que o setor produtivo se prepare para a mudança a ser implementada. As desvantagens estão na falta de discussão com a cadeia para termos garantias de não precisar de uma mudança de rota ao longo do percurso”, contextualiza.

No caso do biodiesel, o mais utilizado por máquinas agrícolas e veículos de grande porte, recentemente a mistura aumentou para 14% em relação ao diesel mineral. Para Fernando Schlosser, professor da Universidade Federal de Santa Maria e especialista em mecanização agrícola, as futuras mudanças merecem atenção já que podem afetar diretamente o desempenho dos maquinários.

“Do ponto de vista técnico, nossas pesquisas publicadas indicam que não há perda de potência em até 20% de biodiesel, mas há queda a partir de 30%. Quanto ao torque, segue o mesmo comportamento. A perda começa a ocorrer a partir dos 30%”, explica o professor.

Além da capacidade técnica e tecnológica, o fato do biodiesel ser um derivado de origens vegetal e animal também altera sua composição. Com a diminuição de elementos como o enxofre, por exemplo, o combustível fica mais vulnerável para a presença de microrganismos e vetores de contaminação.

“Diversas vezes verificamos acúmulos de um material inerte, semelhante a uma goma ou parafina nos filtros dos motores que testamos, principalmente no campo. Estes resíduos diminuem a vazão, impedindo a alimentação e disparando alarmes no sistema de gerenciamento eletrônico da injeção, colocando as máquinas em modo de segurança e inclusive interrompendo o funcionamento. Recentemente tivemos problemas com um pulverizador autopropelido que acusou falha de motor e ao limpar o filtro de combustível verificamos muito acúmulo de resíduos. Trocado o filtro, o problema foi resolvido. No outro problema recente, com um motor de trator que não funcionava, verificamos muito acúmulo na bomba de baixa pressão, que depois de limpa, resolveu o problema facilmente. Portanto o problema da separação de fases do líquido combustível pode ser um dos principais problemas nas máquinas agrícolas”, diz Schlosser.

Algo semelhante ao relatado pelo professor ocorreu com o produtor rural João Mesquita, de Varginha / MG, que percebeu que havia uma espécie de goma no filtro de decantação de seu trator. Curioso com a anormalidade, o agricultor pesquisou sobre o que estava acontecendo e descobriu que seu equipamento estava contaminado por bactérias presentes no diesel. “Eu utilizo o trator praticamente todos os dias na lavoura, então faço checagens diárias para conferir o equipamento. Assim que eu vi a goma no filtro de decantação, tomei algumas medidas para evitar danos nos bicos de injeção ou nas bombas”, comenta o produtor.

Contaminações como a relatada pelo cafeicultor ocorrem quando há a presença de água no tanque, o que favorece a proliferação de microrganismos. No caso de Mesquita, ele diz que um dos prováveis motivos para o surgimento de bactérias foi a condensação de gotículas entre o fim do dia e o amanhecer, período de tempo em que o trator fica parado e em resfriamento. “O motor do meu equipamento é eletrônico e poderia haver uma queda na eficiência do meu trabalho, além da quebra de peças. No entanto, não tive esses prejuízos pois percebi o problema antes. Como medidas, fiz a pré-limpeza do filtro e utilizei produtos específicos para combater a bactéria. Além disso, comecei a encher o tanque todos os dias para evitar a presença de água”, esclarece.

Como evitar a presença de bactérias no diesel da sua máquina

Apesar das contaminações serem um dos desafios para a implementação de maiores misturas do biodiesel, tanto Schlosser quanto Souza defendem a sua implementação. “Visualizo a indústria de biodiesel como sendo uma das responsáveis pela redução de emissão de GEE no Brasil, com volumes crescentes de produção, quer sejam por ampliação da mistura ou por crescimento de consumo de diesel B (diesel já misturado com biodiesel), contribuindo para um fortalecimento da agroindústria nacional, com geração de empregos e impostos para o país”, acredita Souza. “Se for bom para a economia e para aumentar a lucratividade agrícola, devemos enfrentar estes problemas”, complementa Schlosser.

Para auxiliar o produtor rural durante o processo, ficam algumas recomendações:

Utilização de aditivos e de produtos bactericidas: “Temos usado e recomendado o uso de bactericidas, sempre com o cuidado de que esta substância esteja na dose correta e não altere as características do combustível. Algumas empresas fabricantes de tratores e outras máquinas já têm homologado e indicam o uso de certas substâncias”, orienta o professor Schlosser.

Armazenar corretamente o combustível: “Quanto maior o tempo de armazenagem do biodiesel ao longo da cadeia desde o momento de produção até o momento de uso aumenta a quantidade de microrganismos e a degradação do combustível. Essa degradação do combustível amplia a presença de impurezas no combustível afetando principalmente os equipamentos filtrantes e os bicos injetores. Provocando falhas no motor e em alguns casos provocando uma queima incompleta do combustível o que amplia as emissões. De certa forma atingindo o objetivo contrário ao que se pretende atingir com o uso da mistura de biocombustíveis aos combustíveis fósseis. Como os produtores não tem como controlar o período que o biodiesel ficou armazenado desde a sua produção até o uso dele nas máquinas agrícolas, o que pode ser feito é criar uma rotina de avaliação das máquinas agrícolas mais rigorosa focando principalmente nos equipamentos que são afetados pelas impurezas existentes no combustível misturado”, argumenta Ricardo Souza.

Cuidado constante: “O meu caso só não foi pior por ter percebido o problema a tempo. Desde então fico atento aos sinais e alertas emitidos pelo trator. Também faço uma verificação visual dos componentes e das peças do equipamento. Isso é essencial para evitar gastos com manutenções mais complexas”, aconselha Mesquita.

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