Fonte: Valor Econômico
O consumo de petróleo deve se recuperar do impacto da covid-19 mais lentamente do que se previa, embora o pior da destruição da demanda não pareça tão terrível quanto se temia um mês atrás. A demanda global ficará abaixo dos níveis pré-pandêmicos por todo este ano e seguirá assim até o fim de 2021, segundo previsões de duas importantes agências.
A Agência Internacional de Energia (AIE), a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e o Departamento de Energia dos EUA (DoE) atualizaram recentemente as suas previsões para o mercado de petróleo, sendo que a AIE ampliou seu cenário até o fim de 2021. Seus relatórios são uma leitura deprimente para os produtores que tinham esperanças de uma rápida recuperação da demanda para os níveis em que estava antes de a pandemia levar à maior queda de todos os tempos no consumo de petróleo.
As três projeções concordam que o consumo mundial terá uma queda de 16,6% a 18% no segundo trimestre, em relação a igual período de 2019 – embora esses números estejam sujeitos a revisões por vários meses, à medida que saem mais dados. Esta é a maior queda anual já registrada da demanda de petróleo. Como comparação, durante o pior trimestre da crise financeira de 2008-2009 a queda na demanda foi de apenas 3,4%.
Embora os números sejam muito ruins, a AIE e o DoE estão um pouco menos pessimistas quanto à profundidade da perda de demanda no segundo trimestre do que estavam há um mês. A Opep manteve as estimativas de demanda inalterada em seu último relatório, em relação aos dados que divulgou em maio.
A AIE revisou para cima sua estimativa de sobre a demanda global de petróleo no segundo trimestre em 2,1 milhões de barris por dia, volume que em tempos normais seria considerado enorme. Apesar disso, ainda prevê uma queda anual próxima de 18 milhões de barris/dia. O DoE fez uma revisão semelhante em sua previsão de demanda para o período de abril a junho.
As mudanças refletem, em parte, a rápida recuperação da demanda de petróleo na China. “A robusta saída do país das medidas de quarentena fez a demanda de abril quase voltar aos níveis do ano anterior”, observou a AIE em seu relatório. Mas um novo surto da doença em Pequim mostrou quão rápido esses ganhos podem ser revertidos, com uma queda vertiginosa no uso de veículos nas ruas da cidade devido à reintrodução de medidas de confinamento.
Os novos casos em Pequim, assim como em um frigorífico alemão, e o aumento das taxas de contágio em alguns Estados dos EUA servem todos como alerta de que a volta à normalidade, e com ela a recuperação da demanda de petróleo, não ocorrerá sem sobressaltos. Essas preocupações são evidentes nas últimas previsões, principalmente as da AIE.
Embora em suas estimativas a agência, que tem sede em Paris, tenha reduzido a profundidade da destruição da demanda, ela também reduziu a previsão de recuperação no segundo semestre deste ano. Agora, e AIE considera que a demanda de petróleo ficará abaixo do nível do ano passado em quase 6 milhões de barris por dia no terceiro trimestre – de uma estimativa anterior de queda inferior a 5,5 milhões de barris. Para o quarto trimestre, a AIE prevê uma diferença quase 4 milhões de barris por dia a menos na demanda.
Segundo a sua primeira previsão para 2021, a AIE espera que, no último trimestre do ano, o consumo mundial de petróleo ainda esteja quase 2 milhões de barris por dia abaixo do nível observado em igual período de 2019. O DoE é mais otimista, e sua previsão de demanda para esse período é de apenas 340 mil barris por dia abaixo de sua avaliação atual para o quarto trimestre de 2019.
Os prognósticos para a demanda realçam a necessidade dos cortes na produção introduzidos pelo grupo de países da Opep+. O cumprimento desses cortes em maio foi avaliado em 87% e deve melhorar nos próximos meses, depois que os países que não estão cumprindo a sua parte forem persuadidos a compensar com cortes mais profundos no terceiro trimestre.
Os estoques mundiais de petróleo devem aumentar em cerca de 1,54 bilhão de barris na primeira metade de 2020, segundo a AIE. A previsão do DoE é um pouco inferior, de 1,35 bilhão de barris. Esses estoques excedentes só começarão a ser reduzidos de novo se os produtores mantiverem a disciplina.
Pelas previsões da AIE e do DoE, se o acordo de cortes na produção da Opep+ for cumprido integralmente por seus participantes e a produção fora do grupo não se recuperar junto com a demanda, cerca de 60% do estoque acumulado no primeiro semestre do ano deve se esgotar no segundo semestre. Isso ainda deixaria algo entre 530 milhões e 600 milhões de barris de estoque excedente no início de 2021. O número não está longe dos 730 milhões de barris acumulados em todo o mundo durante os três anos do primeiro boom do xisto, de 2014 a 2016, e que levou à aliança da Opep+, que ainda tentava lidar com esse excedente quando surgiu a pandemia.
As últimas previsões mostram que os produtores não podem relaxar sua vigilância tão cedo, e aos países da Opep+ resta esperar que seus esforços para sustentar os preços do petróleo não sejam tão eficazes que incentivem os produtores de fora do grupo a reabrirem as torneiras que foram obrigados a fechar quando os preços caíram.