Folha de São Paulo
Diante da corrida para a produção de carros elétricos, a indústria automobilística no Brasil vem demonstrando mais otimismo com o cenário para os próximos anos, de acordo com estudos feitos por consultorias que monitoram o segmento.
A Jato Dynamics, que atua em países como Estados Unidos, Brasil e Alemanha, acabou de elevar sua projeção para a participação de eletrificados (elétricos e híbridos) nas vendas do mercado nacional em 2030. À reportagem, o diretor de desenvolvimento de negócios da Jato, Milad Kalume, disse que a expectativa subiu de 12,5%, no começo do ano, para pouco mais de 25% –esse novo resultado será anunciado na próxima semana.
A fatia projetada pela Jato não considera como eletrificados veículos híbridos leves, que usam eletricidade para ajudar a reduzir a queima de combustível nas partidas.
No ano passado, a consultoria havia derrubado a projeção depois que o governo anunciou a volta do imposto de importação sobre veículos elétricos. Kalume diz que o cenário mais otimista agora é reflexo de fatores como a criação de programas como o Mover (Programa de Mobilidade Verde e Inovação) e o avanço da indústria mundial para a eletrificação dos motores
Segundo os dados da Jato, no acumulado de janeiro e fevereiro, a fatia de eletrificados (considerando sedans, hatchs, peruas, SUVs, conversíveis, entre outros, e excluindo comerciais leves) nas vendas brasileiras era de 9,34%.
Em março, o governo federal enviou ao Congresso o projeto de lei que institui o Mover, que cria linha de crédito especial para empresas do setor de mobilidade. Como contrapartida, as companhias terão de investir em pesquisa de tecnologias sustentáveis.
Nesta semana, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma portaria que exige um investimento de pelo menos 1,8% das receitas das montadoras de carros leves que aderirem ao programa em pesquisa e desenvolvimento, a partir de 2029.
Já a Bright Consulting espera que os veículos eletrificados (excluindo híbridos leves) representem quase 26% das vendas de automóveis e comerciais leves no mercado nacional em 2030. A projeção da Bright foi revisada em meados de 2023 após passar por um ligeiro aumento.
A consultoria KPMG perguntou a executivos brasileiros se estavam seguros com o crescimento do setor automobilístico nos próximos cinco anos. Cerca de 42% deles disseram estar extremamente confiantes –essa fatia saltou mais de dez pontos percentuais na comparação com o levantamento do ano anterior.
O resultado brasileiro vai na contramão do que foi observado em outros países, como nos Estados Unidos, onde o indicador caiu cinco pontos percentuais, e na Europa Ocidental, que viu a projeção despencar de 31% para 24% em um ano.
O estudo da KPMG ouviu, no fim do ano passado, pouco mais de 1.000 executivos ao redor do mundo ligados a companhias como montadoras, fabricantes de caminhões, redes de concessionárias e empresas de serviços de tecnologia ligadas ao setor automotivo.
Segundo a consultoria, no geral, os entrevistados estão agora mais realistas e se deparam com a dificuldade de gerenciar a transição energética e preservar ou aumentar os lucros.
“Empresas fizeram grandes apostas na propulsão elétrica e estão cada vez mais preocupadas com os ventos contrários de curto prazo que poderiam adiar o lucro. Embora uma enxurrada de novos modelos de veículos elétricos esteja chegando ao mercado, a demanda enfraqueceu e algumas companhias podem enfrentar pressão extrema à medida que a competição se intensifica”, escreve a KPMG no estudo.
Segundo Ricardo Roa, sócio-líder do setor automotivo da KPMG no Brasil, a China se beneficia com um custo de produção mais barato, enquanto companhias europeias e americanas são forçadas a reduzir suas margens para lidar com os novos concorrentes.
“No ano passado, muitas montadoras tiveram que reduzir preço porque os chineses chegaram com preços competitivos. Isso, automaticamente, reduz lucro”, afirma.
No Brasil, diz Roa, o otimismo reflete uma sensação de retomada da indústria automotiva para os próximos anos com anúncios de programas para fomentar o setor.
Nos últimos meses, várias montadoras instaladas no país divulgaram uma série de aportes, que já ultrapassam R$ 70 bilhões, para a produção de veículos eletrificados e ampliação de fábricas, entre outras medidas.
A Stellantis, por exemplo, prometeu R$ 30 bilhões de investimento entre 2025 e 2030 com foco no desenvolvimento de modelos híbridos flex —capazes de rodar com eletricidade, etanol e gasolina.
Antes, um anúncio de investimentos de R$ 11 bilhões da Toyota causou uma disputa entre o governo federal e a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Como mostrou a coluna Painel, o governo Lula tentou faturar politicamente o investimento da montadora japonesa, o que desagradou o governador de São Paulo.
Além de Stellantis e Toyota, novos investimentos incluem Hyundai, Volkswagen e General Motors.