O Estado de São Paulo
Diante da crescente preocupação do governo Lula com a alta no preço dos alimentos, auxiliares do presidente buscam informações que ajudem a explicar os motivos que levaram o óleo de soja a escalar quase 30% no ano passado. Querem saber ainda se o aumento da produção de etanol pode estar influenciando os preços do milho.
Em entrevista na semana passada, Lula reclamou que o preço do litro do óleo de soja tinha chegado a R$ 4 quando ele chegou à Presidência e que, agora, estava perto de R$ 10. “Eu quero saber se a soja para o biodiesel está criando problema; quero saber se o milho para o etanol está criando problema. Só posso saber disso se chamar os empresários da área para conversar, ao invés de ficar falando da coisa sem ter conhecimento”, disse o presidente.
Representantes empresariais relataram ao Estadão que estão respondendo a pedidos de informação enviados por emissários de Lula. Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.
“Passei informações ao Ministério de Minas e Energia e ao BNDES, que está investindo em usinas de etanol de milho. Levantamos dados mostrando o que está acontecendo no mercado internacional, o aumento da área plantada e a contribuição do etanol de milho para a segurança alimentar e para a segurança energética”, disse Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).
Os produtores de óleo de soja também foram contatados. Os dois segmentos estão reunindo informações para mostrar, via Frente Parlamentar do Agronegócio, que o aumento da oferta de biocombustíveis não tem culpa na alta dos preços dos alimentos.
O motivo de preocupação dos auxiliares de Lula é que a mistura dos biocombustíveis aos combustíveis de origem fóssil vai subir em abril. No caso do biodiesel adicionado ao diesel, o porcentual subirá de 14% para 15%, em um cronograma que foi acelerado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O biodiesel é majoritariamente fabricado com óleo de soja, mas também tem sebo bovino em sua composição. Os dois tipos de óleo subiram em 2024. Até 2030, a fração do biodiesel deve chegar a 20% e, depois disso, poderá subir a 25%, de acordo com o projeto do Combustível do Futuro, aprovado no ano passado no Congresso e sancionado com o apoio de Lula.
No caso do etanol misturado à gasolina, a fração deverá subir de 27,5% para 30% neste ano – a decisão dependerá de estudos de desempenho de motores que estão em andamento. No futuro, a mistura deverá alcançar 35%.
Embora a maior parte do etanol seja feito da cana, é crescente a produção de etanol de milho no País – desde 2017, a área plantada de milho no Centro-Oeste aumentou 50% e o volume cresceu em 10 milhões de toneladas, segundo a Unem.
O presidente Lula já disse mais de uma vez estar preocupado com a alta do preço dos alimentos – o que vem pesando sobre a sua popularidade, segundo pesquisa divulgada pela Quaest na semana passada. Oito em cada dez entrevistados disseram ter percebido o aumento nos preços da alimentação no último mês.
No ano passado, no segundo semestre, os preços da soja e do óleo de soja no Brasil ficaram acima dos praticados no exterior. A discrepância disparou em setembro e só passou a dar trégua em meados de janeiro deste ano, com a perspectiva de entrada da nova safra no Brasil. Isso não havia ocorrido desde o início do atual mandato de Lula, em janeiro de 2023.
Explicações do setor
As informações repassadas pelo setor privado ao governo é de que os preços mais altos da soja e do óleo de soja no Brasil têm mais relação com o dólar e com a quebra da safra anterior (2023/2024) do que com os biocombustíveis. O primeiro fator eleva o estímulo à exportação, e o segundo cria um cenário interno de menor oferta para o esmagamento para a produção de óleo, o que impacta os preços.
José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro Consultoria, cita os mesmos fatores e adiciona um terceiro. Na safra passada, talvez antevendo problemas comerciais com os Estados Unidos sob Donald Trump, a China ampliou a compra de soja do Brasil em cerca de 10%. O volume vendido para compradores chineses subiu de 66 milhões de toneladas para 79 milhões de toneladas. Já dos Estados Unidos, a China reduziu as compras de soja de 32 milhões de toneladas para 24 milhões de toneladas.
“A safra vai ser maior neste ano, a projeção é de uma safra recorde, o que fará com que os prêmios caiam e fiquem negativos, como ocorre todo ano. Agora, o quanto vão cair e ficar negativos neste ano dependerá do efeito Trump”, diz Hausknecht.
Produtores de óleo de soja relataram ao governo que o preço do óleo refinado caiu 3% na semana passada no atacado e a tendência é que siga em queda, em razão de um dólar mais baixo neste ano do que o verificado no fim do ano passado, acima de R$ 6,30, e do início da safra.
Hoje, produtores afirmam que a capacidade produtiva instalada consegue suprir a demanda por óleo de soja para a produção de biodiesel. No entanto, a previsão é de que a mistura prevista no projeto do Combustível do Futuro fará dobrar a necessidade de esmagamento de soja nos próximos dez anos – o que demandará investimentos e financiamento via BNDES para a construção de unidades produtivas.
Além do biodiesel, o óleo de soja deverá ser usado na produção de SAF (combustível para aviação) e no HVO (diesel verde).
No caso do etanol de milho, Guilherme Nolasco afirma que o aumento da produção do grão para o etanol ocorre em áreas já plantadas de soja, no que se convencionou chamar de “segunda safra” brasileira, feita logo após a colheita da soja. Apenas 15% da produção de milho do País vira etanol.
Ele afirma que, além de aumentar a produtividade da soja, o plantio de milho e seu esmagamento para a fabricação de etanol também vêm contribuindo para ampliar a oferta de farelo para ração animal, principalmente de bovinos, o que pode ajudar no preço da carne.
“A produção de etanol de milho não é concorrente e não tem nada a ver com o preço dos alimentos”, afirma Nolasco. “Nosso desafio é mostrar ao mundo hoje que podemos produzir muitas coisas ao mesmo tempo, sem substituir uma cultura por outra e sem avançar sobre áreas não produtoras. É um sistema diferente de produção e de uso do solo”.
‘Prudente e comedido’
O empresário afirma que Lula foi comedido ao fazer o comentário, ao sublinhar que pretende chamar empresários para entender o que está ocorrendo.
“Ele foi prudente e comedido, não fez uma declaração com opinião formada. Foi responsável de dizer que precisa entender isso melhor; presidente não tem obrigação de entender tudo”, afirmou.