Forte no Sudeste e Centro-Oeste, etanol enfrenta barreiras para avançar no restante do país

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Folha de São Paulo

Apesar de a maioria dos veículos leves vendidos no país ser flex —85%—, o etanol está longe de ser o preferido pelos motoristas no momento de abastecer nos postos de combustíveis. Isso acontece por uma série de fatores, mas principalmente pelo preço praticado em alguns estados, onde o litro do combustível derivado da cana-de-açúcar chega a representar mais de 90% do valor da gasolina.

Somente 30% dessa frota utilizou etanol em janeiro no Brasil, segundo estudo da consultoria Datagro, índice abaixo do recorde de 41,5% de 2018, ainda assim considerado aquém do potencial do combustível, ambientalmente mais sustentável que a gasolina.

O combustível não foi competitivo em fevereiro em 11 das 27 Unidades da Federação, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país, devido a fatores logísticos, agrícolas e tributários.

Historicamente, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal respondem por mais de 85% das vendas, por concentrarem as usinas de moagem da cana ou por terem alíquotas de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) mais atrativas.

“Quando o [vice-presidente, Geraldo] Alckmin, no governo paulista, reduziu o ICMS do etanol [de 25% para 12%, em 2003], foi para beneficiar o estado, não o setor, já que a sonegação diminuiu e a arrecadação cresceu. Reduzir impostos não significa abrir mão de receita”, disse o empresário Maurilio Biagi Filho, presidente da Maubisa e uma das referências históricas do setor sucroenergético.

Essa fórmula, de maneira geral, foi seguida por outros estados que figuram no ranking dos principais consumidores, segundo Luciano Rodrigues, diretor de inteligência setorial da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia).

“São estados que têm algum tipo de política tributária que diferencia o etanol do seu combustível fóssil. Esse é um ponto fundamental”, disse.

Abastecer com etanol foi vantajoso no último mês em todos os estados do Sudeste e do Centro-Oeste. No Sul, somente no Paraná, enquanto Norte e Nordeste ficam divididos.

Na região Norte, financeiramente foi melhor para o motorista utilizar etanol em três dos sete estados (Acre, Amazonas e Tocantins), enquanto no Nordeste ele foi mais barato em quatro dos nove estados (Alagoas, Bahia, Paraíba e Sergipe).

Apesar de o consumo de etanol estar forte, outros problemas apontados para o combustível deslanchar são o costume do consumidor e a atual política de preço da gasolina praticada pela Petrobras, que mantém o valor abaixo do internacional.

Sem mexer nos preços dos combustíveis neste ano, a Petrobras vem operando com defasagens em relação ao mercado externo. A falta de reajustes coincide com a elevação dos impostos sobre gasolina e diesel no país.

“O preço de paridade internacional, que é o preço de paridade do petróleo, está defasado e faz também com que o etanol não consiga ser competitivo perante a gasolina. Atualmente nós temos cerca de 17% de defasagem do preço com o mercado internacional. Esse é um outro ponto também que impacta bastante a competitividade do etanol”, disse José Guilherme Nogueira, CEO da Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil).

Segundo ele, que concorda com Biagi Filho, reduzir ICMS não representa arrecadar menos e as questões tributárias são um pleito antigo do setor. Diz ainda que a redução que ocorreu em Minas —que chegou a ter índice de 9%—, resultou em forte crescimento do consumo no mercado mineiro.

O diretor da Unica afirmou que a concentração no consumo de etanol já diminuiu nos últimos 15 anos, quando ganhou mercado no Centro-Oeste, e que o combustível produzido a partir do milho, hoje responsável por 20% da produção, trouxe uma dinâmica adicional.

“A gente passou também a produzir milho fora das regiões tradicionais […] A única restrição é não poder desmatar, que é um compromisso que a indústria assumiu.” Segundo dados da entidade, o fato de existir etanol no mercado nacional permitiu que o consumidor economizasse R$ 7 bilhões com combustíveis no ano passado.

Rodrigues afirmou que —apesar do sucesso da redução de ICMS— um novo impulso para reduzir a concentração do consumo e estimular o uso do etanol em estados não produtores de cana pode vir com mudanças tributárias em discussão no país.

“No processo de discussão de reforma tributária temos um dispositivo que diz que os biocombustíveis têm que ter diferencial tributário em relação aos combustíveis fósseis que eles substituem, por conta desse elemento ambiental”

Segundo ele, entre outras mudanças, está previsto que o estado de destino do combustível fique com todo o ICMS, que hoje é dividido entre os estados de origem e de destino. “Esse elemento de diferenciação entre os estados vai estar menos presente e essa disparidade de consumo entre os estados vai diminuir.”

MILHO NO TANQUE

A presença do etanol de milho, crescente nos últimos anos, deve ser ainda mais intensa com negócios que têm surgido.

Os grupos Mafra e CMAA anunciaram nesta semana um investimento de R$ 2 bilhões numa refinaria para a produção de etanol de milho no Pará, a partir da safrinha do próximo ano, com o objetivo de alavancar o consumo regional de etanol.

No estado, o etanol custou, em fevereiro, 72,78% do valor da gasolina —acima do patamar em que é vantajoso.

Para isso, foi criada a joint venture Grão Pará Bioenergia para a construção da refinaria de biocombustíveis em Redenção, no sudeste do estado. Do investimento total, R$ 600 milhões serão alocados neste ano e, o restante, até 2029.

O grupo Mafra está no Pará há 20 anos com agricultura e pecuária, enquanto o CMAA atua no setor sucroenergético, com três usinas em Minas Gerais.

Um comunicado dos investidores informa que, como se trata de um investimento sustentável, “será positivo para o Pará como um todo, além de ser muito atrativo para diversos mercados”. A indústria demandará 1,5 milhão de toneladas de milho por ano.

Segundo boletim de acompanhamento de safra publicado nesta quarta (27) pela Unica, a produção de etanol de milho na atual safra atingiu 5,96 bilhões de litros na região centro-sul do país, alta de 40,89% em comparação com o mesmo período da safra anterior.

Apesar de o álcool não apresentar vantagem ao consumidor em parte do país, Biagi Filho disse que essa questão é relativa.

“Todo mundo que abastece com gasolina, na prática, usa 27,5% de etanol que é misturado a ela, índice que deve subir para 30%. Então o etanol é usado por todos os carros no país”, disse.

Conforme o diretor da Unica, o etanol de milho tem a vantagem de permitir a produção em locais onde a cana não se sairia bem, como regiões quentes e úmidas o ano todo.

ROMPER MITOS

Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, afirmou que, fora as questões logísticas, agrícolas e tributárias, crônicas do setor, também é preciso quebrar a barreira de costumes do consumidor, abastecendo-o com mais informações.

“Tem motorista que ainda acha que a cada X abastecimentos com etanol precisa obrigatoriamente usar gasolina, mas isso não existe”, afirmou.

Ele disse que a produção deverá crescer no país com a “semente” de cana em desenvolvimento pelo CTC (Centro de Tecnologia Canavieira). A técnica é vista como uma revolução no plantio devido a uma combinação que inclui ganhos com o material biológico em formato similiar ao de “sementes”, aumento de áreas com a não necessidade de uso das mesmas para a produção de mudas e o crescimento médio de 3% na produtividade registrado nas últimas safras.

“Já foi estancado o movimento de área de cana ir para grãos, mas uma coisa disruptiva que deve acontecer é a semente de cana. Novas técnicas de multiplicação devem aumentar a produtividade agrícola e gerar um salto. Em vez de 5,5 anos, o tempo de renovação dos canaviais vai cair para 4,8, 4,5 anos. Vai ajudar a aliviar a pressão inclusive por valor de arrendamento de terra”, disse.

De acordo com a Datagro e a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), os modelos bicombustíveis representam atualmente 85% da frota de veículos leves circulante no Brasil. O índice atual dos que consomem etanol, 30% em janeiro, chegou a ser de 19,4% no mesmo mês do ano passado, o que o setor vê como uma alta considerável —mas apontam que o potencial poderia ser de pelo menos 50%.

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