Fonte: Financial Times / novaCana.com
Por Heitor Cantarella*
No esforço de atingir as metas instituídas por meio do Acordo de Paris, que buscam reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 43% até 2030, o presidente Michel Temer aprovou uma nova política de biocombustíveis.
A lei do RenovaBio, que foi sancionada em dezembro de 2017, visa estimular a produção de biocombustíveis – como o etanol, o biodiesel e o biogás – por meio de metas setoriais e, consequentemente, gerar uma redução das emissões.
É uma boa notícia para as indústrias de cana-de-açúcar produtoras de etanol, que possuem um produto que compete com a gasolina: é estimado que um quinto de todas as usinas na região Centro-Sul do Brasil tenham fechado as portas desde 2010. Com o programa, a expectativa é que a empregabilidade aumente e que os investimentos cheguem a US$ 500 bilhões (mais de R$ 1,5 trilhão).
Mas, à medida em que o mercado se prepara para o aumento da demanda, como é possível garantir a viabilidade a longo prazo dos biocombustíveis como uma fonte de energia alternativa?
Para fazer a transição dos combustíveis fósseis para os biocombustíveis é necessário um movimento firme, tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental, controlando as emissões geradas na produção. Embora as emissões diretas existentes no uso de biocombustíveis sejam 90% menores do que na gasolina e no diesel, é preciso considerar as emissões indiretas associadas à produção e ao desmatamento para plantio da cana-de-açúcar, as quais são variáveis e podem ser significativas.
Por exemplo, o fertilizante nitrogenado usado no cultivo de cana-de-açúcar representa 40% das emissões de gases do efeito estufa associadas à produção de etanol. Ao dedicar esforços na limitação dessas emissões indiretas, os benefícios de mudar para os biocombustíveis podem ser ainda maiores.
Até recentemente, não havia valores confiáveis quanto a emissão de gases associados à produção de cana-de-açúcar. Nosso trabalho no Instituto Agronômico de Campinas, em São Paulo, começou a mudar esse cenário.
Descobrimos que, ao estabilizar os fertilizantes com compostos que atrasam a conversão de amoníacos em nitratos (conhecidos como inibidores de nitrificação), podemos reduzir as emissões de óxido nitroso em 95%. Essas inovações são intervenções simples e têm potencial para tornar o etanol mais sustentável e ajudar o Brasil a atingir o seu ambicioso objetivo de reduzir a taxa de emissão de gases.
Outra preocupação envolve a necessidade de plantar mais cana-de-açúcar para atingir à demanda por biocombustíveis. Estima-se que o desmatamento para fins agrícolas seja responsável por cerca de 14% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Felizmente, esse não é o caso no Brasil, onde a lei exige que entre 20% e 80% das terras sejam preservadas, dependendo do local. A agricultura é baseada na premissa que é preciso produzir mais tornando as fazendas tão rentáveis quanto possível.
De acordo com os dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), entre 1975 e 2016, aproximadamente 130 milhões de hectares foram poupados da conversão para terras agrícolas graças à incorporação de diversas tecnologias inteligentes, como sementes melhoradas e o uso apropriado e eficiente de fertilizantes.
No Brasil, o uso dos fertilizantes é raramente considerado como um aliado na luta contra as mudanças climáticas – mas, justamente por isso, ele deveria ser. Os fertilizantes usados de maneira sustentável podem ajudar o Brasil a ser mais produtivo nas terras agrícolas já existentes, evitando a necessidade de expandi-las. A indústria de fertilizantes desenvolveu os princípios de manejo de nutrientes 4C (o nutriente certo, na quantidade certa, no momento certo e no lugar certo) para ajudar os agricultores a melhorarem o gerenciamento de fertilizantes e obterem mais rendimentos, reduzindo o impacto ambiental.
O RenovaBio pode revitalizar o mercado de biocombustíveis e percorrer um longo caminho ao ajudar o Brasil na busca por menores emissões de gases no futuro. É preciso ter certeza de que, ao reduzir as emissões na fase de produção, também fazem parte do plano aspectos como render mais em menos terras e incorporar novas tecnologias. Caso contrário, haverá o risco de perdermos os benefícios de mudar de combustível fóssil em primeiro lugar.
* Heitor Cantarella é diretor do Centro de Solos e Recursos Ambientais do Instituto Agronômico de Campinas (SP).
Com tradução e adaptação novaCana.com