Fonte: Valor Online
Usina sucroalcooleira em Sertãozinho, no interior paulista: reação dos preços do açúcar não veio e abriu espaço para o etanol
A safra sucroalcooleira 2019/20 do Centro-Sul começou com uma grande incógnita: o quanto as usinas dariam de preferência à produção de açúcar e de etanol, já que não se sabia quando as cotações do adoçante reagiriam à redução da produção brasileira. Passados mais de quatro meses do início da moagem de cana, o preço do açúcar ainda não reagiu, e uma parcela maior do mercado está mais convencida que a produção de etanol deverá manter ou ganhar mais espaço no mix de produção, podendo inclusive superar o recorde da safra passada.
Do início da temporada, em 1º de abril, até 1º de agosto, 64,7% do caldo da cana processada pelas unidades da região foi destinado à produção do biocombustível (anidro e hidratado). Na segunda quinzena de julho, 62,96% da cana foi para o etanol. Em geral, o mix é mais açucareiro no meio da safra, já que a concentração de sacarose é maior durante o período seco (inverno). A tendência, portanto, é que, com a aproximação do fim da safra, o mix fique mais alcooleiro.
"Aquela previsão que todos tínhamos de fazer mais açúcar provavelmente não vai mais acontecer. Vamos ter menos açúcar que na safra passada", avaliou Julio Borges, diretor da JOB Economia.
Em relatório divulgado ontem, o escritório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) no Brasil estimou que 64% da matéria-prima processada em todo o país será destinada ao etanol em 2019, ante 64,1% em 2018.
Na safra encerrada em março, as usinas do Centro-Sul destinaram 64,8% do caldo da cana ao etanol. A última temporada em que o mix foi quase tão alcooleiro foi a 2009/10, quando a fatia foi de 60,3%. No último ciclo, a preferência pelo etanol foi determinada pela fraqueza do mercado de açúcar, cujos preços mal pagavam o custo de produção, e pelo início de aquecimento do mercado de etanol.
Neste ciclo, a demanda pelo etanol continuou crescendo de forma surpreendente, segundo um executivo de uma grande companhia do setor, ocupando o espaço que a gasolina tem deixado por estar muito cara aos consumidores. Com o consumo em disparada, os estoques físicos de etanol (anidro e hidratado) registrados pelo Ministério da Agricultura estão quase 30% menores. Somavam 5,8 bilhões de litros em 1º de agosto, frente a 8,2 bilhões um ano antes.
A combinação de uma demanda aquecida e com os baixos estoques está puxando os preços do etanol em pleno pico de safra, aumentando a distância entre a remuneração que o produto gera à usina em relação ao que o açúcar oferece.
Na semana de 12 a 16 de agosto, o indicador Cepea/Esalq para o etanol hidratado que sai das usinas de São Paulo subiu pela oitava semana consecutiva e ficou em R$ 1,7452 o litro - patamar 25,5% superior ao indicador do mesmo período da safra passada e acima, até, do valor médio registrado pelo indicador nos três primeiros meses deste ano (R$ 1,6963 o litro), em plena entressafra do Centro-Sul.
As usinas, porém, ainda estão cautelosas quanto à estratégia que ditará o ritmo das vendas até o fim da temporada. Após apresentarem seus resultados do primeiro trimestre, a maioria das empresas com ações listadas concordou que a demanda está elevada e que o Centro-Sul deve ter uma safra mais alcooleira. Porém, há um receio de que, como na temporada passada, uma aposta forte em carregar muito etanol para a entressafra pressione os preços numa época em que isso não costuma acontecer.
Maior produtora de etanol do país, a Raízen Energia direcionou 51% da cana processada no primeiro trimestre para o etanol, 1 ponto percentual a menos do que um ano atrás. A companhia reduziu as vendas no primeiro trimestre para carregar o produto em estoques para "quando a rentabilidade for maximizada", disse Phillipe Casale, gerente de relações com investidores da Cosan, sócia da Shell na Raízen.
Ele não indicou quando as vendas devem ser concentradas. Mas, para evitar sustos, a empresa tem atuado com futuros de gasolina, o que lhe garantiu no trimestre o maior preço médio de etanol das três empresas com ações listadas no Brasil, de R$ 1.916 o metro cúbico.
O Grupo São Martinho também teve um perfil mais açucareiro no primeiro trimestre, fruto de injunções climáticas e do cumprimento de contratos de açúcar. Seu mix de produção tem sido decidido dia a dia, mas as vendas deverão ser menos concentradas na entressafra do que em 2018/19, embora a oferta total de etanol deva ser impulsionada pela maior moagem de cana. Em teleconferência com analistas, Felipe Vicchiato, diretor financeiro da empresa, disse acreditar que os preços do etanol devem convergir para os 70% de paridade com a gasolina na entressafra.
Por sua vez, a Biosev elevou sua aposta no etanol já desde o primeiro trimestre, elevando a parcela da cana voltada ao biocombustível para 66,3%, ante 64,9% no mesmo trimestre do último ciclo. Ao Valor, Juan Blanchard, CEO da companhia, disse que a expectativa é que a produção do Centro-Sul seja mais alcooleira que na safra passada e que a tendência para os preços é de maior estabilidade, com menor potencial de alta na entressafra.
Listada na bolsa de Nova York, a Adecoagro também maximizou sua produção de etanol, destino de 75% da matéria-prima processada entre abril e junho, ante 73% no mesmo período de 2018. Porém, a empresa indicou que deve ter uma estratégia menos agressiva de carregamento de estoques, "considerando o cenário construtivo de preços de etanol para frente".