Fonte: O Globo
BRASÍLIA – O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Barreto, afirmou ao GLOBO que vai apertar o cerco aos cartéis no setor de combustíveis e divulgará em breve os resultados de um monitoramento de preços em âmbito nacional. O movimento é uma resposta ao pedido do Palácio do Planalto, feito em fevereiro, para que o conselho verificasse se um possível cartel não estaria impedindo que as reduções nos preços do petróleo repassadas pela Petrobras chegassem às bombas.
Segundo Barreto, o Cade vai monitorar indícios de coordenação de preços entre postos espalhados pelo país de forma permanente. Barreto ainda informou que o conselho não foi notificado sobre a fusão entre Suzano e Fibria, no segmento de celulose. Mas destacou que, diante do tamanho das empresas, esse será um caso em que o Cade terá que atuar em conjunto com órgãos antitruste de diversas partes do mundo para chegar a uma conclusão. Ele defendeu ainda os efeitos positivos da operação Lava Jato para o combate a práticas anticompetitivas, especialmente no setor de licitações.
Leia abaixo a entrevista completa.
O modelo de leniência do Cade foi criado em 2000. Depois de todos esses anos, há algo que precisa ser calibrado ou atualizado?
O processo de leniência tem evoluído muito nos últimos anos. Nosso procedimento hoje está muito mais avançado do que quando fizemos nosso primeiro acordo. De lá para cá, fizemos 83 acordos. Ano passado foram 17, um número recorde. Ao longo de todos esses anos, se eu pudesse elencar características do programa que o fazem ser um sucesso, uma delas é que ele é previsível. O segundo ponto é o sigilo com que o Cade tem tratado essas informações. A parceria com o Ministério Público é o terceiro ponto. Funciona muito bem. Os números estão aí e não nos deixam mentir. Agora, pode-se melhorar? Sem dúvida. Nesse ponto, o PLS 283 (que está no Congresso e prevê que as empresas que não colaboram possam pagar pelo dano duplamente) traz mais incentivos para o programa de leniência no Cade.
O crescimento do número de acordos de leniência foi impulsionado pela Lava-Jato?
Acho que é um processo que caminha junto. A própria atuação do Cade nos últimos anos cria uma expectativa de punição que acaba servindo como um incentivo para que as empresas busquem o conselho para firmar acordos de leniência. A disposição de infratores em procurar a administração pública é diretamente proporcional à possibilidade de serem descobertos.
O Cade tem setores que considera delicados, como combustíveis. O setor de construção passa a ser um desses “setores de risco” após os casos da Lava-Jato?
Eu não diria o setor de construção, mas o de licitações públicas, que sempre é uma área que vai despertar uma atenção maior do Cade, assim como de todas as autoridades antitruste mundo afora. Um dos grandes benefícios que podemos tirar da Lava-Jato foi a constatação de como se operou durante muitos anos um esquema sistematizado de cartel em licitações.
Em um dos casos da Lava-Jato, a UTC não pagou a parcela da contribuição pecuniária acordada com o Cade. O conselho deu 10 dias para que a empresa se explicasse. Como está isso?
No caso da UTC, venceu o prazo dado pelo Cade para o pagamento da primeira parcela que havia sido acordada e o pagamento não foi realizado. Houve, antes desse atraso, um pedido de prorrogação que foi negado pelo Cade. Neste momento, estamos analisando as justificativas que foram apresentadas pela UTC.
O governo não colocou o Cade em uma situação delicada ao pedir que investigasse se um cartel impedia que os preços de combustíveis não baixassem na bomba?
De modo algum. A preocupação trazida foi no sentido de indagar ao Cade se haveria a possibilidade de verificação de uma prática de coordenação de preços nos postos de combustíveis. E esse é um trabalho que já é realizado pelo Cade. Nós temos dezenas de casos já julgados e alguns outros casos em análise sobre formações de cartel em postos de combustíveis. Sempre tivemos uma atuação mais coordenada e preventiva nesse setor, que é um setor que preocupa e que tem um histórico de formação de cartel muito grande. Quando nos foi trazida essa preocupação do governo, isso casou com uma expectativa que já tínhamos de ter uma ação mais forte nesse sentido. Não foi nada fora do contexto. É importante esclarecer: não cabe ao Cade regular preços de combustível na bomba e nunca foi. Aliás, não cabe nem ao governo, porque o preço é livre. Mas é atribuição do Cade, sim, verificar se entre os postos há conduta de coordenação dos preços. Em função do pedido que recebemos, estamos analisando nesse momento uma forma de atuação preventiva e sistemática de verificação de indícios de coordenação de preços.
Como?
Vamos criar um mecanismo para verificar, em âmbito nacional, a possibilidade de indícios de coordenação de preço em parceria com outros órgãos da administração pública. Mas, de início, vamos reunir dados para, no Cade, conseguirmos obter indícios de preços coordenados. A partir da verificação de indícios, passamos para investigações concretas. A ideia é criar mecanismos para a identificação de coordenação de preços e, caso constatados, iniciar procedimentos de investigação.
E quão avançado está isso?
Bem avançado. Nesse momento estamos criando os procedimentos. Nossa expectativa é muito em breve ter os resultados concretos desse monitoramento. E passa a ser sistemático. A nossa ideia é que isso passe a ser permanente.
Já se falou por muitos anos sobre uma harmonização da defesa da concorrência no Mercosul. Isso ainda é uma discussão?
Em termos de Mercosul não há nada estabelecido. Há diversas arenas de atuação do Cade no mercado internacional, por exemplo, estamos colaborando muito proximamente da Argentina, que está discutindo legislação antitruste. O modelo brasileiro funciona muito bem, alinhado com diretrizes da OCDE. Muito da nossa lei veio de recomendações da OCDE. Podemos sem a menor sombra de dúvida dizer que é um case de sucesso mundial, tanto que ganhou prêmio de melhor agência antitruste das Américas.
Então, no que depender do Cade a gente já está na OCDE...
Nós temos um pedido específico para sermos aceitos no comitê de concorrência da OCDE. Temos um pedido formal. Temos informações extremamente positivas de que seremos aceitos.
O Cade já foi notificado do caso Suzano/Fibria?
Ainda não houve notificação.
Existem pontos delicados nesse caso. Os especialistas avaliam que será um desafio para o Cade...
O que posso afirmar é que, pelo tamanho das empresas e pelo destaque que elas têm no mercado mundial, com certeza essa será uma operação mundial na qual o Cade vai ter que atuar em parceria com outros órgãos antitruste.
Existe uma avaliação de que o Cade, no último ano, adotou uma postura mais rígida e passou a rejeitar grandes processos de fusão e aquisição. Como o senhor avalia isso?
As recusas em quatro casos na minha gestão – e realmente foram mais casos reprovados do que em todos os anos anteriores – foram devido às características dos casos em si. Num momento de crise na economia, é natural que haja uma consolidação sistemática de mercados. As empresas em dificuldade financeira buscam formas de proteção e uma delas é tentar se unir para reduzir custos. Foram casos específicos em que determinados setores chegaram a níveis de concentração que estavam bem altos. Tenho a convicção que, se esses casos tivessem sido analisados um ou dois anos antes, provavelmente a decisão do Cade teria sido a mesma. Sinceramente, não há que se falar em mudança de tendência na atuação do conselho. O Cade foi rigoroso como sempre foi e é bom para o país que o Cade seja rigoroso. O que tenho observado nos últimos meses é uma preocupação maior do conselho, uma discussão maior sobre efetividade de remédios aplicados pelo Cade. No sentido de: os remédios aplicados são realmente os necessários para resolver esses problemas concorrenciais? E isso esteve no cerne de muitas das discussões que resultaram em algumas dessas recusas.