Brasil precisa investir US$ 6 tri para zerar emissões e eletrificação será o motor, diz BloombergNEF

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Relatório divulgado em primeira mão pela EXAME aponta caminhos para a descarbonização do país até 2050 e engloba os setores de energia, transporte, indústria e edifícios

 Exame Online

‘Não existe uma bala de prata para a descarbonização e cada tecnologia tem um uso mais adequado a depender de onde fizer mais sentido economicamente’, disse à EXAME Vinicius Nunes, analista da BloombergNEF à frente de um relatório inédito divulgado nesta quinta-feira (20) com os caminhos e oportunidades do Brasil rumo à transição para uma economia de baixo carbono até 2050.

Há mais de 10 anos, o braço da Bloomberg de pesquisas sobre o setor energético lança o documento anualmente e pela primeira vez, traz uma modelagem detalhada englobando também o transporte, indústria e edifícios.

A solução para chegarmos ao netzero não é única e nem engloba apenas um setor: embora as emissões brasileiras relacionadas à energia representem metade do total e devem cair rapidamente, não iremos chegar lá sem combater o desmatamento e promover uma agricultura sustentável. Isto porque, o uso da terra e agronegócio representam a outra metade.

Mas é uma unanimidade: o Brasil está em uma posição única, com um mercado energético já amplamente descarbonizado e na frente de outros países que ainda precisam voltar um passo atrás e ‘limpar’ suas matrizes elétricas.

‘Muitas vezes, o próprio brasileiro olha para o país e acha que pela matriz elétrica ser predominantemente renovável, não há desafios neste setor. O que ele esquece é que não estamos falando só do elétrico, é também transporte, indústria, e sobre fazer com que o crescimento da demanda continue sustentável, ou seja, que não se instale mais fontes fósseis’, disse Vinicius.

O Brasil deve triplicar a capacidade de energia renovável até 2050, mas atualmente mais da metade do consumo final de energia ainda vem de combustíveis fósseis. O relatório destaca que será preciso um investimento de US$ 6 trilhões até 2050 no setor e o maior vilão (o que mais emite) é o transporte, que exigirá mais do que biocombustíveis.

Por isso, a eletrificação é o principal motor da descarbonização e seu papel rumo às emissões líquidas zero resolveria 55% da conta. Em seguida, vem o hidrogênio (10%), captura de carbono (9%) e bioenergia (8%).

A eletrificação contempla deste o aumento na demanda e competitividade de veículos elétricos, como a substituição de processos em indústrias intensivas em energia — que passariam a usar fontes limpas. Segundo Vinicius, o transporte é a base para o abatimento das emissões, mas eletrificar não é tudo, e é preciso pensar em um ‘mix’ de tecnologias.

‘Em uma perspectiva econômica, nós vemos o crescimento de elétricos nas rodovias, com um custo mais competitivo. Mas há outros processos difíceis de serem eletrificados: você não consegue colocar bateria em um avião, por exemplo. Então é preciso ter combustíveis sustentáveis de aviação (SAFs)’, explicou.

Aí também entram os biocombustíveis, que para além do transporte, passam a ter uso em outros processos mais economicamente viáveis. É o caso do etanol, amplamente utilizado no Brasil desde a década de 70, e ‘que é muito importante, mas em uma perspectiva econômica encontra uso em outras áreas, até como SAFs ou na própria indústria, e pode gerar uma oportunidade de exportação’, complementou Vinicius.

Já o hidrogênio verde teria um papel de suprir mais da metade do transporte e precisaria ter um aumento de produção em cinco vezes até 2050, ao mesmo tempo em que representaria apenas 2% da demanda global.

A partir de 2030, se tornaria uma ferramenta de descarbonização para indústrias como o aço e o alumínio. Além disso, há uma grande oportunidade de usá-lo na refinaria de petróleo e na produção de metanol e de amônia, em substituição ao hidrogênio cinza proveniente de fósseis.

‘Como tudo novo que surge, o hidrogênio nasceu com um ‘hype muito grande’ e foi visto por muito tempo como uma história de exportação no Brasil. Mas na verdade, os principais usos e os mais palpáveis econômicamente são os domésticos’, disse o analista.

Líder em renováveis como a eólica e solar, o Brasil é terreno fértil para a produção do hidrogênio de baixo carbono. Mas em um cenário econômico, ainda faltam incentivos e investimentos para que a tecnologia ganhe escala e se torne mais competitiva, reiterou Vinicius. O mesmo acontece com a captura de carbono, ainda muito incipiente e que ao mesmo tempo, representa a parcela de 9%.

‘Setores intensivos em energia e de díficil abatimento, como cimento, aço, alumínio, não é possível eletrificar. E aí você precisa capturar carbono’, acrescentou o especialista.

Dois cenários

O relatório da BloombergNEF analisou dois cenários para a transição energética no Brasil: o Cenário de Transição Econômica (ETS) e o Cenário de Emissões Líquidas Zero ou net zero (NZS).

O ETS reflete um caminho baseado apenas em fatores de mercado, sem novas políticas climáticas além das já existentes, resultando em um aumento de 29% nas emissões até 2035 e uma descarbonização limitada a setores como energia e transporte. Nele, o mundo caminha para um aquecimento de 2,6°C até 2100.

Já o NZS traça um caminho mais ambicioso, alinhado com a meta de emissões líquidas zero até 2050, exigindo um crescimento acelerado da eletrificação, além de investimentos em hidrogênio, captura de carbono e energias renováveis. Mesmo assim, considera um aumento de 1,75°C até 2100, além do limite de 1,5ºC estabelecido pelo Acordo de Paris.

Nesse cenário, o investimento de US$ 6 trilhões para viabilizar a transição é apenas 8% maior do que no primeiro. A BloombergNEF destacou que a inação pode ser mais cara no longo prazo, ao considerar os impactos das mudanças climáticas e os custos associados aos seus efeitos mais intensos.

Vinicius ressalta que se tratam de dois modelos, e não uma previsão do que de fato o Brasil irá fazer. ‘O que acontece em âmbito nacional depende muito de decisões políticas. Podemos fazer uma modelagem econômica de como o setor evolui, mas se amanhã o governo baixar um decreto específico, a perspectiva pode mudar’, destacou.

No caso do hidrogênio verde e de captura de carbono, o cenário netzero aponta a necessidade de subsídios e incentivos para que as tecnologias se desenvolvam, enquanto a eletrificação de veículos já é bastante viável na perspectiva econômica e só tende a aumentar. Especialmente, com a entrada de montadoras chinesas no Brasil.

Meta climática brasileira

A meta climática brasileira, estabelecida em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) anunciada durante a COP29 em Baku, prevê uma redução de 59% a 67% das emissões até 2035, em comparação com os níveis de 2005.

Mas diferentemente de outros países, não estabelece uma meta específica para cada setor da economia. O foco do Brasil na redução das emissões está, sobretudo, no combate ao desmatamento, que representa metade das emissões totais do país, enquanto o restante vem do setor energético.

Segundo Vinicius, isto significa que o país tem duas alternativas: zerar o desmatamento sem alterar significativamente o setor de energia, ou dividir a redução de emissões entre os dois.

Mesmo considerando o cenário de netzero no setor energético, a BloombergNEF projeta uma redução de apenas 20% das emissões do Brasil em comparação a 2005, bem abaixo da meta mínima de 59%.

‘A NDC é mais ambiciosa do que o nosso cenário net zero, o que mostra que estamos engajados, mas também significa que vamos precisar intensificar ainda mais esforços em uso da terra e em práticas mais sustentáveis na agricultura’, concluiu Vinicius.

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