A produção de petróleo segue em expansão no mundo, em especial, nos Estados Unidos, que observou um impulso robusto em 2024. O Brasil, apesar de contar com o pré-sal e ocupar a 7ª posição como maior produtor de petróleo do mundo, ainda contabiliza um hiato em comparação com outros produtores globais.
Para especialistas, o baixo desenvolvimento tecnológico, questões geológicas e falta de concorrência no mercado nacional são apontados como fatores que explicam a lacuna produtiva no país.
Ao retomar o exemplo dos Estados Unidos, dados divulgados pela Administração de Informações sobre Energia (EIA) mostram que o país voltou a quebrar seu recorde de produção com a marca de 13,46 milhões de barris por dia em outubro. O pico anterior foi em agosto, com 13,36 milhões de bpd.
Com esse resultado, os EUA mais que dobraram sua produção de petróleo em 20 anos: em outubro de 2004, os norte-americanos produziam 5,17 milhões de barris por dia (bdp).
O Brasil, que também é um player importante do mercado de óleo e gás (O&G), viu sua produção expandir no período, mas não ao mesmo passo que a dos norte-americanos.
Ao longo de 2024, os Estados Unidos aumentaram suas reservas e capacidade a ponto de controlar os preços no mercado internacional, mesmo em meio a fatores geopolíticos que colocaram temores sob o setor.
Além do fato de o país ser a maior economia do mundo, especialistas do setor apontam à CNN que os EUA se destacaram e cresceram no mercado de O&G graças a investimentos em tecnologia, apetite ao risco, uma infraestrutura logística bem desenvolvida e um ambiente regulatório mais favorável aos negócios.
“Eles eram o maior importador [de petróleo até o século passado], o que deixava o país muito fragilizado do ponto de vista energético. Na crise do petróleo de 1973, os Estados Unidos ficaram de joelhos. Ao olhar para dentro e procurar novas reservas, passam a contar com três grandes reservas em ambiente terrestre (no Texas, Dakotas e na região da Filadélfia), além do Golfo do México”, conta Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP).
“Foram atrás delas e desenvolveram. Conseguiram progredir importantemente com a tecnologia. Nos Estados Unidos, o setor tecnológico é diferente. Lá se apoia inovação e risco para produzir petróleo. O capital se adapta, o risco é calculado e ganha-se muito dinheiro quando dá certo”, conclui.
O principal asset dos EUA é o shale, o petróleo de xisto. O país tem tradição na extração da commodity, porém, no caso desta variante, há fatores adicionais de dificuldade de seu manejo devido a menor qualidade do produto e o fato de ele estar instalado entre rochas de díficil acesso.
Voltando ao gráfico, nota-se que a produção norte-americana passa a saltar em meados dos anos 2010. Isso se deu por conta do progresso conquistado à época na tecnologia utilizada na técnica de fracking, o fraturamento hidráulico realizado para aumentar a porosidade das rochas e facilitar a extração do xisto.
“Foi uma revolução do ponto de vista tecnológico, que permitiu tecnologias para exploração e produção em formações geológicas não convencionais. Os Estados Unidos colhe. agora os resultados dessa revolução”, pontua João Victor Marques, pesquisador do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas (FGV Energia).
A indústria de óleo e gás brasileira não é importante apenas para o Brasil – o setor representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial nacional e abastece o mercado interno -, como para nossos parceiros comerciais.
Ao longo de 2024, o Brasil exportou US$ 44,843 bilhões em óleos brutos de petróleo, com uma participação de 13,3% no total de exportações; superando o item historicamente campeão das vendas brasileiras que é a soja (US$ 42,942 bilhões e 12,7% de participação).
Outro item em destaque na balança comercial brasileira foram os óleos combustíveis de petróleo ou de mineiras, que acumularam vendas no valor de US$ 11,69 bilhões, equivalente a 3,5% de participação nas exportações.
Porém, os especialistas ressaltam que o setor poderia estar ainda mais avançado caso superasse alguns dos obstáculos que enfrenta.
Segundo a EIA, o Brasil é o 7º maior produtor de petróleo do mundo.
Ardenghy destaca o papel de empresas como a Petrobras que impulsionaram a produção, a ponto de levar a commodity à liderança de exportações.
“O petróleo brasileiro é de grande qualidade. O país se destaca principalmente pela baixa emissão de CO2, um caso de sucesso da nossa tecnologia. Grande parte desse gás que seria emitida quando puxamos o petróleo é reinjetada. Isso é um exemplo da engenharia e expertise do setor brasileiro e da Petrobras”, afirma o presidente do IBP.
O principal motor da guinada petroleira do Brasil é o Pré-Sal. A grande reserva de petróleo do país começou a ser estudada entre 2006 e 2007, e sua exploração ganhou força ao longo dos anos 2010.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a produção de petróleo e gás natural no Pré-Sal representa cerca de 80% do total nacional.
Marques, da FGV Energia, relembra que desde 1998, com a assinatura da Lei do Petróleo, o país passou a atrair mais investimentos com a abertura do mercado petroleiro para empresas independentes e a regulamentação do setor, que permitira um ambiente jurídico e regulatório mais previsível.
Mas ele destaca que foi com a descoberta do Pré-Sal e as políticas públicas e incentivos econômicos subsequentes que ajudaram a atrair mais investimentos e desenvolver o setor.
Segundo o pesquisador da FGV Energia, o Brasil pode chegar a extrair 5 milhões de bpd em 2030 só com as reservas atuais.
Para Frederico Nobre, gestor de ativos da Warren Investimentos, aponta a descoberta do Pré-Sal como o “maior feito” do setor petroleiro brasileiro neste século.
“Também foi muito relevante o direcionamento da Petrobras de deixar campos maduros e passar para outras empresas, como PRIO e Brava. O fato de a Petrobras ter mudado o foco para águas profundas foi um ganha-ganha. As menores puderam adquirir campos valiosos para ela e a Petrobras focar em algo maior”, explica Nobre.
Essa diversificação do mercado de petróleo no país é recente, e apesar de ser um passo na direção correta, os especialistas ouvidos pela CNN reforçam que a quantidade de empresas atuando no Brasil ainda não se compara ao que é visto nos EUA.
“O Brasil viveu anos de monopólio da Petrobras. Já sofreu mudanças. Hoje o mercado upstream é aberto a todos os tipos de players internacionais e independentes, mas ainda há predomínio da Petrobras. O que não significa uma redução no ritmo de crescimento, mas uma carência de players para ampliar esse crescimento”, indaga Marques.
Mas o pesquisador da FGV Energia também ressalta nessa comparação uma questão da realidade geológica de cada país.
“Nossas reservas são bem menores. Lá estima-se que haja quase 50 bilhões de barris, pouco mais de 48 bilhões. No Brasil as reservas chegam a 15 bilhões. É expressivamente menor. Além disso, nos Estados Unidos, a produção é majoritariamente on shore, enquanto no Brasil é off shore. O tempo e a duração das nossas atividades (descoberta, perfuração e extração) é mais elevada”, conclui.
Apesar de exaltar os avanços tecnológicos do setor, que permitiram a exploração do Pré-Sal com baixas emissões, o presidente do IBP reconhece que o Brasil não apresenta o mesmo desenvolvimento tecnológico que os EUA.
“Aqui não temos tanto investimento em tecnologia como nos Estados Unidos, e o Brasil é deficiente em relação a empresas dispostas a arriscar nesse mercado”, observa Ardenghy.
E enquanto os EUA perfuraram as pedras que encontraram no meio do caminho até o petróleo, o Brasil proíbe a prática de fracking. Controversa, a técnica não é legalizada no país devido a potenciais impactos ambientais.
O presidente do IBP aponta que há possibilidade de se explorar petróleo via fracking nas bacias dos rios São Francisco e Paraná. Sua visão é de que, com o avanço da tecnologia, a técnica se tornou mais segura.
Porém, com entraves regulatórios – que permeiam e agravam todas as questões já citadas -, o petróleo brasileiro perde um pouco da sua atratividade.
“Precisávamos de um ambiente regulatório mais propício para a realização de negócios. Quando tem paralisação no órgão ambiental, licenças, há muita lentidão. É um processo necessário, mas a falta de agilidade afeta e afugenta investimentos. Essa dinâmica é prejudicial à agenda de investimentos, principalmente do ponto de vista do investidor estrangeiro”, diz Nobre, da Warren.
Por conta dos entraves regulatórios, Marques aponta para a dificuldade de o país incluir blocos exploratórios nos últimos leilões, o que desafia o país a avançar, sobretudo, com novas fronteiras.
Com os avanços conquistados pelo setor de O&G, o país alcançou certa independência quando o assunto é petróleo e energia. Porém, essa autosuficiência tem data de validade, uma vez que é natural os reservatórios passaram por uma fase de amadurecimento e, enfim, se esgotarem.
Marques estima que, com a produção atual de cerca de 3,5 milhões de bpd – que ainda tem prospecção de crescimento – e as reservas brasileiras estimadas em 15 bilhões de barris, isso daria uma garantia de 12 a 13 anos de produção até o país atingir seu limite.
“Sem reposição, o Brasil vai perder sua posição atual de baixa dependência e voltaria a ser importador, ficando sujeito a volatilidade do preço do petróleo e riscos de distribuição. Isso deixaria o país exposto, pressionando a balança comercial e reservas de dólar”, pontua o pesquisador da FGV.
Enquanto bacias mais antigas – como a de Campos, Recôncavo e Potiguar – já estão passando por esse momento de amadurecimento, o Ministério de Minas e Energia indica que o Pré-Sal deve chegar a esse ponto de inflexão por volta de 2030.
Para suprir tal vazio, aponta-se para novas fronteiras de exploração. De um lado, estuda-se a possibilidade de explorar petróleo na região de Pelotas (RS), dadas as semelhanças entre sua bacia e a costa da Namíbia, onde já ocorre produção.
Na ponta oposta do país, destaca-se a Margem Equatorial, cuja reserva pode conter de 10 bilhões a 30 bilhões de barris. A exploração da região, porém, divide ambientalistas e o setor, trazendo o embróglio, inclusive, para dentro do governo Lula.
A Petrobras aguarda licença do Ibama para poder seguir com a exploração da região. O órgão, por outro lado, segue adiando o início das atividades e requer mais estudos sobre a segurança ambiental da empreitada.
Roberto Ardenghy argumenta que é importante manter a relevância da indústria petroleira do Brasil, mesmo em um momento de transição energética. O processo é gradual e não vai acabar com a demanda por combustíveis fósseis do dia para a noite, avalia o presidente do IBP.
Ademais, mesmo que a procura caia por um lado, ela deve se manter do outro, que é o das manufaturas derivadas do petróleo.
“Não é contraditório à transição energética, pois ela não vai ocorrer do dia para noite, e o mundo nao vai se livrar de hidrocarbonetos. Grande parte do que usamos no dia a dia vem de derivados de petróleo, que vai continuar importante”, diz Ardenghy.
“O pior cenário é combater a oferta sem conter a demanda. Isso vai gerar inflação, e aí todo mundo paga o preço. O papel do Brasil então é continuar sendo player, garantir autossuficiência e fornecer todos os derivados com uma produção barata, de qualidade e de baixa emissão.”