O avanço nas discussão sobre a reforma do setor de gás natural liquefeito (GLP) recebeu um endosso do Ministério da Fazenda, que recomendou a inclusão da liberação do enchimento fracionado de botijões de gás de cozinha na agenda regulatória da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para 2025 e 2026.
Em suas contribuições à consulta prévia sobre os temas prioritários da agência, a equipe econômica defende que a recarga do botijão seja “devidamente endereçada” pela ANP, até mesmo pelo risco de que, na ausência de uma decisão do regulador, a questão seja disciplinada por dispositivo legal.
A ANP retomou essa agenda recentemente. Colocou em consulta, até 20 de dezembro, um relatório de análise de impacto regulatório (AIR) com seis propostas para o setor, dentre elas o enchimento fracionado.
A ideia é que, ao longo de 2025, as propostas sejam transformadas em novas resoluções, com objetivo de criar um novo arranjo do mercado.
A agenda regulatória 2025-2026 proposta pela ANP introduz 19 novos itens à agenda atual – dentre os quais combustíveis experimentais, especificações de novos combustíveis marítimos; verticalização no mercado de combustíveis; redução das emissões de metano na exploração e produção; e preferência à contratação de fornecedores brasileiros.
Mas o que ficou de fora e que os agentes do mercado querem ver na pauta do regulador?
A chamada ‘bomba branca’, tie back de campos maduros, biometano, hidrogênio, harmonização regulatória do gás…
A seguir, a agência eixos apresenta alguns dos principais temas sugeridos à ANP durante a consulta prévia sobre a agenda regulatória 2025-2026.
Distribuidoras contra a ‘bomba branca’
No segmento de abastecimento de combustíveis, as grandes distribuidoras, representadas pelo Sindicom, defendem a revisão da resolução 858/2021 – que trata do fim da tutela da fidelidade à bandeira e abre espaço para a chamada ‘bomba branca’ nos postos, quando um varejista exibe a marca de um distribuidor, mas vende combustíveis de outros.
A ANP não regula a ‘bomba branca’, mas deixou de tutelar os contratos privados entre postos e distribuidoras desde 2022. Recentemente, a ANP rejeitou um recurso do ICL que questionava as regras vigentes, mas o colegiado entendeu que quaisquer mudanças deveriam passar pelo rito regulatório.
Vibra e Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) pedem que a ANP faça uma Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) sobre o assunto. Alegam que o tema precisa ser aprofundado pela agência, pois as lacunas geradas pela regulação têm desincentivado investimentos.
O Instituto Combustível Legal (ICL) cita que o fim da tutela é alvo de judicialização – o que ocasiona insegurança jurídica. A Raízen também pediu revisão das regras.
Um outro tema quente no mercado de combustíveis trazido pelas grandes distribuidoras foi o da formulação de combustíveis. O ICL reforçou o pleito para suspensão da atividade – que concentra práticas anticompetitivas de natureza tributária e irregularidades.
Este ano, a ANP revogou cautelarmente a autorização da Copape para o exercício da atividade de formulação de combustíveis, em razão de irregularidades.
O assunto está em voga e, no Legislativo, o deputado federal Júlio Lopes (PP/RJ) apresentou recentemente um projeto de lei (PL 4257/2024) que proíbe novas autorizações de formuladores de combustíveis.
Petrobras pede mais liberdade em negociações
A estatal, agente dominante, pleiteia junto à ANP a revisão dos requisitos para o exercício da atividade de distribuição, em busca de mais liberdade de negociação de seus preços – hoje a companhia oferece o mesmo valor para as diferentes distribuidoras de um mesmo polo de suprimento.
A petroleira argumenta que, com a abertura do mercado, novas relações contratuais foram estabelecidas e, nesse contexto, é necessário “reduzir os impositivos regulatórios” para que distribuidoras e produtores possam exercer a livre iniciativa e a livre negociação contratual. Consta na resolução 950/2023.
A Raízen, por sua vez, defende a necessidade de se criar novos arranjos da regulação. E propõe a revisão da resolução 852/2021 para possibilitar a fabricação por encomenda (tolling) entre agentes distribuidores, de comércio exterior, no mesmo elo ou entre elos.
No E&P, mais atenção ao tie back
Além de sugerir o enchimento fracionado de GLP, o MInistério da Fazenda também defendeu um arcabouço regulatório mais favorável a sistemas inovadores como o método tie back (conexão submarina de diferentes campos entre si).
A pasta cita que o tema não está hoje plenamente amparado nas normas da ANP, com destaque para a resolução 749/2018 (que trata da redução de royalties como incentivo à produção incremental em campos maduros).
O tie back é, dentro da área de E&P, o principal tema levado pelos agentes à ANP na consulta prévia. A PRIO, por exemplo, defende a inclusão dos tie backs nos critérios de enquadramento de curva incremental para fins de redução de royalties. Pleito acompanhado por IBP (produtores), Abpip (produtores independentes) e Firjan.
Ainda na temática dos campos maduros, a Firjan sugeriu a regulamentação do compartilhamento de infraestruturas.
IBP sugere cláusula de estabilização tributária
O IBP sugeriu também a revisão dos contratos da Oferta Permanente para incluir uma cláusula de “estabilização da carga tributária”.
A ideia é que, caso novos tributos sejam criados ou aumentados, o regulador e as petroleiras possam ajustar as alíquotas das participações governamentais (royalties e participações especiais) para manter o mesmo nível de government take previsto no momento da assinatura do contrato.
A proposta vem após a criação do imposto temporário sobre a exportação de óleo cru, anunciado pelo governo Lula em 2023, e idas e vindas nas discussões sobre a criação da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização (TFPG) no Rio de Janeiro.
Agenda extensa para as novas energias
Na esteira da aprovação este ano dos marcos legais do hidrogênio de baixa emissão (14.990/2024), da captura e estocagem de carbono (CCS) e do Combustível do Futuro, os agentes pedem que a ANP se concentre na regulamentação dessas leis.
A Petrobras e o IBP encabeçam, por exemplo, pedidos para definição das regras para certificação das emissões do combustível sustentável de aviação (SAF), para cumprimento das metas previstas no Combustível do Futuro; e a regulamentação infralegal da CCS e do hidrogênio de baixa emissão de carbono (HBEC).
Pedem também uma revisão ampla Resolução 852/2021, que regulamenta a atividade de produção de derivados de óleo e gás, para inclusão de, dentre outras propostas, a regulamentação para testes e outorgas para produção de combustíveis renováveis a partir do processamento de óleo vegetal ou similar.
A Vibra complementa: pede a adequação da Resolução 939/2023, que regulamenta a autorização para a operação de ponto de abastecimento, para introdução de novos combustíveis na cadeia.
O tema das novas energias também está no radar de agentes da indústria sucroalcooleira e geração de energias renováveis. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), por exemplo, pede atenção na definição das regras para concessão da autorização a agentes que desejam operar uma determinada área para CCS.
E também chama a atenção para a necessidade de se regulamentar o processo de autorização e fiscalização do exercício da atividade de exploração e de produção de HBEC – incluindo as condições e modalidades de outorga para exploração do hidrogênio natural.
A Voltalia prega uma regulamentação “efetiva e clara” sobre o HBEC, enquanto a Casa dos Ventos defende que a regulação seja pautada pela criação de processos não onerosos, não burocráticos e isonômicos.
A Casa dos Ventos sugere, ainda, a inclusão de biocombustíveis sintetizados a partir do hidrogênio verde como uma rota de produção apta a obter os CBIOs – créditos de descarbonização do RenovaBio – como forma de fortalecer a cadeia de valor nacional e estimular a produção de combustíveis renováveis.
Na agenda do gás, o biometano
Dentre as contribuições recebidas pela ANP para inclusão de novos temas na extensa e atrasada agenda regulatória da agência no setor de gás natural, destaque para a regulamentação do mandato do biometano, introduzido no Combustível do Futuro.
A Petrobras, por exemplo, cita que a nova lei traz uma série de tarefas para a ANP, dentre elas definir os agentes obrigados ao mandato; as metodologias para base de cálculo das metas de redução de emissões (e compra de biometano); e a regulamentação do Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB).
Nesse ponto, a petroleira defende que sejam implementadas regras gerais de operacionalização (concessão, aposentadoria, comercialização, rastreabilidade, transparência, credibilidade etc); e metodologia que assegure a fungibilidade com outros certificados e que estabeleça parâmetros adequados e claros para evitar sobreposições entre CGOB e CBIOS (do RenovaBio).
A Unica e outros agentes do setor sucroalcooleiro vão na mesma linha.
Harmonização regulatória e a agenda do transporte
Ainda no setor de gás, entidades ligadas aos consumidores (Abrace e CNI) citam a importância de a ANP atuar na harmonização regulatória com os estados, por meio da definição de diretrizes. A Abrace destaca, nesse sentido, que será imprescindível estabelecer o Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural.
E cita também a necessidade de um direcionamento por parte da agência em relação à proibição do self-dealing, com o objetivo de fomentar a independência comercial das distribuidoras e evitar conflito de interesses de comercializadores que possuem participação acionária nessas concessionárias.
O IBP, por sua vez, pregou a harmonização dos setores de gás natural e energia elétrica. As petroleiras também pedem um “marco regulatório bem definido que confira segurança para possíveis investimentos” em estocagem de gás.
O pleito é compartilhado pela ATGás, que representa as transportadoras e cita a necessidade de se regulamentar a outorga de autorização, acesso de terceiros, cessão de capacidade, tarifas e uso contingencial da infraestrutura.
Na agenda do transporte, em si, a associação propõe uma série de temas, como a criação de diretrizes regulatórias para elaboração do plano coordenado de investimentos pelas transportadores; e a regulamentação do artigo da Lei do Gás que trata dos planos de contingência.