Valor Econômico
O termo em inglês “hard-to-abate” (“difícil de diminuir”) tem aparecido cada vez mais em discussões sobre redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Ele se refere às atividades econômicas que enfrentam os maiores desafios para descarbonizar sua produção. Porém, setores como cimento, aço, vidro, produtos químicos e o dos transportes pesados -os principais “hard-to-abate” – têm papel vital no cumprimento do Acordo de Paris, pois são responsáveis por cerca de 20% das emissões.
Substituir o combustível fóssil em grandes fornos industriais por uma alternativa menos poluente é uma das apostas de empresas destes segmentos para cumprirem seus compromissos climáticos. É também um caminho para se ajustarem às regulações cada vez mais rígidas.
Este é o caso da Vale Metais Básicos, do grupo Vale. A empresa trabalha em algumas frentes para substituir combustíveis fósseis por alternativas menos poluentes. Em setembro passado, fez seu primeiro teste no âmbito de um projeto piloto na unidade Onça Puma, em Ourilândia do Norte, no Pará, onde produz níquel. Em parceria com a consultoria da Deloitte, está estruturando uma forma de substituir até 30% dos fósseis usados para aquecer seu forno por biomassa proveniente de resíduos florestais.
Segundo Maria Emília Peres, líder de clima, sustentabilidade e equidade na área de consultoria empresarial da Deloitte, a complexidade de um trabalho deste tipo está em combinar a tecnologia validada e oferta constante com volume suficiente de matérias-primas para viabilizar o uso em escala.
“A escolha pela biomassa de resíduos florestais considerou a logística e timing de fornecimento, ou seja, no quanto estava acessível”, conta Peres. Em Onça Puma, a presença de um grande fabricante de papel e celulose na região ajudou na tomada de decisão, pela contribuição para a circularidade da cadeia de celulose.
O piloto de Onça Puma é resultado de um amplo mapeamento das iniciativas de descarbonização possíveis para a Vale cumprir seus compromissos.
“O plano de descarbonização é um desafio, desde a estratégia para achar as soluções até a implantação em si”, comenta Ludmilla Nascimento, diretora de energia e descarbonização da Vale.
Até 2030, a empresa quer reduzir em 33% suas emissões e, em 2050, atingir emissões líquidas zero (net zero). Para isso, vai investir, US$ 6 bilhões de 2021 a 2030. Entre as soluções já adotadas pela Vale, estão o uso de biocarbono para substituir o carvão mineral antracito nos fornos de pelotização e, em uma parceria com a Eneva, a troca de óleo combustível por gás natural, menos poluente, ambos na usina de pelotização em São Luís (MA). Apenas com o uso do gás, as emissões do processo devem cair 28%, segundo estimativas.
Mas toda mudança de combustível dentro de uma fábrica não é um processo simples. As adaptações exigidas demandam tempo para serem implementadas, ressalta Bruno Guerreiro, gerente de sustentabilidade da Pepsico Brasil. Em outubro, a fábrica em Itu (SP) será a primeira unidade da companhia na América Latina a neutralizar as emissões de gás carbônico (CO2), com a substituição total de gás natural (GNV) por biometano para acionar os fornos.
“No caso do gás natural para biometano, há uma simplificação porque as moléculas são idênticas, no entanto, exige algumas adaptações, como troca do conjunto de queimadores. Isso é necessário para o controle da chama e evitar que a produção saia do padrão global de qualidade da companhia. O produto consumido no Brasil deve ser o mesmo encontrado em outros países”, diz Guerreiro.
Futuro do alumínio passa por inovação e otimização da produção”
— Gisele Salvador
Em outubro, quando estiver plenamente em operação, o projeto da transição de gás natural para biometano da Pepsico prevê reduzir 44% das emissões somente na fábrica de Itu, que é a maior operação no Brasil. Iniciado em março deste ano, o projeto Biometano deverá ser implementado em sete fábricas até 2030, atingindo 75% de redução das emissões, o que representa diminuir em mais de 67 mil toneladas por ano de emissões CO2 nos próximos seis anos.
O biometano que será usado nas fábricas da Pepsico de Itu e Itaquera é originado no aterro sanitário de Caieiras (SP). Segundo Guerreiro, a proximidade facilita a logística e promove a economia circular. Para transportar o biometano do aterro sanitário até as fábricas, a Pepsico fez uma parceria com a Ultragaz, que utilizará caminhões também abastecidos com o biocombustível.
Embora não divulgue o valor investido no projeto Biometano, Guerreiro ressalta que o biocombustível tem preço indexado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), resultando em previsibilidade nos custos. Cita, por exemplo, que GNV mais do que dobrou de valor na pandemia. Além de ser mais barato, o biometano emite 95% menos gases de efeito estufa que o GNV.
A indústria de alumínio também aposta na transição energética para reduzir emissões. A Associação Brasileira do Alumínio (Abal) mostra que a produção do metal primário no Brasil é 3,3 vezes menos intensiva em emissões poluentes do que a média global: cada tonelada de alumínio primário nacional emite de 4,5 a 6,5 toneladas de CO2 equivalente (tCO2 e); a média internacional é de 16 tCO2 e. Nas refinarias, a produção de uma tonelada de alumina é 4,6 vezes menos intensiva que outros países: ela emite 0,6 tCO2 e ante 2,7 tCO2 e.
A estimativa da Abal é que a substituição de combustíveis fósseis na geração de energia para alimentar processos produtivos tenha reduzido de 30% a 35% das emissões na indústria no acumulado até 2022. Um exemplo é a Alcoa, que investiu R$ 1,3 bilhão em transição energética nos últimos dois anos como parte da estratégia para alcançar o net zero até 2050.
Desde o religamento em abril de 2022 da unidade de produção de alumínio primário (chamada de smelter), instalada em Alumar (MA), a Alcoa aportou R$ 1 bilhão para que os equipamentos funcionem com energia renovável. Em Poços de Caldas, a refinaria dedicada à produção de aluminas fez a conversão das caldeiras movidas a combustível fóssil para gás natural. A refinaria também trabalha com caldeiras elétricas para substituir, em parte, as movidas a gás, o que reduz em 5,6 vezes as emissões.
“O futuro do alumínio passa pela otimização do processo produtivo e inovação, com melhorias tecnológicas que reduzam a emissão de carbono e o impacto ao meio ambiente”, comenta Gisele Salvador, diretora financeira (CFO) da Alcoa Brasil.
Rosana Santos, diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética, ressalta que o CBAM (Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono), nova norma da União Europeia que vai sobretaxar produtos importados intensivos em carbono, forçará muitas companhias a se descarbonizarem. “Os empresários têm começado a entender que precisam colocar dinheiro para mexer na operação e ter produtos de baixo carbono.”