Valor Econômico
O investimento de US$ 100 milhões da Stellantis no projeto Hell´s Kitchen, da CTR, na Califórnia, em meados de agosto, é mais um capítulo na corrida da indústria automotiva pelo lítio. O minério é essencial para a produção de veículos elétricos. E o aquecimento do mercado tem levado as montadoras a buscarem alternativas de suprimento.
Com isso, a Stellantis, fusão da FCA (Fiat Chrysler) com a PSA (Peugeot Citröen), expandiu para até 65 mil toneladas anuais o contrato para a compra de hidróxido de lítio monoidratado, assinado junto à CTR em 2022.
“Hoje, temos parcerias para garantir um fornecimento estável de materiais importantes para um futuro eletrificado”, diz Antonio Filosa, presidente da Stellantis para a América do Sul. Atualmente, a montadora já tem contratos de suprimento estabelecido com a Kuniko, Alliance Nickel, McEwen Copper, Terrafame, Vulcan Energy, Element 25, além da CTR.
Filosa explica que a montadora planeja que 100% de suas vendas na União Europeia em 2030 sejam de veículos elétricos. Nos Estados Unidos, a participação dos elétricos será de 50%. Até 2030, a Stellantis projeta vendas anuais de 5 milhões de unidades de veículos elétricos em todo o mundo, com um investimento de ? 30 bilhões até 2025 em eletrificação e desenvolvimento de software.
A Stellantis não é a única. Desde 2021, a GM fechou acordo de fornecimento com a CTR e também com a americana Livent, para ter acesso à produção de lítio na América do Sul. E em janeiro deste ano, fechou novo investimento de US$ 650 milhões, desta vez com a canadense Lithium Americas, para o desenvolvimento da mina Thacker Pass, em Nevada. A Ford, por sua vez, fez acordos com a chilena SQM, com a americana Albermale e com a canadense Nemaska Lithium.
Na Europa, a Renault tem um contrato com a Vulcan Energy para compra de um volume entre 6 e 17 mil toneladas métricas anuais de lítio, com entregas previstas a partir de 2026. A montadora francesa quer mais de 65% de veículos elétricos e eletrificados em seu mix de vendas até 2025 e espera atingir 90% em 2030.
Os chineses estão investindo agressivamente na Bolívia” — Manuel Fernandes
Toda essa movimentação acelera o mercado minerador. Hoje, Austrália, Chile e China lideram a produção global, mas o aquecimento da demanda estimula a criação de novas fronteiras. “Temos descobertas importantes no Irã, na Índia, os chineses estão investindo agressivamente na Bolívia”, enumera Manuel Fernandes, sócio-líder em energia e recursos naturais da KPMG na América do Sul. “No Brasil, temos quatro mineradoras estrangeiras operando, todas listadas na Nasdaq, atuando no Vale do Jequitinhonha (MG), além das operações da CBL e da AMG.”
Segundo Fernandes, o grande desafio do setor para atender o mercado automobilístico é o timing. “São projetos muito longo prazo e a demanda cresce muito rapidamente”, afirma. O consultor observa ainda que a América do Sul tem reservas significativas a serem exploradas, mas que é preciso investir no refino. “Para não cairmos na velha armadilha de exportar matéria-prima e perder a possibilidade de vender o produto refinado ou mesmo fabricar as baterias elétricas”, diz.
Para Henry Joseph Jr., diretor-técnico da Anfavea, os investimentos das montadoras em mineração são estratégicos. “Os países europeus assumiram compromissos ambiciosos de descarbonização que precisam ser cumpridos e as montadoras terão de cumprir essas metas ou perderão espaço para as empresas chinesas no mercado global.”
Segundo Joseph Jr., no Brasil, a tendência do mercado é de adoção de modelos híbridos. “Especialmente, pela falta de redes de abastecimento para veículos elétricos fora dos grandes centros”, explica. Ele observa também que o país tem possibilidades de se integrar à cadeia global de fabricação de carros elétricos.
Nesse sentido, a implantação de fábricas de baterias de lítio no Brasil seria um passo importante estratégico. Joseph Jr. ressalta, no entanto, que os investimentos nesse tipo de unidade são altos. “Uma fábrica de baterias para carro elétrico custa cerca de US$ 2 bilhões e leva de dois a três anos para entrar em operação”, diz. “Para isso funcionar no Brasil, seria preciso mirar também na exportação, para que o negócio tenha escala e, claro, ter acesso a suprimentos estáveis de lítio.”
Filosa, da Stellantis, por sua vez, avalia que os custos e a infraestrutura necessários para veículos 100% elétricos, ainda impedem que exista um carro de entrada 100% elétrico no país. “E o Brasil já tem a indústria do etanol, que é uma arma comprovada para atingirmos as metas de descarbonização”, diz. “Por isso, nosso foco para produção nacional será nos híbridos, combinando o etanol e o elétrico, com a tecnologia Bio-Hybrid, que favorece a descarbonização da mobilidade e privilegia as características e recursos do Brasil, como o etanol e a energia elétrica proveniente de fontes renováveis.”
O presidente da Stellantis acrescenta que a operação brasileira já está pronta para o desenvolvimento de modelos totalmente elétricos. “É natural que, ao longo dos anos, com todo processo de hibridização, tenhamos a localização de uma plataforma elétrica”, diz Filosa. Além disso, a Stellantis é uma empresa que busca ter uma gama de produtos mais nacionais possíveis. Nossos produtos hoje giram em torno de 70% a 95% nacionalizados”, conclui.