Money Times
Desde os anos de 1970 e passadas todas as mais importantes fases pós-Proálcool, como a implantação da frota flex e do RenovaBio, e agora com a defesa do seu uso nos veículos elétricos, o etanol não tem ?´vida?´ própria no setor sucroenergético.
Não que não seja importante para as indústrias, mas a entrega de safra está sempre sujeita à arbitragem feita com o açúcar. Raríssimas vezes o biocombustível foi a preferência, mesmo quando os preços do adoçante não atingiam valorização expressiva em Nova York.
Além da concorrência dentro do mix da cana-de-açúcar, ainda há o petróleo a balancear as decisões das empresas, e a influência direta da economia que pode desestabilizar o consumo — como o visto este ano, ainda somado à quebra extraordinária da matéria-prima em cerca de 80 milhões de toneladas no ciclo 21/22.
Internacionalmente, o etanol também não tem status de comercialização regular, em volume e mercados, que pudesse ter uma referência de preços — e, principalmente, instrumento de hedge -, promovendo-o, também, ao planejamento mais largo na cadeia.
E se o etanol deixasse de ser um produto praticamente só negociado no spot, tanto no maior mercado consumidor mundial, o Brasil — incluindo os dois tipos, anidro e hidratado -, quanto externamente, a história poderia ser outra?
“Sim”, diz Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, não sem antes destacar as particularidades do ativo.
A rigor, eis a questão: fazer o biocombustível virar uma commodity, ou alguma coisa parecida, mesmo que fosse apenas no mercado interno, dando maior previsibilidade produtiva (descontando-se as influências climáticas de safras, como qualquer outro produto do agronegócio) e segurança nas negociações futuras, para, ao final, garantir oferta e consumo crescentes na matriz energética.
No plano internacional, a dificuldade é inerente à falta de padronização do produto. No caso, apenas o anidro, misturado à gasolina, já que o hidratado apenas o Brasil consome.
Como as commodities gozam de especificações harmoniosas, como é o contrato nº 11 do açúcar bruto em Nova York, o biocombustível não. Cada país, entre os principais, emprega volumes diferentes (relação de teor alcóolico e água na sua composição), entre outros, lembra Nastari.
A busca de um consenso mundial entre compradores e produtores seria possível olhando a característica do produto no transporte marítimo, sujeito à produção de ar, como ele explica, bem como a entrada no debate dos produtores de automóveis para a produção de veículos que aceitassem essa padronização.
De certo modo, foi também o que os pesquisadores da Esalq/USP, Geraldo Sant?´Ana de Camargo Barros e Mirian Rumenos Piedade Bacch escreveram no artigo científico “O que impede a transformação do etanol em commodity?”, ainda em 2008. Os principais stakeholders globais precisariam conservar e definirem uma harmonização.
Com o aumento do mandato para uso do biocombustível em muitos países, em especial a Índia agora por ser o fiel da balança no açúcar subsidiado que distorce o mercado, até mesmo barreiras tarifárias poderiam ser eliminadas.
Na soma, o trabalho dos acadêmicos conduz ao que o presidente da Datagro pontuou ao Money Times: como nova instrumentalização, haveria uma possibilidade de formação de preços para os negócios internacionais “de longo prazo”, preservando o renovável da dependência do açúcar e da gasolina, e assegurando uma garantia mínima de segurança, ante à volatilidade das cotações, com um mecanismo de negociação no mercado futuro.
Como qualquer commodity.
Nastari lembra o ativo “gasolina RBOB” negociado na bolsa de Nova York.
Brasil
No mercado do Brasil, se falarmos em commodity seria um exagero, mas uma espécie de comoditização não seria tolice. “Com uma participação de 48% no ciclo Otto [motores a combustão], é sui generis que o etanol seja negociado praticamente só à vista”, acentua o consultor, uma das principais autoridades no setor sucroenergético.
Se avançasse as negociações ?´a termo?´, para entrega futura — coisa que existe muito parcialmente no etanol anidro, segundo lembra o presidente da Feplana e da Usina Coaf, Alexandre Lima -, com um mecanismo de hedge na B3 (B3SA3), por exemplo, seria um passo bem dado.
Para isso, as distorções fiscais teriam que ser eliminadas, causas da falta de liquidez que praticamente tornaram inócuos os contratos futuros, destaca Plínio Nastari.
Sem mercado a termo e sem mercado futuro, os etanóis não chegam perto de alguma possibilidade de comoditização, e não há como as usinas trabalharem sua participação no mix de forma mais previsível.
“Inclusive, seria um grande passo para que o RenovaBio atingisse a meta programada para 2030”, defende Lima, o dirigente que representa os produtores nacionais de cana e a usina cooperativista de Pernambuco. Para chegar aos 50 bilhões de litros, precisaria crescer muito a produção por safra, acima de 8% até 2026, e daí seguir para o topo, contra os 31 bilhões/l desta safra, sob queda de mais de 15%.
Além de destacar as importações de etanol americano que desregulam o mercado, especificamente no Nordeste, inclusive nesta temporada em plena safra regional.
Na soma, o exemplo da Coaf, na Zona da Mata Norte de PE, é quase igual nas demais com flexibilidade produtiva. Pensou em uma safra mais etanoleira e agora, na fase atual da moagem total de 750 mil/t de cana, já está produzindo 60% de açúcar.
Mas há uma luz de mudanças no cenário setorial. Em ação conjunta da Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBM) e Datagro, foi criado um ambiente de negociação a termo (de também do spot) de biocombustíveis em geral, o que também traz para o mercado a participação mais efetiva de corretoras, por exemplo.
O BBMDatagro, já apresentado aqui em Money Times, além de usar as referências de preços levantados pela consultoria, também oferece a expertise da Câmara de Arbitragem da BBM, como diz o CEO Cesar Henrique Bernardes Costa.
“Se alguém roer a corda no contrato, resolva-se”, ratifica Nastari.