Valor Econômico
O Brasil não é a Nigéria, onde a geração de riqueza do petróleo suscita uma intrincada trama de conflitos federativos que opõem etnias e regiões do país. Mas, conforme a produção brasileira sobe, com a exploração dos campos do pré-sal, a tendência é que disputas pela distribuição de recursos entre entes da federação aumentem, com crescente risco para a estabilidade institucional.
A previsão é do professor Beni Trojbicz, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), organizador de livro inédito com estudos de casos que têm como foco países federativos produtores de petróleo.
Recém-lançado pela editora Elsevier no Reino Unido, “Oil Wealth and Federal Conflict in American Petrofederations” (Riqueza Petrolífera e Conflitos Federativos nas Petrofederações Americanas, em tradução livre) tem como base o pós-doutorado de Trojbicz na Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP) e analisa a relação entre as rendas do petróleo e o potencial de disputa federativa na Argentina, Brasil, Canadá, EUA, México e Venezuela.
Os seis países das Américas representam um recorte no grupo maior de 12 produtores de petróleo que adotam o federalismo e já eram estudados por Trojbicz, incluindo Nigéria, Malásia, Rússia, Austrália, Índia e Paquistão. Alguns dos maiores produtores como Arábia Saudita e Irã são Estados unitários e, por isso, não foram objeto da pesquisa.
No livro, os capítulos dos países são escritos por autores locais, com base no modelo teórico desenvolvido por Trojbicz. Eles destrincham elementos que influenciam a relação entre petróleo e federalismo e afetam o potencial de conflito. Três principais fatores distinguem os sistemas federais de exploração de petróleo: a escolha entre centralizar ou descentralizar as receitas da exploração do petróleo; a relevância do setor para cada país; e as políticas de redistribuição federativa. “Em geral, o conflito se dá entre três grandes atores: a União, as províncias ou Estados produtores e os não produtores”, afirma o pesquisador.
As disputas podem ser classificadas como verticais, ou seja, entre União e entes subnacionais, em regra as mais frequentes, aponta Trojbicz, ou horizontais, entre as unidades da Federação, como ocorre no Brasil. “Aqui, a União decidiu não intervir e se ausentou dessa disputa”, diz.
A disputa entre os Estados produtores e os não produtores no Brasil, lembra o professor, teria sido alvo de acordo político entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e acabou judicializada no Supremo Tribunal Federal (STF).
A corte tem adiado a análise do pedido para que se adotem novos critérios para a distribuição dos recursos, beneficiando Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, o que não significa que o jogo está parado. “O engavetamento do caso indica algo, é vitória dos Estados produtores. Não uma ausência de ação”, diz, prevendo que o aumento da produção tende a pressionar por alteração no status quo.
Trojbicz ressalta que, com a descoberta do pré-sal, o Brasil já ultrapassa a produção de 3 milhões de barris diários e está na categoria de países em que o setor de petróleo é “importante”, ao lado de México, Rússia e Malásia. Na categoria acima, a “dominante”, estão Venezuela e Nigéria. Na terceira faixa, está o Canadá, onde o setor é “relevante”; e na quarta, há cinco países em que ele é “pequeno”, face o restante da economia, como Argentina, Austrália, Estados Unidos, Índia e Paquistão.
A produção brasileira, afirma, empata com o patamar da Venezuela em seu momento de ápice, em 2005. “No Brasil, está crescendo muito o peso do setor de petróleo e a expectativa é que a disputa federativa cresça, com mais preocupação sobre como esses recursos estão sendo utilizados. A literatura relata um histórico consistente de que esses recursos tendem a gerar instabilidade.”
O Brasil teria ainda uma peculiaridade que torna a situação mais delicada. “As jurisdições produtoras são ricas e populosas. Isso é uma exceção, já que nos outros países são jurisdições pouco populosas e pobres (pelo menos antes do advento da riqueza petrolífera, como em Alberta, no Canadá). Essa característica faz com que a riqueza petrolífera aumente a desigualdade regional, o que é problemático”, afirma o professor.
Trojbicz reconhece que a disputa federativa em torno das rendas do petróleo no Brasil é complexa, pois há um elemento adicional, introduzido pela Constituição de 1988. Trata-se da cobrança do ICMS sobre os combustíveis no destino, e não na origem, o que prejudicou sobretudo o Rio de Janeiro, maior Estado produtor, em relação às demais unidades da Federação.